Os psicopatas -I
PSICOPATAS: CONHEÇA-OS E PROTEJA-SE
INTRODUÇÃO
A psicopatia é uma doença que traz muito sofrimento para aqueles que convivem com o doente. Seus sintomas mais visíveis são: falta de empatia, ausência de sentimentos morais – como remorso ou gratidão –, extrema facilidade para mentir e grande capacidade de manipulação.
O termo psicopata começou a ser usado para se referir a todos os chamados transtornos de personalidade. Posteriormente, ficou restrito ao transtorno de personalidade anti-social. E assim essa doença é denominada nas classificações das doenças mentais.
Alguns estudiosos do assunto, entretanto, preferem o nome psicopata por achar que esta denominação reúne todos os quadros. A denominação anti-social não abrigaria os casos mais graves.
Nas prisões masculinas, estima-se que de 15 a 20% dos prisioneiros sejam psicopatas. Na população em geral, estima-se que 2 a 3% dos homens e 1% das mulheres sejam psicopatas. Mas são estimativas muito imprecisas devido a dificuldade de se fazer uma pesquisa a respeito. Mas há consenso de que o problema que as sociedades enfrentam é bem maior, pois muitos indivíduos mesmo não se enquadrando no diagnóstico, apresentam alguns ou vários dos sintomas.
Há, portanto, variações na forma de apresentação desse fenômeno que denominamos psicopatia ou personalidade anti-social. Visto por outro ângulo, poderíamos dizer que há um continuum que vai da plena normalidade à psicopatia absoluta no que alguns estão denominando de “espectro psicopático”.
DIAGNÓSTICO
Classificações
Para receber o diagnóstico de psicopata ou personalidade anti-social os indivíduos devem preencher os critérios das classificações como a DSM (Disagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) americana e a CID (Classificação Internacional das Doenças) da Organização Mundial da Saúde. Em ambas, há alterações importantes na forma como o paciente se porta nas relações interpessoais, no seu afeto, no estilo de vida e no seu comportamento em relação às normas sociais: (1) Eloquentes e superficiais; (2) Egocêntrico e grandioso; (3) Ausência de empatia; (4) Enganador e manipulador; (5) Emoções superficiais; (6) Ausência de culpa e de remorso; (7) Impulsividade; (8) Controle comportamental pobre; (9) Necessidade de excitação; (10) Falta de responsabilidade; (11) Infância e adolescência com problemas de comportamento; (12) Comportamento adulto anti-social.
Escala de avaliação
É cada vez mais reconhecido mundialmente a escala de avaliação desenvolvida por Robert Hare, psicólogo canadense de Vancouver (1): PCL-R. ( Psychopathy Checklist - Revised).
Um checklist de 20 itens, com pontuação de zero a dois para cada item, num total de 40 pontos. Um resultado acima de 30 pontos traduziria um psicopata típico. Sua aplicação requer um treinamento. O teste vem com um manual explicativo. Sua versão validada no Brasil pela psiquiatra forense Hilda Morana está a venda na Casa do Psicólogo porém somente para psicólogos. Os 20 elementos que compõem a escala são:
1) loquacidade/charme superficial;
2) auto-estima inflada;
3) necessidade de estimulação/tendência ao tédio;
4) mentira patológica;
5) controle/manipulação;
6) falta de remorso ou culpa;
7) afeto superficial;
8) insensibilidade/falta de empatia;
9) estilo de vida parasitário;
10) frágil controle comportamental;
11) comportamento sexual promíscuo;
12) problemas comportamentais precoces;
13) falta de metas realísticas em longo prazo;
14) impulsividade;
15) irresponsabilidade;
16) falha em assumir responsabilidade;
17) muitos relacionamentos conjugais de curta duração;
18) delinqüência juvenil;
19) revogação de liberdade condicional; e 20) versatilidade criminal.
Os não criminosos em geral estão entre zero e doze pontos. Entre doze e vinte e três encontram-se pessoas que apresentam um transtorno parcial com alguns dos sintomas sendo mais proeminentes. Se pertencer à população carcerária, o risco de reincidência criminal após a libertação é baixo. Já quem está acima de vinte e três apresenta risco alto de reincidência. Mais ainda se estiver entre trinta e quarenta quando então o diagnóstico pode ser estabelecido como psicopata pleno.
DETALHANDO ALGUNS DOS SINTOMAS
Emoções superficiais
Robert Hare, cita as palavras de um psicopata: “Há emoções, um espectro inteiro delas, que eu conheço só de ouvir falar, das minhas leituras e da minha imaginação. Eu posso imaginar que estou sentindo essas emoções (e sei, portanto, o que elas são), mas eu não sinto” (2).
O medo, por exemplo, também é “raso”. Hare cita outro psicopata: “Quando eu assalto um banco, vejo que o caixa está tremendo ou nem consegue falar. Teve uma que vomitou no dinheiro todo. Ela devia estar bem bagunçada por dentro, mas eu não sei porquê” (3).
O medo nos ajuda: “Não faça isso e vai se arrepender”. Ou o contrário: “Faça isso e vai se arrepender”. Isso não acontece com quem é psicopata.
O psicopata pode usar o termo amor, mas não o sente da forma como quem tem empatia sente. É um amor exclusivamente possessivo. Ama sua mulher assim como ama seu carro. Quando a mulher não mais servir, se desfaz dela como se desfaz de um carro que não lhe serve mais.
Controle comportamental peculiar
Possuem um controle comportamental inicial pobre, mas em seguida conseguem se conter. Ofendem-se, ficam com raiva e tornam-se agressivos por coisas triviais a ponto de outros nem saberem o motivo. Porém, durante a própria ação hostil, eles recuperam o controle sobre seu comportamento: “Eu decido se vou bater muito ou pouco no cara”. Quem vivencia emoções profundas, tem mais dificuldade para recuperar o controle.
Tédio
Alguns psicopatas se entediam facilmente. Necessitam de contínua e excessiva excitação. Por isso, estão sempre procurando ações que os ponham no limite, e é também por isso que acabam quebrando regras.
Percepção da realidade
O processo de avaliar se algo deve ser feito ou não, de avaliar suas consequências, envolve o conhecimento intelectual e a percepção das emoções despertadas. Do ponto de vista intelectual, o psicopata em geral sabe que determinada conduta é condenável, mas, em seu sentir, ele não percebe quão errado é. Ele pode perceber que ele é diferente da maioria das pessoas e que isso é um problema, mas não se importa. Faz o que deseja, sem que isso passe por um filtro emocional.
Linguagem
Os dois hemisférios cerebrais, normalmente, possuem algumas funções especiais diferentes. A linguagem, comumente, é função do hemisfério esquerdo. Processos lingüísticos bilaterais são encontrados em determinados grupos, entre eles os psicopatas.
Ainda não se sabe bem as conseqüências disso. Entretanto, o psicopata costuma fazer colocações contraditórias e inconsistentes. Por exemplo: “Sei que posso ter enganado muita gente. Mas o fato é que a minha palavra vale ouro”. Também, dá para perceber que suas palavras não são vinculadas a emoções. É como se não enxergasse as cores. É como já disse alguém: “Eles entendem as palavras, mas não a música”.
Pesquisas corroboram isso. As palavras neutras - pedra, água, cadeira, etc. - fornecem menos informações do que as palavras que, para o normal das pessoas, estão ligadas a emoções - tristeza, aniversário, amor, morte, etc. As palavras emocionais tocam em nós, chamam mais nossa atenção do que as neutras.
Se você coloca uma pessoa frente a uma sucessão de palavras inteligíveis e não inteligíveis e pede para que a pessoa clic o mais rápido possível quando a palavra for inteligível, ocorre o seguinte: as palavras inteligíveis carregadas de emoção são clicadas mais rapidamente que as neutras, pois são mais “fortes”, nos chamam mais rapidamente a atenção. Para os psicopatas não. O tempo que levam para clicar nas palavras emocinais e nas neutras é o mesmo.
Por exemplo, as palavras de amor dos psicopatas são vazias e nada mais: não são capazes de lhes colorir com sentimentos verdadeiros.
A nossa voz interior – a voz da consciência – é normalmente carregada de sentimentos. E esse fato faz com que essa voz tenha muita força em nosso comportamento. Se ajo errado em acordo com o meu “discurso interior” sinto uma emoção negativa muito forte em relação a mim mesmo. Se ajo em acordo, a emoção positiva me faz muito bem. Já no psicopata a voz interior é desprovida de emoção e, então, é fraca, vazia, desimportante, sem força.
Os centros cerebrais que controlam a fala também controlam os gestos das mãos durante a fala. Quanto maior nossa dificuldade expressar em palavras, mais precisamos dos gestos. Os psicopatas quando tentam falar em sentimentos, usam gestos bem mais do que os não psicopatas.
O interior do psicopata é muito pobre. Por exemplo, quando nos interessamos por estudar os serial killers temos uma decepção: não há nada de interessante no seu interior. Emoções rasas, discurso intelectual vazio, que se contradiz. Não é o interior interessante de quem tem sentimentos. É difícil, por exemplo, montar um personagem psicopata que seja rico e interessante.
A questão é: mesmo com fala esvaziada e de pobre conteúdo por que o psicopata consegue nos seduzir? Pelo modo como o dizem e pelos botões emocionais que sabem apertar em nós: nossas fraquezas.
É o espetáculo e não o uso da linguagem que nos atrai. Boa aparência, carisma, torrente de palavras, distrações planejadas e, repito, a capacidade de tocar em nossas fraquezas.
“Se você tiver algum ponto fraco em sua constituição psicológica, o psicopata com certeza vai encontrá-lo e explorá-lo e, depois, você vai ficar sozinho, ferido e perplexo”, escreve Robert Hare (4).
ESPECTRO OU VARIAÇÕES
Sem sintomas
Quase todas as pessoas, ou todas, utilizam-se nas suas relações do instrumento da omissão de informações, da mentira e da hipocrisia. A chamada hipocrisia social, por exemplo, é utilizada no sentido de evitar problemas interpessoais. Se houvesse sempre sinceridade e transparência, se os pensamentos não fossem privados e sim públicos, se eles fossem lidos pelos outros, o convívio social seria prejudicado.
Alguns chamam de "mentira branca", no sentido de uma mentira que visa a paz seja acalmando uma pessoa - "não vai doer" - seja evitando que ela fique magoada - "não vou poder participar do teu aniversario por que nesta data estou com viagem marcada".
Segundo Dan Ariely, há um Fator Pessoal de Enganação (FPE) em todos. Melhor chamar de Fator Pessoal de Desonestidade (FPD). Cada um de nós tem já dentro de si um nível X de capacidade para trapacear, para fazer o errado. Uma linha tênue segundo a qual podemos nos beneficiar com a desonestidade sem prejudicar nossa autoimagem de indivíduos razoavelmente honestos. Porém, esse nível pode aumentar ou diminuir dependendo de fatores externos e de fatores internos. Fatores externos: a atitude tomada pelo nosso grupo ou por alguém de certa importância dentro de nosso grupo de fazer o certo ou de fazer o errado. Somos influenciados pelos outros a melhorar ou a piorar nosso FPD. Também somos influenciados por fatores internos: pela ética que internalizamos com base nos exemplos familiares, nos códigos que adotamos; quando nos lembramos deles, trapaceamos menos.
A desonestidade, portanto é motivada em grande parte, segundo Dan Ariely, pela margem de manobra da própria pessoa. Inclui aí a possibilidade de racionalizar uma explicação que a deixe bem com a sua autoimagem. A ação desonesta direta, roubar alguém assaltando é de dificil racionalização. Já o roubo do tipo "colarinho branco" é mais facil de ser racionalizado pelo indivíduo.
As pesquisas de Dan Ariely demonstram que a honestidade e a desonestidade estão, portanto, baseadas em uma mistura de dois tipos bastante diferentes de motivação: "Por um lado, queremos nos beneficiar da trapaça (essa é a motivação econômica racional), enquanto, por outro lado, queremos poder nos ver como seres humanos maravilhosos (essa é a motivação psicológica)" (5). Segundo suas observações, lembretes morais nos ajudam a evitar entrar num mundo de desonestidades.
O problema dos psicopatas, como veremos adiante, reside exatamente na ausência de sentimentos morais. Os fatores interiores que trabalham contra a desonestidade, estão neles ausentes. E em consequência, não há neles um limite, um nível X de desonestidade: o Fator Pessoal de Desonestidade (FPD) alcança o teto.
Ambiente indutor
Seguindo na linha dos bons ou maus exemplos enfatizada por Dan Ariely, há ambientes indutores de sintomas psicopáticos.
Em certos países, o ambiente político foi gradativamente sendo ocupado por pessoas com um nível alto do Fator Pessoal de Desonestidade (FPD) e também por pessoas com muitos sintomas de psicopatia. Em conseqüência, se tornou um ambiente fortemente indutor.
Quem entra nele sofre pressão externa para agir de forma semelhante e, se não tem internamente uma ética forte e segura acaba se contaminando. Ao se afastar do ambiente, a pessoa como o tempo volta a se portar do seu jeito prévio.
Em certos países, os presídios são divididos em alas, separando os psicopatas dos não psicopatas. Constataram que se um prisioneiro não psicopata convive com psicopatas, acaba imitando-os até como uma estratégia de sobrevivência. Após cumprir a pena, leva algum tempo até abandonar esse comportamento socialmente destrutivo e, nesse período, pode cometer crimes que não cometeria se não tivesse sido contaminado no presídio.
Graus: Leve – Moderado - Grave
Leve
Muitos indivíduos apresentam alguns sintomas de psicopatia – grau leve – e dificilmente chegam à violência física. Vivem no meio da sua comunidade, por isso alguns o chamam de “psicopatas comunitários”. São em geral inteligentes, são emocionalmente frios, mentirosos, não se importam com os sentimentos alheios, mas dissimulam se importar e são muito manipuladores. Vivem aproveitando-se da boa fé da família ou de um familiar ou ainda de um amigo. Recebe ajuda de toda a ordem e não retribui.
A familia e os amigos, por exemplo, só vão perceber essa forma dele se relacionar quando acontece algo muito chamativo. No filme Ginger & Rosa, duas meninas crescem juntas como grandes amigas. No final da adolescencia delas, o pai de Ginger engravida Rosa. Luke Cloud é o ator que representa com muita qualidade o papel de um psicopata que não promove violência física (se diz pacifista), mas promove devastadora violência psicológica e não sente remorso. Racionaliza sua conduta alegando que age por defender a autonomia do ser humano e ir contra a submissão a regras. Na época da segunda guerra ele havia se negado a entrar no exército inglês alegando ser pacifista. Londres sendo bombardeada e ele escapando da guerra com uma racionalização. E assim vivem tais psicopatas de racionalização a racionalização até que um dia é demais. Como se diz, finalmente "cai a ficha" e sua patologia é reconhecida.
Outro exemplo: um colega de trabalho oportunista, fingido. Se faz de vítima quando isso lhe for útil. Vive parasitando a empresa ou órgão público em que trabalha.
Moderada
Já o indivíduo psicopata de grau moderado a grave satisfaz quase ou todos os critérios do DSM e da CID para transtorno de personalidade anti-social.
Os de grau moderado, muitos deles, se tornam abusadores de drogas, do álcool, do jogo, dirigem de forma imprudente, são promíscuos e cometem atos de vandalismo. Podem também ser golpistas e estelionatários.
Grave
Os de grau grave, podem ser sádicos obtendo prazer em provocar ou presenciar o sofrimento físico e emocional de outra pessoa. Dentre estes, encontramos assassinos e serial killers.
Transtorno Global ou Parcial da Personalidade
Global
A psiquiatra Hilda Morana em suas pesquisas distinguiu dois subtipos (6)(7). No Global, o comprometimento da personalidade manifesta-se em uma ampla gama de situações sociais e pessoais. O psicopata necessariamente se enquadra no Global. Já o portador de personalidade anti-social pode se enquadrar também no subtipo parcial.
Parcial
A disfunção ocorre em situações específicas. Pode haver uma fator desencadeante. Quando envolvidos em crimes, são chamados de criminosos comuns.
Caráter ou Comportamento
Caráter
De acordo com a Escala Hare PCL-R na psicopatia pode predominar a alteração do caráter (Fator 1) ou do comportamento (Fator 2). No primeiro caso, estão muito presentes certas alterações da personalidade: superficialidade, falsidade, insensibilidade/crueldade, ausência de afeto, culpa, remorso e empatia.
Comportamento
No Fator 2, estão muito presentes alterações do comportamento: instabilidade, impulsividade, estilo de vida anti-social. Quando esta alteração predomina há chance de que a pessoa consiga alguma melhora, pois alguns desses sintomas como a impulsividade podem ser controlados com o uso de certos medicamentos, como os antidepressivos entre outros.
Passivos ou ativos
Os passivos parasitam e exploram as pessoas. Os ativos cometem crimes chocantes. Na maioria dos casos, o comportamento hostil têm por finalidade apenas tornar as coisas mais fáceis para eles sem se importar se isso vai causar sofrimento a alguém. Porém, alguns são psicopatas do tipo sádico. São os mais perigosos, sentem prazer com a dor alheia.
Subcriminosos
Muitos não chegam a cometer crimes, mas em praticamente todas as suas relações mentem e enganam. Alguns, como não se importam com as regras, conseguem mostrar algo diferente dos demais em atividades intelectuais como no teatro, no cinema, na música, por exemplo.
Convivência social
Tipo 1: Convive socialmente sem violência física
Características:
1. Sedutor, charme superficial.
2. Acentuado narcisismo, se acha importante, grandioso.
3. Mente patologicamente.
4. Esperto e manipulador.
5. Sem remorso ou culpa.
6. Emoções superficiais.
7. Insensibilidade e falta de empatia.
8. Não assume seus erros. Estes indivíduos convivem socialmente. Porém causam sofrimento as pessoas com as quais se relacionam seja no ambiente de trabalho, seja no ambiente familiar.
Tipo 2: Convive socialmente com violência física
Características:
1. Necessita de estímulos, a rotina lhe leva com facilidade ao tédio.
2. Vive parasitariamente sustentado por pessoas que ele manipula.
3. Impulsividade.
4. Irresponsável. São indivíduos que tem reações agressivas, violência impulsiva contra os outros podendo cometer assassinatos. Por outro lado, pela necessidade de adrenalina se colocam em risco e, pela impulsividade, frente a frustrações podem cometer suicídio.
Tipo 3: Praticamente sem convivência social
Características:
1. Baixa capacidade de controlar seu comportamento.
2. Versatilidade criminal.
3. Deliquencia juvenil.
4. Problemas comportamentais já na infância. Vivem às voltas com a justiça e muito freqüentam as prisões.
Circunstanciais
Poucos sintomas e como defesa
Escreveu Hare: “Para sobreviver, tanto física quanto psicologicamente, alguns indivíduos normais desenvolvem certo grau de insensibilidade em relação aos sentimentos e dificuldades de grupos específicos de pessoas. Médicos que têm muita empatia por seus pacientes, por exemplo, logo ficam emocionalmente oprimidos e, assim, podem perder parte de sua eficácia como profissionais. Para eles, a insensibilidade fica circunscrita, confinada a um grupo-alvo específico”. Uma atitude defensiva inconsciente do profissional da saúde exposto em demasia ao sofrimento a ponto de poder apresentar “fadiga por compaixão”(8).
Na síndrome de Burnout, comum em várias profissões, um dos sintomas é a indiferença. Tal sintoma vem sendo, por alguns, entendido como uma síndrome, a chamada John Wayne Syndrome. Uma referência ao célebre ator no seu papel de um cow-boy indiferente ao que passava a sua volta, sempre com o mesmo rosto levemente sorridente não importa se conversando em paz com um amigo ou levando tiros em meio a um conflito de morte. (Veja mais no curso deste site COMO GOSTAR DA PROFISSÃO).
Sintomas devido a treinamento
Continua Hare: “De modo similar, soldados, integrantes de gangues e terroristas podem ser treinados – de maneira muito eficaz, como a história tem mostrado repetidas vezes – para ver o inimigo como menos do que um humano, como um objeto sem vida interior. Os picopatas (plenos), no entanto, apresentam uma falta generalizada de empatia. São indiferentes aos direitos e ao sofrimento de estranhos e também aos dos próprios familiares. Quando mantém algum laço com esposa e filhos, isso acontece apenas porque consideram os membros da própria família como um bem que lhes pertence, como aparelhos de som e automóveis” (9).
Sintomas devido a obediência ou submissão
Nossa espécie tem uma facilidade para se submeter a um líder, a um guia e a obedecê-lo de forma acrítica. Adquirimos conhecimentos e habilidades para sobreviver seguindo o que nos dizem os pais, os professores, as turmas de amigos. Não há outra forma de aprender quando se é criança. Esse modelo pode com facilidade ser reativado na vida adulta. Stanley Milgram percebeu de forma dramática a extensão desse “defeito de fabricação” ao realizar na Universidade de Yale pesquisa com voluntários sobre a obediência à autoridade. O foco da pesquisa recaiu sobre cidadãos comuns que aceitaram colaborar voluntariamente. Entretanto, eles não sabiam do que realmente se tratava a pesquisa. Chegavam ao laboratório para participar aparentemente de um estudo sobre memória e aprendizado. Porém, entre eles, haviam atores contratados disfarçados de voluntários. Os atores eram escolhidos, aparentemente ao acaso, para o papel de aluno e os voluntários designados para função professor. Quando o aluno não memorizava o que devia, o voluntário seguindo a ordem do pesquisador, devia acionar um botão que “dava” choque elétrico no aluno. O ator simulava muita dor, queria sair fora da pesquisa. O pesquisador, a autoridade, exigia obediência do voluntario: “Continue a aplicar o choque!”, ordenava. A maioria obedecia a ponto do choque ser considerado mortal (10). (veja mais no curso FILOSOFAR AJUDA A VIVER)
Conclusão: não é difícil para nós humanos nos submetermos a um líder laico ou religioso psicopata.
Circunstancial com tendência prévia
Roberto Simon pergunta: “Muitos carrascos nazistas, após terem passado o dia exterminando mulheres, crianças e idosos, voltavam para casa e retomavam sua rotina confortável e normal no seio da família. Comiam bem, ouviam música erudita, liam bons livros, faziam amor com suas mulheres, abraçavam e brincavam com seus filhos. Como era possível que a mente desses carrascos conseguisse justapor, às atrocidades cometidas durante o dia, esse final de noite de paz no ambiente doméstico? Seria uma doença mental o que possibilitava essa dualidade?” (11). Continua Simon: “Mas será que todos os membros do partido nazista durante a Segunda Guerra Mundial eram psicopatas? – sim e não. Alguns líderes e chefes sádicos sem dúvida o eram, mas a maioria dos membros participantes das matanças eram cidadãos comuns, não psicopatas, que racionalizavam as atrocidades que cometiam por meio de mecanismos de falta de empatia, desvalorização e projeção de imagens” (12).
Um dado que aponta para a existência prévia de uma tendência à psicopatia é o fato de que tais indivíduos não viviam à noite em suas casas pesados dramas de consciência. Um individuo capaz de ter empatia e de sentir culpa exercendo uma “profissão” desse tipo, desenvolveria as chamadas doenças ocupacionais. (veja no site o curso COMO GOSTAR DA PROFISSÃO).
Circunstancial pela profissão facilitar
Certas atividades profissionais facilitam a atuação de um psicopata. Por exemplo, um psicopata pedófilo terá mais facilidade para alcançar seu objetivo perverso se trabalhar como professor de crianças.
Atividades em que a princípio há uma relação de confiança - advogado, contador, médico, padre, pastor, entre outras – também pode facilitar a atuação de um psicopata.
Jim Jones, para citar um exemplo, era um pastor com formação universitária. Nos anos cinquenta fundou a sua própria igreja: o Templo do Povo. Atuava em São Francisco e em Los Angeles. Em meados dos anos setenta, recaíram sobre ele suspeitas de atividades ilegais. Isso fez com que ele trocasse os Estados Unidos pela Guiana mudando-se com seus seguidores mais próximos para Jonestown.
No dia 18 de novembro de 1978, Leo Ryan, congressista norte-americano visitou Jonestown. Alguns fiéis quiseram retornar com ele aos Estados Unidos, não queriam mais ficar lá. Esse fato irritou Jim Jones. O congressista e mais três jornalistas que o acompanhavam correram até a pista onde estava o avião que os conduziria mas foram mortos a tiros por seguranças do pastor. Foi o início do horror. O pastor decidiu pelo suicídio-homicídio coletivo. Por meio da ingestão de veneno e dos tiros dados aos que tentavam fugir, 914 pessoas morreram, sendo 638 adultos e 276 crianças.
Esse homem psicopata, portador de um narcisismo maligno, frente à frustração de perceber que nem todos o achavam o maior e o melhor – inclusive seguidores desejavam abandoná-lo, deputados pretendiam denunciá-lo, jornalistas iriam “difamá-lo” – preferiu sair desta vida mostrando ao mundo o seu imenso e derradeiro destrutivo poder.
O padre Murphy, citando outro exemplo de religioso, parecia ser um santo. Padre da Arquidiocese de Milwaukee, tornou-se professor e depois diretor da Escola de St. John's para Surdos, em St. Francis. E teve essa promoção mesmo depois de os alunos terem revelado a responsáveis da igreja que o padre era pedófilo.
Em 1993, com mais e mais pessoas se queixando do comportamento de Murphy, o arcebispo Weakland contratou um assistente social especializado em tratar criminosos sexuais para avaliar o sacerdote. Após quatro dias de entrevistas, o assistente social disse que Murphy admitira os seus atos: molestara cerca de duzentos meninos surdos e não sentia qualquer remorso.
Murphy morreu aos setenta e dois anos e foi enterrado com as vestes de sacerdote. Pergunta-se: por que a igreja católica e autoridades policiais foram tão condescendentes com o psicopata pedófilo Murphy?
Há situações que envolvem apenas a relação entre duas pessoas. Por exemplo, médico e paciente. Um padre confessor e seu confessante. Como a relação psicopática tende a ser um padrão, muitas são as vítimas e muitas, em consequência, são as testemunhas. Quando um só, ou pouco mais que um paciente ou fiel, denuncia, pode haver a dúvida: houve mesmo uma atuação psicopática? Foi o profissional que atuou psicopaticamente ou foi o cliente ao inventar uma falsa acusação?
Na psiquiatria, dois casos controversos tiveram muita repercussão nos Estados Unidos: Jules Masserman e Bean-Bayog.
Jules Massermam que faleceu em 2013 aos oitenta e nove anos, foi Presidente da American Psychiatric Association e da American Academy of Psychoanalysis. Por formação, era neurologista e psiquiatra. A cantora e compositora Barbara Noel acusou-o de estupro enquanto ele utilizava a técnica do sono induzido por amobarbital de sódio. Quando Barbara Noel foi pela primeira vez ao Dr. Jules Masserman, ele previu que ela ficaria curada da sua ansiedade de desempenho dentro de dois anos. Mas, depois de seis meses, ele injetou um barbitúrico para ajudá-la "superar sua resistência à verdade" que a estava incomodando. Ele ministrou-lhe o amobarbital em sessões realizadas ao longo de vários anos. Até que, numa dessas vezes, conta Bárbara, despertou da sedação a tempo de perceber que acabara de ser estuprada pelo Dr. Jules, seu médico de confiança.
Jules Masserman negou todas as acusações de transgressão sexual feitas por Barbara e também por outras três ex-pacientes. Abdicou voluntariamente de sua licença médica e assinou um acordo de nunca mais praticar terapia nos Estados Unidos. Foi censurado e recebeu a suspensão da American Psychiatric Association.
Barbara Noel escreveu o livro intitulado Você Deve Estar Sonhando (13). Nele Noël revive sua batalha para levar o Dr. Masserman à justiça.
No caso de Margaret Bean-Bayog foram os familiares do paciente Paul Lozano que a processaram alegando erro médico e morte por imperícia: ele se suicidou dez meses após ter parado o tratamento com a psiquiatra.
Margaret Bean-Bayog, na época psiquiatra da Universidade de Harvard, havia usado um método não convencional de tratamento que levava a uma regressão severa. O tratamento teria induzido Paul, um estudante de medicina de Harvard, ao estado emocional de uma criança.
Acusaram, também, Bean-Bayog de cometer abuso sexual contra Paul. Foram encontradas fitas cassetes da terapeuta instruindo Lozano a repetir: “Eu sou sua mãe, e eu amo você e você me ama muito, muito”. Textos escritos com a caligrafia da psiquiatra descreviam as fantasias sexuais sadomasoquistas dela em resposta ao bombardeio de fantasias que Paul contava de torturar mulheres sexualmente. Nestes textos, constata-se que a psiquiatra havia consultado outros colegas a respeito do caso que atendia e das repercussões dele no seu próprio estado emocional.
Bean-Bayog tinha explicações para todos esses fatos. Fantasias registradas com sua letra eram transcrições de seus próprios sonhos - ela estaria tentando lidar com sentimentos contratransferenciais que o paciente havia despertado nela. Nunca teve a intenção de que o paciente as lesse. Paul, segundo ela, teria invadido seu consultório e roubado as cartas.
Para evitar o que chamou de “circo da mídia”, ela abdicou de sua licença médica e encerrou o caso fora do tribunal, pagando um milhão de dólares. Continuou a trabalhar apenas como psicoterapeuta, atividade que não exige que o profissional tenha licença para exercer a medicina.
Muitos colegas a defenderam. Citaram a grande dificuldade de tratar pacientes assim tão transtornados: tais casos levariam o profissional a tentar tratamentos não convencionais. Também, em sua defesa, alegaram que Paul se suicidou dez meses após o término do tratamento com Bean-Bayog quando já estava sobre os cuidados de outro psiquiatra.
Crimes especificos: estupro, por exemplo
Alguns psicopatas cometem crimes específicos. Ou, o mais provável, é que, entre seus crimes, um seja o mais grave e que por esse ele é preso e diagnosticado como psicopata. É certo que grande parte dos estupradores apresenta personalidade anti-social: não revelam empatia pela vítima e não revelam sentimento de culpa pelo que fizeram. Com base em seus graus de motivação, podem ser primariamente sexuais ou primariamente agressivos. Nos primeiros a agressão é para obter satisfação sexual. Nos segundos, a motivação maior é expressar raiva e sadismo contra outro ser humano.
(continua)