Como ler Artigos científicos/ Greenhalgh (1)
Greenhalhgh, Trisha
COMO LER ARTIGOS CIENTÍFICOS Artmed. 2013.
Trisha Greenhalgh:
Professora of Primary Health Care
Centre for Health Sciences
Queen Mary, University of London Uk
Ruth Holland, editora de livros do British Medical Journal, foi quem na década de 1990 estimulou Trisha a escrever um livro sobre medicina baseada em evidências. Desde então é o que ela vem fazendo. Ruth morreu num desastre de trem no dia 8 de agosto de 1996. Trisha dedica seus livros a memória de Ruth. O presente livro é de 2013.
Resenha do livro, capítulo por capítulo.
Além da resenha do livro de Trisha, sugerimos ler mais três textos. PARA LER E CRITICAR UM ARTIGO CIENTÍFICO: nele verão que a fase IV de uma pesquisa depende do médico prescritor e esta é a fase decisiva. PUBMED e outro sobre LAÇOS DE CORRUPÇÃO. Este último, escrito a partir das denúncias feitas pela médica norte-americana Marcia Angell envolvendo a Indústria Farmacêutica e alguns profissionais da medicina, mostra a importância de se saber analisar criticamente a qualidade de um artigo científico.
POR QUE LER ARTIGOS CIENTÍFICOS?
Autores: Gustavo Alves, Leonardo Denti e Leonardo Rubin
No capítulo 01 do livro, Trisha Greenhalgh aborda a íntima relação entre a leitura de artigos científicos e a Medicina Baseada em Evidências (MBE). A autora demonstra, através da definição da MBE que o seu êxito depende basicamente da pesquisa, reunião e interpretação de dados que objetivem gerar novos conhecimentos. A partir do acesso a todos os dados pesquisados o médico deve utilizar-se de estimativas matemáticas do risco e benefício das novas abordagens médicas propostas que envolvem diagnóstico, investigação e tratamento das mais variadas patologias.
Segundo o professor Dave Sackett as principais etapas da MBE são:
1. Converter nossa necessidade de informações em questões que possam ser respondidas;
2. Rastrear, com máxima eficiência, as melhores evidências para responder a tais questões, as quais podem ser provenientes do exame clínico, do diagnóstico laboratorial, da literatura publicada ou de outras fontes;
3. Analisar criticamente as evidências para verificar a sua validade e a sua utilidade e implementar os resultados desta avaliação à prática clínica.
Trisha Greenhalgh defende: "Assim, a MBE exige não só que você leia artigos, mas também que leia os artigos certos no momento certo e, então, modifique o seu comportamento à luz do que descobriu". Ou seja, através da metanálise e da análise crítica dos casos clínicos é o que deve ser feito quando se está à frente de um artigo científico.
A autora também aborda as polêmicas que envolvem a Medicina Baseada em Evidências, segundo ela, os não adeptos da MBE utilizam-se da prerrogativa de que todos seus anos de experiência na medicina podem e devem ser utilizados como base na determinação de suas condutas médicas; enquanto o método defendido por Trisha determina que a constante atualização por meio da leitura de artigos é essencial para que haja coerência na propedêutica médica.
Ainda segundo a autora, existem várias abordagens que os profissionais utilizam para tomar suas decisões, as quais não são modelos da MBE:
A - Tomada de decisão por relato de caso, como, por exemplo, estudantes de medicina que utilizam a memorização do que estava errado com determinados pacientes e o que tinha acontecido a eles compilando informações essenciais para tratar pacientes com os mesmos sintomas;
B - Tomada de decisão por recortes de artigos, como, por exemplo, o artigo que dizia que todas as crianças com suspeita de infecção do trato urinário deveriam ser encaminhadas para a tomografia dos rins com suspeita de anormalidades congênitas: o médico não questiona a validade dos resultados encontrados nem procura outros artigos que possam abordar de forma diferente o mesmo problema;
C - Tomada de decisões à moda antiga: resultado do trabalho de alguns poucos célebres especialistas geralmente financiados por indústrias farmacêuticas;
D - Tomada de decisão por minimização de custos: a opção pelo mais barato.
A autora, com base nas ideias de Sackett, demonstra como deveria ser uma boa pergunta clínica: primeiro é necessário definir sobre como é um grupo de pacientes semelhantes a este, a seguir, deve-se identificar que tratamento ou terapia será utilizada para este paciente, e, por fim, definir o desfecho desejado (como, por exemplo, a redução da mortalidade e a melhor qualidade de vida).
Sendo assim, baseado no primeiro capítulo do livro “Por que ler artigos científicos?”, "Como Ler Artigos Científicos", fica evidente a grande importância da Medicina Baseada em Evidências no âmbito das ações médicas. Todavia, apenas a leitura de artigos aleatórios sem questionar suas verdadeiras intenções ou se o novo tratamento oferecido, por exemplo, foi devidamente testado em um grande número de pessoas, além de refletir sobre o que levou determinados indivíduos a realizar essa pesquisa, não condiz com as necessidades da MBE.
A autora cita argumentos muito concretos para corroborar a respeito da importância da leitura de artigos científicos, porém, sempre tendo como foco a Medicina Baseada em Evidências. Uma das principais colocações de Trisha é a de que o aspecto definidor da MBE é: "[...] o uso de números derivados da pesquisa sobre populações para informar decisões a respeito de indivíduos. [...]", ou seja, é preciso abordar o assunto da forma mais abrangente possível para que se possa conseguir dados precisos e confiáveis e, por fim, utilizá-los para definir a melhor forma de proceder. Portanto, Trisha Greenhalgh transmite de forma bastante clara os motivos pelos quais deve-se ler artigos científicos com frequência e, também, com cuidado e criticidade.
PESQUISANDO A LITERATURA
Autores: Amanda Link Macedo e Virgínia de Carli de Moura
No capítulo 2, Trisha Greenhalgh alerta que a atenção à saúde baseada em evidências, a qual todos os profissionais da área da saúde, principalmente médicos, são estimulados a praticar, exige que os mesmos tenham a habilidade de navegar na literatura de pesquisa.
Estudos sobre o comportamento dos médicos frente à busca de informação confirmam que os livros-textos e os contatos pessoais continuam a ser a fontes preferidas para informações clínicas, seguidas por artigos de periódicos. Com o desenvolvimento tecnológico nos últimos anos, o uso da internet como fonte de informação aumentou, em especial via PubMed/Medline, mas a sofisticação da busca e a eficiência ao encontrar respostas não cresceu no mesmo ritmo. De um lado está a necessidade dos profissionais em encontrar uma informação da melhor qualidade, do outro estão as “barreiras” com as quais deparam: falta de tempo, falta de instalações, falta de habilidades de pesquisa, falta de motivação e (a mais desafiadora), sobrecarga de informações.
A literatura médica pode ser comparada a uma “selva”, e a proliferação de informações a deixa ainda mais confusa. No entanto, esta “selva” vem sendo domesticada por meio de entradas de informação e sistemas de trânsito de alta velocidade. Saber como acessar estas maravilhas da navegação facilita e agiliza a prática da atenção à saúde baseada em evidencias.
Antes de sair loucamente por esta “selva” de informações, o pesquisador deve pensar o por quê de estar iniciando uma busca na literatura médica. Resumidamente, o profissional pode abordar a fonte de pesquisa com três finalidades e de três maneiras diferentes:
A - Informalmente, forma recreativa, procurando de forma superficial a fim de se manter atualizado. Na maioria das vezes, usa-se o periódico favorito.
B - Concentrado, procurando por respostas que possam ser confiadas e aplicadas diretamente ao paciente.
C - Pesquisando na literatura, revisar a literatura de forma detalhada, séria e ampla. Este tipo de busca fornece a base para elaborações de pesquisas e revisões.
A expressão nível sobre nível de evidência se refere ao grau de confiança de uma informação, o qual pode ser expresso através de uma pirâmide, em cujo top estariam as revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados.
A revisão sistemática é um estudo secundário que tem como objetivo reunir estudos semelhantes, avaliando-os numa analise estatística, a metanálise, quando isso é possível. Um exemplo de revisão sistemática são o Cochrane Reviwes (www.cochrane.org) , que se tornaram o padrão-ouro para as revisões sistemáticas.
Os recursos em ponto de atenção são mais parecidos com livros textos, porem baseados em evidências; o ClinicalEvidence e o DynaMed são exemplos.
As fontes pré-analisadas são um resumo junto com uma breve análise do artigo, alguns são gratuitos e outros podem ser disponibilizados por empresas, universidades.
Os recursos especializados são voltados para áreas especializadas, organizadas de forma a ajudar especialistas, porém também pode ser usada por médicos de clínica geral e também da atenção primária. Exemplos de recursos especializados são o Psychiatry Online (http://www.psychiatry online.com) voltado para a psiquiatria e o CardioSource (http://www.cardiosource.com) dirigido à cardiologia.
Não obstante, a maioria dos medicos não utiliza as fontes sintetizadas como fonte de pesquisa. Grande parte dos profissionais ainda prefere uma busca básica no Medline/PubMed para atender às suas necessidades de informações clínicas.
O PubMed (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) é o recurso da internet mais utilizado por médicos; é possível fazer uma pesquisa no PubMed utilizando umas ou duas palavras, e quando alguns termos de busca são adicionados, a pesquisa torna-se mias eficiente. O Medline funciona da mesma forma.
Além disso, existem ferramentas de busca primitiva, porém que fazem pesquisa em fontes sintetizadas, fontes pré-analisadas, fontes resumidas e em todos os domínios de perguntas clinicas do PubMed de modo simultâneo.
Além do mais, é possível pedir ajuda a outras pessoas. Existe uma organização internacional que possibilita troca de informações entre as pessoas: Chain (contacti, help, adviceandinformation). Funciona como uma rede on-line, que desejam participar e trocar informações, e seu uso é gratuito.
Por conseguinte, observa-se que há diversas formas de realizar pesquisas e manter-se atualizado. Aconselha-se que haja, primeiramente, um domínio das ferramentas de pesquisa de sites como o PubMed e o Medline, que atendem às necessidades de vários profissionais. Após ter domínio sobre esses sites, devemos procurar por outras fontes de pesquisa como as revisões sistemáticas.
CHEGANDO AO PONTO: DO QUE TRATA ESTE ARTIGO?
Autores: Diego Nascimento, Samuel Freitas, Renanl Antunes
No capítulo 03, a autora comenta que a maioria dos artigos científicos são de má qualidade.
Devemos observar se o estudo foi escrito na sequência: introdução, métodos, resultados e discussão. Devemos lembrar que o determinante para avaliar a qualidade de um artigo é o método.
As falhas mais comuns dos artigos são: (1) Não abordar aspectos importantes; (2) falta de originalidade; (3) não testar ou não realizar outras técnicas de comprovação; (4) erros na realização dos testes devido a amostragens pequenas e análises incorretas; (5) conclusões injustificadas e mal escritas.
É importante observar se o estudo (1) duplo-cego: pesquisadores e pacientes não sabem qual tratamento estão recebendo; (2) estudo cruzado ou crossover: tratamentos de intervenção e controle separados por um período sem tratamento; (3) estudos controlados por placebos que são comprimidos inativos idênticos ao original.
Observar se é estudo primário ou secundário. Os estudos primários podem ser realizados através de (a) experimentos laboratoriais – com animais ou voluntários-; (b) ensaios clínicos – intervenções em pacientes -: (c) levantamentos – epidemiologia e comportamento populacional. Já os estudos secundários são as revisões e as metanálises.
ECR
Um ensaio clínico - estudo primário - será randomizado (ECR) quando os participantes do ensaio forem divididos em grupos de forma aleatoria. Uma maneira de o fazer é jogar uma moeda para cima para dividir os grupo: pacientes, para os quais der cara, ficam no grupo 1, e no grupo 2 ficam os pacientes para os quais der coroa. Como, teoricamente, os grupos são iguais, qualquer mudança no desfecho é atribuída à intervenção do analisador.
Exemplo de ECR: cria-se, aleatoriamente, dois grupos de 50 pessoas tabagistas, portanto as 100 pessoas são “iguais”. A um dos grupos dá-se uma droga nova (intervenção) que, supostamente, cura a dependência a esse produto de uma forma melhor que uma já existente. Para o outro grupo dá-se a droga já existente. Observa-se ao longo do tempo o desfecho. Como os grupos são “iguais”, o desfecho dirá se a nova droga tem eficácia melhor, pior ou igual à existente.
Os ECRs podem ser:
Desnecessários – quando uma descoberta é claramente bem sucedida para um problema que, de outro modo, seria fatal
Não prático – quando o número de pacientes necessários para mostrar uma diferença significativa for muito elevado
Inadequado – quando for estudado o prognóstico de uma doença, pois é melhor o estudo de coorte
Estudo de Coorte
O objetivo de um estudo de coorte é verificar se indivíduos expostos a um determinado fator apresentam, em relação aos indivíduos não expostos (ou expostos em menor grau), uma maior propensão a desenvolver uma determinada doença. Geralmente, os fatores em questão são uma vacina, uma substância tóxica ou um medicamento. Exemplo de estudo de coorte: dividi-se um grupo de médicos em não fumantes, fumantes leves, fumantes moderados e fumantes pesados. Acompanha-se o desfecho ao longo de um período de tempo e usa-se a incidência de doenças específicas e não específicas e a morte como medidas para avaliar a influência do agente no surgimento dessas doenças ou na morte.
Estudo Caso-controle
Em um estudo de caso-controle, criam-se dois grupos. Um com pacientes que apresentam uma determinada doença e outro com pacientes semelhantes (geralmente parentes) que não apresentam a doença. O primeiro grupo é o “caso” e o outro grupo é o “controle”. Investiga-se a historia clínica de cada um dos indivíduos dos dois grupos e, assim, encontra-se, ou não, um possível fator de risco para a doença em questão.
Exemplo de estudo caso-controle: Criou-se um grupo de pacientes com câncer e outro com pacientes livres da doença. Investigou-se a história clínica de todos os pacientes e constatou-se que a maioria dos pacientes com câncer havia se submetido a tomografia entre os 4 e os 8 anos de idade. Dessa forma, associa-se o exame de tomografia na infância ao desenvolvimento de câncer posteriormente.
Estudos Transversais
Os estudos tranversais são estudos que servem basicamente para dados epidemiológicos, pois não se interessam com o seguimento dos pacientes envolvidos na pesquisa. Os dados são recolhidos em um único momento, a respeito de uma informação atual ou um dado retrospectivo, por exemplo: Você consome bebidas alcoólicas? Quantas vezes você foi ao médico no ultimo ano?
Relato de Caso
Mesmo sendo o menos graduado na escala de confiança de um texto científico, o relato de caso não deve ser menosprezado. A grande vantagem do relato de caso é que este pode ser elaborado em questão de dias, pois consiste na descrição de um caso clinico, normalmente um caso pouco comum, e das condutas tomadas. Ele é considerado uma evidencia científica fraca, mas deve se atentar que foram relatos de caso que trouxeram a tona o conhecido caso da Talidomida, por exemplo. A Síndrome de Muchausen se tornou conhecida pelo relato de caso publicado no Lancet em 1951.
A hierarquia das pesquisas:
1 - Revisões sistemáticas e metanálises
2 - Ensaios clínicos randomizados
3 - Estudos de coorte
4 - Estudos de caso-controle
5 - Estudos transversais
6 - Relatos de caso
Havendo erros metodológicos em um Ensaio clinico randomizado, por exemplo, as evidencias que ele traz podem ser consideradas inferiores a um estudo de Coorte bem delineado. Por isso esta ordem só pode ser totalmente considerada na comparação de estudos metodologicamente perfeitos.
Independente do tipo de estudo a ser realizado, é responsabilidade do pesquisador sempre atentar para a ética na pesquisa científica. O “consentimento informado” e o respeito pelo bem estar do paciente voluntário é essencial e vem sendo cada vez mais observado pelos comitês de ética. A grande maioria das revistas científicas não publica artigos que não tenham sido aprovados por um comitê de ética.
AVALIANDO A QUALIDADE METODOLÓGICA
Autores: Aline Suzin, Amanda Cassol, Eduardo Canova
No capítulo 4, Trisha Greenhalgh, expõe o que deve ser avaliado na metodologia de um artigo cientifico para que ele possa ser considerado válido. A autora considera que a melhor maneira de formar a base da sua decisão é através de seis perguntas: (1) o estudo foi original, (2) foi feito sobre quem, (3) foi bem delineado, (4) o viés sistemático foi evitado, (5) a avaliação foi submetida a mascaramento e (6) se foi suficientemente grande e continuado para tornar os resultados dignos de credibilidade.
No item “o estudo foi original”, é exposto que não é necessariamente preciso que a pesquisa seja sobre um assunto novo, mas que ele acrescente algo à literatura já estabelecida; por exemplo: um estudo ou maior, ou mais rigoroso, ou cuja amostra é de alguma forma diferente das anteriores ou responde a dúvidas ainda existentes.
Já no tópico “o estudo é sobre quem”, a autora aborda que é preciso esclarecer quem são os participantes do estudo. Expõe que se deve questionar como eles foram recrutados, quais foram incluídos e quais foram excluídos e em quais circunstâncias eles foram estudados; se essas circunstâncias não são idealizadas ou podem impedir a aplicabilidade dos achados.
No terceiro item, “o delineamento do estudo foi adequado”, é explicitado que se deve analisar como foi feita a análise do desfecho e sob que parâmetros, além de conhecer qual intervenção especifica estava sendo comparada.
Na pergunta “o viés sistemático foi evitado ou minimizado?”, é definido o que é o viés sistemático e que ele pode ser evitado através da maior semelhança possível entre os grupos analisados. A seguir ela cita, explica e exemplifica os diferentes tipos de estudos: ensaios clínicos randomizados, ensaios clínicos não randomizados, estudos de coorte e estudos de caso controle.
Já no quinto item, “a avaliação foi submetida a mascaramento?” a autora afirma que se deve ao máximo procurar manter o mascaramento a fim de que não haja vieses resultantes desta situação. Ela observa que é importante manter tanto os observadores quanto os participantes sob mascaramento a fim de evitar o viés de desempenho.
Ressalta que também é importante observar o tamanho da amostra, a duração e a totalidade do acompanhamento.
ESTATÍSTICA PARA QUEM NÃO É ESTATÍSTICO
Autoras: Bruna Lorentz, Laura Paz, Marina Pasqualini e
Stéphanie Niederauer
O capítulo 5 trata de como quem não é estatístico pode avaliar os testes estatísticos. Dessa forma, o assunto é abordado de maneira leve, demonstrando que o objetivo é fazer com que o leitor seja capaz de descrever em palavras o que o teste faz e em que circunstâncias ele não é válido ou apropriado. Algumas dicas são citadas com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor, como: se os pontos muito extremos no gráfico estão atrapalhando os cálculos e a compreensão, simplesmente apague-os; ou, ignore todos os participantes que não concluíram e os que não responderam à pesquisa, para que a análise somente envolva dados integrais.
Sempre que se faz um estudo e divide-se o experimento em grupo de intervenção e de controle, é necessário que ambos sejam similares em termos de distribuição de idade, de sexo e de variáveis a serem analisadas (tamanho do tumor, por exemplo). Dessa forma, os dados levantados serão mais verossímeis. Caso os grupos, tenham constituintes muito distintos, é possível adaptá-los/ fazer intervenções com o intuito de obter resultados mais próximos da realidade.
Os testes estatísticos médicos geralmente se classificam em paramétricos e não paramétricos. O primeiro assume que os dados foram retirados de uma forma particular de distribuição, como por exemplo: teste com duas amostras independentes. Já o segundo não assume que os dado foram retirados de uma forma particular de distribuição, como por exemplo: teste U de Manner – Whitney. Nesse caso, ambos testes comparam amostras independentes colhidas da mesma população, como a comparação da altura entre meninos e meninas da mesma turma.
Quando se joga uma moeda, pode haver a “fatalidade” de cair muitas vezes seguidas o mesmo lado, mas isso não significa que a chance do outro lado cair virado para cima seja nula. Da mesma forma deve ser encarado o teste científico: quando um estudo está obtendo dados favoráveis, não se deve excluir a possibilidade de que ele também possa trazer resultados negativos. Concluir que um experimento seja benéfico devido à evolução positiva desse, pode levar à conclusões falsas. Certa vez, fez-se um experimento sobre o uso de aspirina como prevenção de AVC. Os resultados mostraram que os homens tiveram melhor resposta que as mulheres, e por isso, optaram para o não uso desse medicamento em mulheres. Entretanto, estudos posteriores demonstraram que o efeito da aspirina também era benéfico nesse gênero e, portanto, o seu uso passou a ser efetivo.
Quando cada mensuração prévia é pareada com uma mensuração posterior diz-se que estes são dados pareados. Em relação a essas medidas, espera-se que dois valores pareados selecionados ao acaso estejam mais próximos um do outro que dois valores não pareados selecionados.
Outro aspecto a ser avaliado é a realização do teste bicaudal quando o efeito de uma intervenção pode ser negativo. O termo cauda refere-se aos extremos da distribuição e, de modo geral, sua análise estatística deve testar a hipótese de que tanto valores altos como baixos no conjunto de dados sejam devidos ao acaso. A menos que se tenham evidências muito convincentes de que a diferença somente pode ocorrer em uma direção, necessita-se de um teste bicaudal.
Um resultado que esteja a muitas ordens de magnitude além dos demais valores tem menor probabilidade de ser genuíno, mas pode sê-lo. Nesses casos corrigir estatisticamente os valores extremos é uma manobra estatística bastante sofisticada.
Os valores do coeficiente de correlação de Pearson (valor de r) não são válidos a menos que:
1. Os dados tenham uma distribuição normal. Caso contrário testes não paramétricos de correlação devem ser usados
2. As duas variáveis sejam estruturalmente independentes
3. Seja feito um único par de medida para cada participante
4. O valor r (coeficiente de correlação da amostra) seja acompanhado por um valor de p, que expressa qual a probabilidade de uma associação com essa magnitude ter surgido ao acaso, ou por um intervalo de confiança, que expressa a variação dentro da qual o verdadeiro valor de R (coeficiente de correlação de toda população) provavelmente se situe.
Ademais, é importante avaliar se foram feitas suposições sobre a natureza e a da direção da causalidade, em outras palavras, a presença de uma associação entre A e B não diz nada sobre a presença ou a direção da causalidade. Para demonstrar que A causou B (e não B causou A nem que A é B foram ambos causados por C) é necessário mais de um coeficiente de correlação.
O valor “p” significa a probabilidade de que um desfecho qualquer tenha ocorrido ao acaso. A comunidade científica atribui um valor de p menor que 0,05 ou menor que 5% como estaticamente significativo e um valor de p menor que 0,01 ou menor que 1% como estatisticamente muito significativo. Portanto, se um resultado de pesquisa se encontra na variação estatisticamente significativa, isto é, possui um p entre 0,01 e 0,05, os autores devem rejeitar a hipótese nula (a hipótese de que não há diferença real entre dois grupos). Do contrário, um valor de p que não esteja na faixa significativa indica que ou não existe diferença entre os grupos (hipótese nula é aceita) ou que há poucos participantes para demonstrar se essa diferença realmente existe.
Além disso, o valor de p tem outra limitação, por isso, é necessário a abordagem de intervalos de confiança. Um intervalo de confiança pode ser calculado com base no resultado de testes estatísticos como o teste t, valor de r, redução do rico absoluto, etc. Por exemplo, se um mesmo ensaio clínico fosse repetido centenas de vezes, não seria possível obter-se o mesmo resultado cada vez. Porém, em média, um nível de diferença ou ausência de diferença seria obtido entre os dois extremos do ensaio. Ou seja, se o intervalo de confiança de 95% for calculado para os resultados do ensaio, há uma chance de 95% de que a diferença “real” esteja entre os dois limites do ensaio.
Quanto maior o ensaio clínico (quanto mais resultados de diversos estudos forem agregados), mais estreito será o intervalo de confiança, o que indica uma maior confiabilidade de uma estimativa.
O objeto de estudo é a interpretação de efeitos que são expressados nos artigos. Ao compreender alguns aspectos básicos, como cálculos simples de alguns componentes estatísticos - redução do risco relativo (RRR), redução de risco absoluto (RRA) e número de pacientes necessário a tratar (NNT) - o leitor será capaz de interpretar mais facilmente os dados do artigo e tirar suas próprias conclusões sobre ele.
Apesar de a estatística apresentar-se de forma intimidadora, a compreensão de seus aspectos mais básicos permite que o leitor possa analisar pesquisas e, ao final da leitura, consiga aplicar e relacionar o que leu ao seu cotidiano. Esses mecanismos ajudam o leitor a tirar suas próprias conclusões a respeito dos artigos, sem a interferência de uma pessoa especializada, fazendo com que a interpretação dos dados seja o mais pessoal possível, sem tantos interesses subentendidos e contribua para uma melhor prática médica.
ARTIGOS QUE RELATAM ENSAIOS DE TRATAMENTOS MEDICAMENTOSOSOS E OUTRAS INTERVENÇÕES SIMPLES / COMPLEXAS
Autores: Carolina Ramos, Claudia Pietrobiasi, Daniel de Vargas, Laura Roso
O capítulo 6 traz como título: Artigos que relatam ensaios de tratamentos medicamentosos e outras intervenções simples
“Evidências”
A indústria farmacêutica tem interesse em movimentar grandes somas de valores com a ajuda dos profissionais da área da saúde. Além de tentar influenciar tais profissionais, ela busca atingir diretamente o paciente por meio de publicidade.
A propaganda direta ao consumidor tem poder de transformar um simples paciente em um “representante não remunerado da indústria”, estudos apontam que alguns pacientes conseguem direcionar o medico na prescrição de um medicamento.
Representantes de laboratórios não trazem informações erradas sobre seus medicamentos, mas tentam influenciar o profissional médico com dados seletivos e tendenciosos. Muitas vezes os representantes se apresentam munidos de artigos científicos publicados em periódicos de conteúdo científico de menos expressão, ou seja, esses artigos foram rejeitados por canais mais seletivos e confiáveis. Cabe ao profissional médico apurar se senso crítico e avaliar cuidadosamente métodos e análises estatísticas de tais artigos.
Tomando decisões sobre o tratamento
Para evitar que um determinado tratamento se torne um caos terapêutico, o médico deve seguir 3 passos.
1 Identificar o objetivo final do tratamento para o determinado paciente.
2 Usar todas as evidencias disponíveis para selecionar o tratamento mais apropriado.
3 Especificar o alvo do tratamento.
Outro ponto importante e bastante simples é se orientar pelas evidências que apontam para “o que funciona” e não pelo que deveria ou parece funcionar, ou seja, usar métodos comprovadamente eficazes.
Desfechos clínicos substitutos
Desfechos clínicos substitutos são variáveis com medidas relativamente fáceis que fazem previsão de uma intervenção terapêutica, mas não é ,em si, uma medida direta do benefício clínico. Eles podem reduzis consideravelmente os custos de ensaios randomizados e permitem que tratamentos sejam avaliados em casos de desfechos primários excessivamente invasivos ou antiéticos.
Os desfechos mais usados são as medidas farmacocinéticas, resultados de estudos in vitro, aspectos macroscópicos e alterações de alguns marcadores biológicos. Eles possuem uma série de restrições, pois tais resultados podem não corresponder diretamente com uma resposta clínica satisfatória pois são desenvolvidos em modelos animais de doença.
Um bom exemplo disso é o de um tratamento que proporcionava uma queda mais lenta dos níveis de CD4 em pacientes HIV positivos, um dado muito interessante, mas que nos fim não resultou em uma maior taxa de sobrevida de tais pacientes.
É errado afirmar que a indústria usa desfechos clínicos com o intuito de enganar e influenciar autoridades e profissionais da saúde, mas é importante ter cautela quando ler um artigo baseado em desfechos clínicos.
Informações a esperar de um artigo descrevendo um ECR: Declaração Consort
Em 1996, um grupo de trabalho internacional produziu uma lista de padronização, Consort, para relatar a ECRs em periódicos médicos. É necessário sempre consultar, solicitar e analisar criticamente um artigo ao qual se aplique.
Evidências de valor de um representante farmacêutico
Ao buscar informações a respeito de um medicamento novo, deve-se conhecer os efeitos adversos e vantagens do antigo. Ao invés de perguntar ao representante de laboratório qual a incidência de erosão gástrica com o novo AINES, perguntar, sim, ‘Qual a incidência de sangramento gástrico com risco de vida potencial?’
É preciso ter alguns critérios para atender e absorver a proposta de forma correta. (A) Limitar entrevistas somente que lhes seja interessante, com horário marcado; (B) Assumir o controle da entrevista; (C) Solicitar evidências por periódicos respeitados; (D) Ignore evidências baseadas em histórias reais; (E) Pedir evidências em quatro áreas específicas: SEGURANÇA, TOLERABILIDADE, EFICÁCIA, PREÇO (STEP); (F) Avalie as evidências de forma vigorosa; (G) Não indique o produto apenas por ser novidade; (H) Recusar fazer testes com amostras grátis ou fazer pesquisas não controladas e em pequena escala; (I) Registrar por escrito o conteúdo da entrevista e agende nova visita com o representante para expressar sua posição.
O capítulo 7 tem como título: Artigos que relatam ensaios de intervenções complexas
Conceito
Intervenções complexas são aquelas em que há dificuldade para precisar qual é a intervenção exatamente, uma vez que envolvem múltiplos componentes que interagem e podem operar em mais de um nível, tanto individual como organizacional. Geralmente, as intervenções complexas precisam passar por uma fase de desenvolvimento para que os diferentes componentes das mesmas possam ser otimizados antes de serem testados em um grande ensaio clínico randomizado.
Fases
Os ensaios de intervenções complexas, em geral, passam por uma fase de desenvolvimento inicial, no qual são realizadas entrevistas e observações qualitativas para descobrir o que os indivíduos achariam aceitável, incluindo-o ao delineamento da intervenção.
Em seguida, é feito um ensaio piloto de pequena escala, no qual um pequeno número de participantes é randomizado para ver que aspectos práticos e operacionais aparecem.
É importante ressaltar que quando uma intervenção complexa produz resultados negativos isso não necessariamente quer dizer que todas as adaptações dessa intervenção não serão efetivas. Ao contrário, tende a alertar os pesquisadores à investigarem como a intervenção pode ser mais refinada e adaptada para torna-la mais provável de funcionar.
A análise de um artigo que descreve uma intervenção complexa, para que possa feita de forma correta, deve ser baseada em algumas orientações escritas pelo Medical ResearchCouncil e resumidas pelo British Medical Journal, em 2008.
As orientações alertam, inicialmente, ao leitor, que fique atento se esta intervenção complexa é vista como uma possível solução, para isso, é de extrema importância que se consiga identificar precisamente qual é o problema abordado, só então será possível ter uma visão crítica sob a intervenção proposta pelo artigo. Após esta identificação, é necessário analisar o que foi feito na fase de desenvolvimento da pesquisa que informe o delineamento da intervenção complexa. Para isso, os autores devem definir claramente o que fizeram e justificar. Nesse desenvolvimento, deve constar se foi realizado por pesquisa qualitativa ou se foi usado um questionário, por exemplo. No momento em que estiver analisando o trabalho empírico, o leitor deve levar em consideração as listas de verificação apropriadas para o delineamento do estudo e se estes achados foram usados para informar o delineamento da intervenção. Um aspecto da fase de desenvolvimento é identificar uma população-alvo e talvez dividi-la em subpopulações, por idade, gênero, etnia, nível educacional, entre outros.
Outro aspecto importante nas intervenções complexas é identificar qual era o componente fundamental e os não fundamentais da intervenção, ou seja, quais são as coisas que devem manter um padrão aonde quer que a intervenção seja aplicada (fundamentais) e quais são as coisas que devem ser adaptadas ao contexto e ao ambiente (não padronizadas). É importante ressaltar que os autores devem declarar claramente quais os aspectos da intervenção devem ser padronizados e quais devem ser adaptados, essa diferenciação se dá a partir dos achados da fase de desenvolvimento.
Após ter analisado estes dados, o leitor deve ficar atento a qual é o mecanismo teórico de ação da intervenção. Os autores devem declarar explicitamente como se pensa que a intervenção deve funcionar e isso inclui uma declaração de como os diferentes componentes se encaixam. No decorrer da análise da intervenção é necessário julgar se os mecanismos oferecidos pelos autores são adequados. Depois disso, é importante observar quais as medidas que foram usadas para o desfecho e se estas mesmas foram sensatas. Geralmente, uma intervenção complexa pode ter múltiplos desfechos e todos eles são importantes de alguma maneira.
É necessário ser identificado pelo leitor, quais foram os achados da intervenção complexa, e estes devem ser cuidadosamente interpretados. É fundamental, também, analisar qual processo de avaliação foi feito e quais foram os achados-chave disso. Nestes estão incluídos, por exemplo, as informações sobre os desafios práticos enfrentados pela equipe de frente tentando implementar a intervenção.
É importante ressaltar também que, se estes achados do trabalho foram negativos, deve-se encontrar no artigo da intervenção complexa a explicação a que isso se deve. Se foi por falha na implementação ou na otimização inadequada da intervenção. Se os achados variaram entre os diferentes subgrupos, o leitor deve identificar na leitura, quanto os autores explicaram isso refinando a teoria de mudança. A pergunta “por que” deve fazer parte do pensamento crítico de quem está lendo, analisando criticamente os achados em contexto.