AANNES 1926: Ponte francesa no Rio Passo Fundo
O rio Passo Fundo já teve um ponte construída a imagem e semelhança das pontes de Paris e com pedras fixadas por cimento vindo da Inglaterra. Difícil de acreditar? Muitas coisas referentes ao passado de nosso rio são difíceis de acreditar. A começar que nele deslizava-se de canoa, dava-se alguns mergulhos e um que outro peixe se pescava.
Na minha infância, junto com meus irmãos e mais alguns vizinhos, construímos uma tosca canoa de difícil manobrabilidade e de fácil afundamento. Por medida de segurança, fixamos dentro da canoa, amarrada por uma corrente, uma bóia feita de rolha. No primeiro dos inúmeros desastres náuticos que viriam a se repetir, quando a água começou a tomar o conta, o mais afoito de nós agarrou-se à bóia e jogou-se na água. Óbvio que a rolha escorreu por entre seus braços e permaneceu presa pela corrente. A canoa acabou não afundando e o único que iria se salvar acabou sendo o único a naufragar.
Era difícil andar de canoa no rio, porém quando ele alagava, a criançada imaginava navegar num oceano. Próximo a ponto que existe hoje dando acesso ao CTG Lalau Miranda, para o lado do centro da cidade, havia um açude que por ocasião dos alagamentos ligava-se ao rio. E a partir de 1956, próximo onde hoje está a Câmara de Vereadores e uma quadra aberta de futebol de salão, construiu-se a Lagoa do Centenário. Tudo virava num grande lago. Ah! que saudade daqueles abençoados alagamentos!
Os mergulhos eram feitos, mesmo em tempo de poucas chuvas, próximo onde hoje é a rodoviária num local conhecido como Redondão ou Pocinho.
Com o aumento das moradias ao longo do rio, aos poucos, a garotada foi se afastando dele. Os peixes começaram a não ser mais peixes. Pegávamos coisas estranhas com nossos anzóis. O açude acabou e deu lugar a casas e a edifícios. Da canoa não restou nem fotografia. A cidade que terminava na ponte, transformou-se. Agora é apenas o centro da cidade que termina na ponte. Incrível para alguém como eu que sempre morou por aqui!
Fui à pé a primeira sessão de cinema do Bourboun junto com um filho comentando estas coisas. Ele disse admirar os escritores de ficção científica quando conseguem advinhar com correção o futuro: “Tenho certeza que nenhum de vocês que andavam de canoa por aqui previu a existência de cinemas à margem do rio”. É verdade. Nós, ribeirinhos, até custamos a acreditar. Nos orgulhamos do progresso, mas conservamos algumas saudades. Uma delas: a ponte de pedra à francesa.
No local onde a Av. Brasil cruza o rio, havia uma ponte magnífica, com uma amurada de pedra trabalhada, simples e imponente ao mesmo tempo. Uma cópia das pontes do Sena. Quem determinou sua construção foi alguém que sempre gostou de trazer para cá a novidade e o progresso, alguém que, na juventude, morou na capital francesa e em outros lugares deste planeta. Isto no início do século XX. Armando Araújo Annes nasceu e viveu a maior parte de sua longa vida às margens do rio Passo Fundo. Num longo período na margem direita, noutro período mais longo ainda na margem esquerda. Gostava do rio.
Entre 1926 e 1928, quando intendente do município, contratou o dr. Dante Mosconi e deu-lhe as orientações tendo por bases suas recordações de Paris. A obra alcançou vente e três metros de comprimento e sete de largura. Feita com pedras fixadas com cimento vindo da Inglaterra, pois aqui não havia, apresentava três arcos e quatro pilares. Em sua amurada foram colocados quatro candelabros de ferro para a iluminação. Na época, o intendente administrava um município de aproximadamente cento e vinte mil habitantes. Sim, cento e vinte mil habitantes! Cidades importantes de nossa região eram distritos de Passo Fundo: Carazinho, Marau, Não Me Toque, Sarandi, Selbach, Tapera, Ernestina, Pontão, Coxilha, Saldanha Marinho, Colorado, entre outras. Mesmo assim, dava para tratar bem nosso rio.
Sonhar com cinemas era demais naquela época em que o rio tinha ponte francesa, navegabilidade, alegria de criança e um homem progressista que gostava dele. E agora? Será demais sonhar que o nosso rio volte a ter vida e a sorrir?
Falando em nosso rio, cabe lembrar Fernando Pessoa: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.
Autor: Jorge Alberto Salton