Risco - Benefício do tratamento do transtorno Bipolar

Risco - Benefício do tratamento do transtorno Bipolar

03/10/2019
Risco - Benefício do tratamento do transtorno Bipolar

RISCO-BENEFÍCIO DO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR

*Jorge Alberto Salton

Há hoje uma overdiagnosis do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) (OVERTAB) como bem demonstra o psiquiatra australiano Philip Mitchel em artigo recente no Can J Psychiatry (1). Tal modismo pode estar acarretando prescrição excessiva e indevida de certos medicamentos, entre eles a lamotrigina.

Recentes artigos de revisão sobre a lamotrigina  aponta para a sua nula ou baixa eficácia no TAB. Casos são publicados nos quais o uso desse anticonvulsivamente acarretou síndromes graves que podem levar ao óbito: Steven-Johnson, Lyell, insuficiência hepática aguda.

EFICÁCIA

A lamotrigina surgiu para a psiquiatria após artigo de Calabrese JR et all (2).  A substancia fora comparada com placebo e não com substancia já reconhecida como eficaz no quadro. Na Escala de Hamilton (medida primária de eficácia) o efeito da lamotrigina no TAB fora equivalente ao do placebo. Os autores, entretanto, encontraram vantagem na Escala de Montogomery-Asberg (medida secundária de eficácia). Contra suas próprias evidências, surpreendentemente, os autores a recomendaram afirmando que a lamotrigina em monoterapia é um tratamento eficaz e bem tolerado para a depressão bipolar.

Ao contrário desse artigo, revisão publicada em 2011 conclui que:  “there are no grounds for recommending its use in manic or mixed states, in rapidly-cyclin bipolar I ou in unipolar depression”(3).

Revisão ainda mais recente, publicada agora em 2013, também não encontra a eficácia sugerida inicialmente e propõe que as novas Diretrizes rebaixem sua colocação:  “We did not perform a systematic search of articles dealing with the use of LTG in BD because we wanted to discuss the role and position of LTG in recent therapy guidelines on BD, and to recapitulate its changing position throughout time based on newer publications used in the development of treatment guidelines. Results of our study emphasize the changing position of LTG in international therapy guidelines”(4).

EFEITOS COLATERAIS GRAVES

É do conhecimento de todos que a lamotrigina pode desencadear rash cutâneo que pode evoluir para a  Sindrome Steven-Johnson e para a necrólise epidérmica ou síndrome de Lyell. Entretanto, dizia-se que o efeito colateral apareceria no início do uso e depois não mais. E que se deveria introduzi-la aumentando 25 mg a cada 14 dias e assim esse feito perigoso raramente ocorreria. (A propósito, quantos colegas introduzem assim tão lentamente a lamotrigina? E o paciente pode esperar tanto tempo para chegar aos 200 mg e assim ter o suposto efeito terapêutico desejado?) Entretanto, já há relato  de rash cutâneo tardio severo com a paciente fazendo uso da substância há oito meses (5).

E há um outro efeito que pode evoluir para a morte com uso da lamotrigina: insuficiência hepática aguda. Basta ver artigo de Nogara et all: uma mulher de 32 anos com o diagnostico de TAB fazia uso de carbolitium e foi lhe acrescentado lamotrigina. Após 35 dias de uso com lamotrigina (estava com 50 mg) baixou na emergencia com vômitos, alteração do nível de consciência, evoluindo para disfunção hepática aguda e óbito (6).

MODISMOS E SEUS MALES

Podemos usar um medicamento com efeitos colaterais perigosos se realmente o paciente apresenta uma doença grave e incapacitante e se os demais tratamentos menos perigosos não surtirem efeito. Situações-limite em que não temos melhor escolha. E, nos tempos de hoje, os riscos devem ser colocados ao paciente e aos seus familiares.

Por que vamos colocar em risco de morte o nosso paciente se há outra opção? Como ficará nosso futuro profissional (e pessoal!) caso o nosso paciente venha a falecer por uma medicação que não era indicada pelo diagnostico não ser o correto ou por sua nula ou baixa eficácia ou por haver uma medicação menos perigosa para tratar sua doença?

Em 1987 Akiskal e Mallya inciaram a divulgação do conceito de Espectro Bipolar. Após anos de divulgação, na minha opinião apressada e acrítica, a bipolaridade virou moda. Colegas de grande respeito como Philip Mitchel e João Romildo Bueno vem analisando criticamente esse conceito (7) (8).

O mal do diagnostico indevidamente expandido da doença bipolar é muito grande.  Até hoje só está de fato comprovada a utilidade de alguns poucos medicamentos nos quadros bipolares das classificações oficiais. Muitas pessoas podem estar usando medicamentos desnecessariamente, talvez pelo resto de suas vidas.

Outro problema é a banalização do diagnóstico psiquiátrico com sua desqualificação e conseqüente descrença na profissão. Quando muitas pessoas distantes do núcleo da doença são colocadas nela, a pesquisa fica dificultada.

Essa expansão diagnóstica veio acompanhada de uma série de lançamentos da indústria farmacêutica. A população foi atraída para esse campo: a doença passou a ser romantizada e banalizada. Nos Estados Unidos, por exemplo, atores e outras figuras públicas passaram ser apresentados como bipolares e enaltecidos em suas habilidades e capacidades criativas; na verdade, a doença real caminha no sentido oposto.

O termo bipolar perdeu o significado médico. (Quando Internacional e Vitória empataram no inicio do Campeonato Brasileiro deste ano, a imprensa esportiva considerou que o time gaúcho havia jogado mal no primeiro tempo e bem no segundo e noticiou: “O time do Inter é bipolar”).

Essa expansão atingiu também a população infantil. Na última década, acredita-se que o diagnostico de bipolaridade na infância aumentou em cerca de quarenta vezes.

Creio que precisamos repensar. Aproveitar a discussão diagnóstica suscitada pela publicação da DSM-V e... repensar.

Referências Bibliográficas:

(1) Mitchel PB. Bipolar Disorder: The Shift to Overdiagnosis. Can J Psychiatrty  2012;57(11):659–665.

(2) Calabrese JR, Bowden CL, Sachs GS, Ascher JÁ, Monaghan E, Rudd GD. A double-blind placebo-controlled study of lamotrigine monotherapy in outpatients with bipolar I depression. Lamictal 602 Study Group. J Clin Psychiatry. 1999;60(2):79-88.

(3) Amann B, Born C, Crespo JM, Pomarol-Clotet E, McKenna P. Lamotrigine: when and where does it act in affective disorders? A systematic review. Psychopharmacol 2011 oct: 25(10):1289-94.

(4) Anja Trankner, Christian Sander and Peter Schonknecht A critical review of the recent literature and selected therapy guidelines since 2006 on the use of lamotrigine in bipolar disorder. Neuropsychiatr Dis Treat 2013:9:101-111.

(5)   Ribeiro R, Rosa A e Maia T.  Rash Cutâneo Tardio na terapêutica com Lamotrigina – A Propósito de um Caso Clínico Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca. 2005 Vol1N2.

(6) Nogara M et all. Insuficiência hepática aguda potencialmente induzida por lamotrigina: relato de caso. SBMD 2008  www.sbmd.org.br/Artigos.../relato_2_insuficiencia_hepatica_aguda.pdf (visitado 31/05/2013)

(7) Romildo Bueno J O “espectro” Bipolar.  Psychitry on Line. Março 2009 - Vol.14 - Nº 3 (visitado em 31/05/2013).

(8) Romildo Bueno J Considerações a respeito da fragilidade das hipóteses em psiquiatria e em psicofarmacoterapia. Revista Debates em Psiquiatria, out 2012.

Enviando