Um guia para ler literatura médica (3)
APLICANDO OS RESULTADOS A PACIENTES INDIVIDUAIS. CAP. 11.1
Autores: Amanda Tronco, EllexandraAnater, GeorgiaChichelero e Mariana Galupo
Optar pela medida terapêutica mais eficaz inclui estar ciente das mais diversas alterações que a mesma apresenta frente a diferentes indivíduos. Para isso, o médico ao realizar sua decisão deve avaliar como aplicar os resultados dos ensaios clínicos a pacientes individualmente. Para chegar a melhor conclusão deve-se questionar se os resultados encontrados são aplicáveis ao paciente em questão e se os benefícios propostos compensam os riscos e custos. Além disso, é necessário se tanto os pacientes como os profissionais da saúde estão comprometidos com as exigências do tratamento, uma vez que isso interfere de forma significativa no resultado do mesmo. Baseando-se nesses questionamentos, chega-se a um critério crítico acerca da decisão terapêutica.
Dessa maneira, a resenha que segue tem como objetivo capacitar os médicos na aplicação de resultados de ensaios a pacientes de forma individual através de simples questionamentos, para que possam ao menos aumentar ou excluir o nível de confiança em usar determinado tratamento frente aos mais variados subtipos de pacientes.
Cinco fatores nos levam a rejeitar a aplicabilidade de resultados a pacientes em particular, conhecidos através da sigla SCRAP (sexo, comorbidade, raça, age ou idade em português e patologia da doença em questão).
Em relação ao sexo (gênero), segue exemplo de como uma doença cardiovascular responde diferentemente ao tratamento em homens e mulheres (exemplo: metanálise do uso de aspirina em prevenção primária).
Comorbidade: modificam as efetividades terapêuticas (aumentando ou diminuindo). Exemplo: um estudo demonstrou que quem tinha pressão diastólica abaixo de 80mmHg reduzia eventos cardiovasculares em diabéticos, comorbidade em questão; mesmo resultado não foi encontrado em quem não tinha esse parâmetro de pressão arterial.
Raça: as diferenças étnicas podem modificar resultados, como é observado no exemplo do tratamento de hipertensão, comprovando que pessoas negras respondem melhor a diuréticos e pior a betabloqueadores do que as brancas. Acredita-se que a razão para isso encontra-se no passado, com o ambiente árido e quente, a pele servia como fator de proteção.
Idade: já é bem reconhecido que influencia em tratamentos a idade dos pacientes, podendo melhorar ou piorar os resultados. Como exemplo, tem-se a resposta imune para a influenza, em que os mais velhos demonstram responder melhor ao tratamento.
Patologia: às vezes, quando nos referimos a doenças de mesmo nome, elas apresentam patologias subjacentes diferentes, e, por isso, tratamentos diferentes também. Exemplo: na vacinação para a influenza, a efetividade depende das cepas da vacina, se serão as mesmas ou não no ano seguinte.
É possível encontrar informações sobre os fatores biológicos que interferem na resposta ao tratamento em revisões sistemáticas e ensaios, mas, quando os médicos não dispõem de tal artifício, devem se basear em resultados de estudos in vitro. Apesar de termos demonstrado exemplos de modificação de tratamentos por fatores biológicos, alguns simplesmente devem ser interrompidos devido a problemas intercorrentes (exemplo do caso de diabetes, em alguns casos, não foi tão recomendado o uso de diuréticos a eles, pois aumenta a glicose sanguínea, apesar de melhorar outros aspectos da saúde do paciente). Assim, é sugerido que os resultados sejam aplicados individualmente, não se prendendo tanto aos resultados das pesquisas, para que cuidados não sejam exageradamente cautelosos de forma a prejudicar mais o paciente na ausência da medida terapêutica no que sua presença.
Desse modo, fica claro que é importante haver um parâmetro a seguir quando se trata de enfermidades, sendo de bastante utilidade pesquisas feitas e o uso do SCRAP. No entanto, é necessário não se prender aos resultados obtidos nos estudos, uma vez que cada paciente é único e devemos cuidá-lo separadamente.
Um bom exemplo de estudos de metanálise encontra-se m revistas como BMJ (ClinicalResearch Ed.), em que foi feita uma pesquisa 2552 pacientes a fim de avaliar a eficácia do monitoramento da glicose em pacientes com insulina não tratada diabetes tipo 2. Outros estudos são encontrados em links como o Pubmed, deixando claro que é importante explorar os efeitos em grupos específicos de pessoas.
O comprometimento do paciente com o tratamento e as condições ambientais a que ele está submetido devem ser sempre lembradas, pois ambos têm grande influência no sucesso do tratamento. A efetividade (segurança, custo-benefício, condições de aplicabilidade, etc) deve nortear a decisão médica.
É importante salientar que esses fatores não devem ser resgatados apenas para populações desfavorecidas, mas também para as privilegiadas. O autor lembra que estudos comprovam que a adesão do tratamento em uma comunidade pode ser, e na maioria das vezes é, diferente dos ensaios clínicos. Para diminuir essa influência no tratamento, o médico pode munir-se de ferramentas sociológicas e epidemiológicas.
Não diferente de toda a relação médico-paciente, o universo do paciente deve ser sempre contemplado e valorizado para não só uma boa relação, como também para o sucesso do tratamento.
O papel dos profissionais da saúde está, também, intimamente ligado a tratabilidade. A capacidade de intervenção, as habilidades, os equipamentos de monitoramento e outras especificações técnicas têm fundamental importância no desenvolvimento de um ensaio clínico. As habilidades dos médicos da população geral ser diferente das dos que realizaram o estudo também influencia no sucesso do tratamento.
A limitação na adesão do profissional pode causar barreiras ao sucesso do ensaio. O desequilíbrio entre segurança e efetividade é o principal limitante.
O reconhecimento desse tópico é muito importante e de difícil aceitação consciente por parte desses profissionais. Saber reconhecer até quando suas limitações podem afetar a evolução do paciente deve fazer parte da conduta de todo profissional da saúde.
Após analisar os fatores anteriores (condições socioeconômicas, diferenças biológicas, etc) e concluir que elas não influenciarão no resultado, é possível prosseguir para o próximo passo: estimar o benefício específico para o paciente.
É possível avaliar o risco basal a partir de variadas fontes. Isso se reflete no número necessário para tratar (NNT). A intuição do médico, os ensaios randomizados e matanálises, a pesquisa de riscos iniciais em subgrupos de pacientes em estudo sobre prognóstico constituem exemplos de fontes. Um problema enfrentado é que a maioria dos ensaios não relatam estimativas de risco basal.
Para criar estratos de risco clinicamente úteis, os pesquisadores podem se valer de grande número de variáveis para criar estratos de risco clinicamente úteis. Quando esses riscos são validados em populações novas, aqueles sistemas podem informar estimativas específicas do prognóstico para o paciente. É importante lembrar que os estudos epidemiológicos da incidência da doença podem elucidar o risco basal.
O NNT para cada paciente pode ser gerado a partir de 5 passos:
(1) Estimando o risco basal;
(2) Estimando o efeito do tratamento;
(3) Calculando o risco pós-tratamento;
(4) Calculando a redução de risco absoluto (RRA), para chegar ao resultado subtrai-se o risco pós-tratamento do risco basal, o resultado obtido refletirá os eventos que poderiam ser evitados;
(5) Calculando O NNT específico para o paciente para esse cenário, que nada mais é que o inverso matemático da RRA em percentagem.
A análise dos riscos e benefícios do tratamento para cada paciente individualmente levando em conta estudos amplos e seguros são muito relevantes da escolha do método e, também, da sua adesão, mostrando o quão imprescindível é atualização constante do profissional da saúde.
EXEMPLO DE NÚMERO NECESSÁRIO PARA TRATAR: CAP. 11.2
Autores: Amanda Tronco, Ellexandra Anater, Georgia Chichelero e Mariana Galupo
A prática baseada em evidencias requer que para o tratamento de um paciente, o médico sintetize os seus riscos e benefícios. Consoante a isso, deve incorporar os valores e preferências do paciente. Tais medidas exigem conhecimento prévio diante da finalidade do tratamento. Segundo o autor: “A redução de risco relativo, a redução do risco absoluto e o número necessário para tratar representam maneiras alternativas de resumir o efeito do
O número necessário para tratar (NNT) pode ser a medida isolada mais considerável. Representa a quantidade de pacientes que o médico deve tratar por um tempo para precaver um acontecimento adverso ou para elaborar um resultado favorável. Ao demonstrar que o NNT é o oposto aritmeticamente da redução de risco absoluto (RRA), o autor salienta que essa abordagem (de calcular o NNT para seu paciente a partir do RRA) pode ser equivocada. A partir de exemplos de ensaios clínicos randomizados, o autor ratifica isso e evidencia que essa técnica não é segura, pois “os pacientes têm riscos muito diferentes de morte”.
Em suma, neste capítulo, é enfatizada a necessidade da consciência que o médico deve possuir do grau de risco e benefício exposto ao seu paciente durante um tratamento. Certamente isso é bastante relevante e importante para o sucesso de determinada terapia. Dessa forma, o médico necessita estar atualizado, ou seja, ler ensaios clínicos, artigos científicos, e o mais importante questionar através da metanálise e da análise crítica sua veracidade. Além disso, é vital a aplicação dos resultados de ensaios a pacientes de forma individual, atendendo fundamentos particulares de cada doente.
Em relação à NNT, não há duvidas de sua utilidade e notabilidade. Sem deixar de levar em consideração como são apresentados seus dados e o tempo empregado num ensaio, o médico apresenta em mãos um excelente material para julgar ganhos e danos num determinado tratamento.
Então, frente à necessidade de escolha de uma medida terapêutica mais eficaz, deve-se considerar que cada paciente é individual e por isso apresenta uma série de variáveis, as quais podem interferir em resultados do tratamento. Logo, avaliar os fatores biológicos do paciente, tais como: gênero, comorbidade, raça, idade e patologia se faz pertinente, já que os efeitos do tratamento podem alterar-se na presença desses fatores. Porém, a indicação é sempre que os resultados dos ensaios sejam aplicados aos indivíduos, a não ser que existam fortes evidências de que essas diferenças biológicas diminuirão acentuadamente a resposta do tratamento ou causem significativo dano ao paciente.
Além disso, faz-se presente perceber se o paciente ou o profissional da saúde estão comprometidos com as exigências do tratamento, uma vez que a diminuição ou ausência da adesão vai gerar variações no efeito da tratabilidade. Então, segue-se avaliando se a aplicação do resultado com seu posterior benefício irá compensar os riscos e os custos em questão, pois é fundamental que haja um equilíbrio entre risco e benefício.