Competições esportivas na infância  I

Competições esportivas na infância I

03/10/2019
Competições esportivas na infância I

Por muitos anos participei ativamente de escolas de futebol e coordenei uma liga regional de futebol de campo para crianças e adolescentes. Chegamos a ter 1.200 jovens participando. Devido a isto, sou consultado sobre os prós e contras da competição nesta fase da vida. As oito perguntas mais freqüentes são:

   P1 - São procedentes as críticas quanto ao sofrimento das crianças nas competições esportivas a ponto de alguns professores de educação física, psicólogos e psiquiatras sugerirem que elas sejam extintas?
   R - As críticas procedem, basta acompanharmos essas competições para observarmos situações de jovens atletas sendo pressionados a atingirem desempenhos irreais. A extinção pura e simples não está em questão, até porque a competição na infância e na adolescência em diversos esportes já está definitivamente arraigada em nosso meio. E também há um certo exagero. As crianças sofrem estresse ainda maior em atividades outras de seu cotidiano.
   P2 - As competições seriam apenas a ponta de um iceberg. O senhor vê o problema do estresse na infância e na adolescência como algo bem mais amplo que aquele visível nos campeonatos e torneios?
   R - Uma antiga pesquisa norte-americana avaliou o estresse de crianças de 9 à 14 anos imediatamente antes de competirem em esportes - sete tipos de esportes - e antes de realizarem testes no colégio ou em seleção para tocar em bandas de música, por exemplo. Apenas um dos esportes, luta marcial, trouxe mais estresse do que os testes escolares. E nenhum dos esportes trouxe mais estresse do que os testes musicais. Agora, podemos fazer uma outra pesquisa e encontrar resultados inversos. Por que o problema não é a competição no teste musical ou no torneio de futebol, o problema está na forma como esses procedimentos estão sendo organizados e desenvolvidos. Os problemas são mais visíveis nos esportes porque eles acontecem em lugares públicos, com muita gente assistindo. Não são tão visíveis os problemas que se passam em quatro paredes dentro das salas de aula e dentro das casas onde moram essas crianças.
   P3 - O que deve ser modificado nas competições esportivas para que o estresse diminua?
   R - Em primeiro lugar, a questão do agrupamento por idade e não de dois em dois anos como fazem alguns esportes. E que haja muita seriedade, uma fiscalização rigorosa para que meninos mais velhos com documentação falsificada não sejam incluídos entre os mais novos. Em segundo lugar, adaptar as regras do esporte à idade das crianças. Em terceiro lugar, a mudança na cultura dominante. Precisamos debater muito este tema. Precisamos lidar com o chamado "triângulo atlético" formado pelos próprios atletas, pelos pais e pelos técnicos.
   P4 - É sabido que os pais querem se realizar através dos filhos e por isso cobram muito do desempenho deles. Como lidar com isto?
   R - Nos Estados Unidos algumas ligas chegaram a proibir a presença dos pais nos jogos. Aliás, um procedimento que, em certos casos, deve ser aplicado aqui em nosso meio. Afastados os pais, os problemas diminuem em 70%. Os pais precisam ir aprendendo aos poucos a conviver com o filho na competição. Precisam ser alertados quanto ao fenômeno psicológico da identificação. Todos nos identificamos em algum grau com nossos filhos; é uma qualidade humana. Entretanto, quando esta identificação se torna excessiva, a criança é transformada numa extensão dos pais. Os pais passam a definir sua própria autoestima em termos dos sucessos ou insucessos de seus filhos. O pai que é um "jóquei" frustrado tenta uma segunda chance através de seu filho. Se o pai não está conseguindo diminuir essa identificação, separar sua pessoa, suas ambições, da vida de seu filho,é melhor que ele não compareça nas competições.
   P5 - O técnico, por sua vez, fica numa difícil situação: como não exigir pois trata-se de uma competição, há um título em disputa?
   R - Quanto mais o técnico se posiciona em acordo com a realidade, mais benefícios ele traz a seus atletas. A realidade do esporte competitivo demonstra na prática que a vitória não depende exclusivamente do técnico e de seus atletas. São muitos os fatores envolvidos e é impossível tê-los todos sob o controle. Nem sempre querer é poder. Podemos almejar a formação de uma equipe de bom nível técnico e organizativo e que haja dedicação e inteligência na competição. Mas o resultado é uma caixa de surpresas. Depende do imponderável, do acaso. Uma frase de Platini explica bem: "O melhor jogador de futebol que eu vi jogar em toda a minha vida chama-se sorte". Portanto, o técnico tem de ter claro e transmitijr isso para atletas e pais de que sucesso não é sinônimo de vencer. A busca da vitória como objetivo único é prejudicial: gera níveis elevados de estresse coloca a auto-estima das crianças e dos adolescentes em avaliação através de fatores sob os quais ninguém tem total controle.
   P6 - Independente de pais e técnicos, alguns jovens se adaptam melhor às competições do que outros. Por quê?
   R - O estresse sentido na competição é muito um auto-estresse. O jovem que encara a possibilidade de uma derrota em termos catastróficos experimenta a situação como mais ameaçadora do que o outro que encara a situação apenas como desafiante. A influência da conduta dos pais e dos técnicos é maior quanto menor é a criança.
   P7 - Em que idade devem começar as competições?
   R - Um parâmetro importante a ser considerado é o grau de autonomia em relação aos pais. É fundamental preservar a alegria. Os jovens que conseguem mais alegria nas competições se saem melhor. Existem dois prognosticadores de ansiedade que podem ser inquiridos no início da competição. (1) Que importância ele está dando para a vitória? (2) Qual o grau de alegria que ele está experimentando ao entrar no jogo? 
   P8 - Contornando os fatores negativos, quais as vantagens que ficam do fato de se competir na infância e na adolescência?
   R - Há um ganho pessoal e outro social. Pessoal porque é uma chance de se aprender cedo na vida estratégias eficazes de se lidar com as competições e os estresses inevitáveis da vida. Social porque é um local excelente para os jovens e para os pais aprenderem a se comportar adequadamente no papel de torcedores, evitando assim todos os dissabores  porque passam as sociedades atuais com a violência e a selvageria em seus estádios e em torno deles.
(Jorge Alberto Salton)
 

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