Discurso paraninfo Prof. Edson Cechin

Discurso paraninfo Prof. Edson Cechin

30/09/2019
Discurso paraninfo Prof. Edson Cechin

DISCURSO DE PARANINFO MEDICINA 2013

Prof. EDSON CECHIN

Olho para vocês e já sinto saudades!

Quero externar a todos que sou um homem feliz! Espero ter muito a realizar, penso poder ainda auxiliar e ajudar muitas pessoas. Ainda quero ver transformações sociais, ainda quero conhecer muitos lugares e se possível, muitos anos ainda viver. Mas hoje, o motivo maior de minha felicidade, é tê-los conhecido e ter participado desta conquista.

Seus rostos juvenis, dispostos e curiosos, suas mentes ágeis e perspicazes, me remetem ao passado. Há 27 anos, formei-me médico nesta mesma escola, nesta mesma Universidade. Naquele longínquo 13 de dezembro, tive a honra de falar em nome da minha turma. Uma tremenda responsabilidade. Tempos difíceis aqueles, em que o país e todas as suas instituições, lentamente caminhavam em busca de relações mais democráticas. Ainda sou capaz de lembrar a apreensão de meus amigos mais próximos, de meus pais, que, preocupados com o teor da minha fala, chegaram a temer pela minha integridade física. No final da cerimônia, um forte temporal abateu-se sobre a cidade, impedindo que as pessoas saíssem do saudoso Cine Teatro Pampa. Para alguns mais apressados, era um castigo divino. Para outros, a oportunidade de um olhar mais próximo. A vida seguiu e muitas portas se fecharam. Contudo as portas da UPF continuaram abertas porque foi através de concurso, que ingressei na Universidade, agora como professor. Apenas uma pequena história, para aliviar a minha ansiedade.

E hoje, bem.. hoje olhem só o que vocês me aprontaram.

Recebo uma homenagem inigualável. Considero-me extremamente honrado com a escolha de meu nome para ser o Paraninfo de vocês. Digo isso porque nossa escola é dotada de ótimo corpo docente e muitos, senão todos, poderiam estar ocupando este lugar. Portanto, meu agradecimento se reveste de um grande orgulho e satisfação.

Senhor reitor, meu caro colega, professor e amigo Dr. AM posso lhes afirmar que estamos entregando à sociedade um especial grupo de novos médicos. Se ainda não estão prontos, e isso nós sabemos que leva tempo, tenho certeza que serão excelentes cidadãos: justos, compreensivos, dedicados, solidários e humanitários. Aprendi a vê-los assim. Tenho forte convicção sobre isso.

Mas, meus queridos novos colegas, meus afilhados, sobretudo, meus amigos, como paraninfo, vocês me outorgaram o direito de dizer-lhes algumas palavras nesta fantástica e linda tarde. Nessa cerimônia que ficará, indelevelmente, marcada na memória de cada um de vocês, ato que coroa uma longa caminhada, que significa que o sonho de uma profissão belíssima foi atingido. Significa também o encerramento do sexto ano. Sim, porque segunda-feira, meus caros, iniciará o sétimo ano!! Sério é assim mesmo! Quem abraça esta profissão...abraça uma causa!

Então, como paraninfo, quero deixar-lhes algumas reflexões.

Há poucos meses, recebi em meu consultório um senhor de 82 anos. Esse acompanhado da filha, disse-me que eu era sua última esperança. Declarou-se triste, deprimido, insone e que necessitava remédios. Relatou que havia vencido bravamente um linfoma há 10 anos atrás. Sofrera muito com a quimioterapia, mas vencera. Posteriormente, perdera sua companheira de mais de 60 anos. Recentemente havia recebido a notícia que a doença maligna havia retornado. Triste, com lágrimas nos olhos, com a voz trêmula falou que gostaria de viver um pouco mais. Havia coisas que ainda necessitava fazer. Temia ser derrotado desta vez. Sem saber muito o que falar, comovido com a intensidade de suas palavras e com seu esforço em se fazer entender, permaneci ouvindo. Pensei até mesmo que havia algum engano, que devia estar procurando um hematogista. Ele então, pediu licença a sua filha, dizendo que gostaria de falar a sós comigo. Assim, aproximou-se e disse que tinha um segredo o qual gostaria de contar à alguém e que, deveria ser alguém que ouvisse e não o ridicularizasse. Disse-me que sua paixão era a dança, que desde pequeno, na colônia, gostava de dançar, mas sozinho. Perguntou-me, num misto de vontade, timidez e vergonha se eu gostaria de ver a sua dança. Surpreso, mas curioso, assenti-lhe com a cabeça. O bom velhinho não sentiu firmeza na minha resposta e perguntou novamente. Claro que sim, respondi. Sorridente, com uma felicidade juvenil estampada em seu rosto maltratado pelo tempo, tirou seus sapatos e disse-me: Doutor coloca um forró no Youtube!!!! Incontinenti, obedeci. Posso lhes afirmar: extremamente coordenado, no ritmo e com uma coreografia ímpar. Após, extenuado, sentou, pediu-me água e chorou! Combinamos que voltaria para continuarmos a conversa

Aqui, meus queridos encontra-se o primeiro conselho. Fui tentado desde o início, baseado em sua queixa principal, prescrever-lhe antidepressivos. No momento pensei que ele necessitasse algo assim. Mas o que mostrou-me era que seus lamentos, seu sofrimento, seus segredos, sua vida estavam além dos medicamentos, além da sua queixa inicial e que, se basearmos o tratamento na queixa principal estaremos fadados ao erro, ao equívoco. Precisamos ouvir mais, saber ouvir. Se vocês efetivamente, descobrirem que não gostam ou não sabem ouvir, por favor, procurem outra profissão. Meu amigo dançarino ainda busca resgatar sua vida novamente ameaçada por uma doença grave, procura melhorar sua autoestima. Assim, ansioso, espero que volte para o novo número.

Certo dia, em uma enfermaria do Hospital de Clínicas, um supervisor/orientador solicitou minha ajuda. Pensei que se tratava em conter algum paciente agitado ou agressivo. Surpreendi-me quando ele, pacientemente, disse-me que estava confuso quanto ao quadro clínico da Sra. Tereza, e que gostaria que eu a acompanhasse por alguns dias e o auxiliasse a dirimir dúvidas. Diligentemente, mas muito assustado com tal tarefa, passei a acompanhá-la. Dias depois, apavorado, constatei que minhas impressões e formulações eram diferentes daquelas do meu professor (diga-se de passagem,  excelente médico e pessoa). Mais apavorado ainda fiquei ao comunicar-lhe minhas ideias a respeito de Tereza. Humildemente e com ar aliviado, agradeceu-me e disse-me que temia ter perdido suas habilidades clínicas, mas que eu o ajudara muito, mostrando-lhe um outro caminho. Pois bem, em uma sessão de casos clínicos, ficamos sabendo que ambos estávamos equivocados.

Portanto, assim como meu professor, a quem sou eternamente grato por mostrar-me que é possível ser humilde sem rastejar, espero que vocês tenham a humildade em reconhecer quando estiverem errados e que saibam solicitar ajuda quando necessário.

O terceiro caso que lhes apresento, ocorreu num dia, terrivelmente quente do verão da nossa capital. Coube a mim, fazer o atendimento na emergência e proceder à internação de um homem em surto psicótico. Tratava-se de um médico cirurgião geral com 35 anos de idade e que há 10, sofria de uma grave doença chamada esquizofrenia. Era difícil ver um homem com uma carreira promissora, ter seu futuro vergastado por uma doença psicótica devastadora. Os relatos eram de que se tratava de um cirurgião extremamente habilidoso e competente. Era difícil, mas eu tinha que atendê-lo, e tinha de tentar ajudá-lo. Tratei-o de forma igual aos outros, sem distinção, dispensando a ele o mesmo cuidado que dispensava aos outros. Estava convencido de estar sendo justo, imparcial e neutro. Após longo período de internação, recebeu alta. No nosso último encontro agradeceu-me por auxiliá-lo, por ajudá-lo a retomar um pensamento realista, mas, tinha uma queixa a fazer. Pensei: dei-lhe o melhor, estive sempre ao seu lado, tratei-lhe com dedicação, fui neutro como ensinavam os melhores livros (sim, ainda líamos os textos em livros), procurei os tratamentos mais eficazes e menos invasivos,  sua família estava esperançosa, do que será que ele iria se queixar? Tinha expectativa que fosse da comida. Mas não era! Um pouco constrangido, e já em pé, esperei pela sua queixa. Aproximou-se de mim e num forte abraço, soluçando algumas palavras disse que eu não precisava ter sido tão distante, tão neutro, tão objetivo, tão científico e...tão arrogante! Complementou dizendo:

“Eu sei que sou maluco e preciso de medicação, mas atrás dessas lentes, também bate um coração. Só queria ser um pouco mais próximo”.  

Do alto da minha prepotência de iniciante, sorri amarelado e me despedi. Nunca mais o vi. Soube alguns anos depois que havia falecido. Jamais mais o esqueci!

Tempos depois, dei-me conta que sim, podemos ser mais afetivos, podemos ser mais naturais e que isso não significa afastar-se das bases científicas e muito menos tratar os pacientes melosamente. Com mentes ágeis e privilegiadas, espero que vocês se dispam desta aura de prepotência e arrogância que ronda a profissão médica e que, cedo descubram, como disse nosso colega paciente,  que: “atrás daqueles óculos também bate um coração.

Pois bem, meus queridos amigos e afilhados, inúmeras são as chances de aprendermos com nossos pacientes e com a própria vida.

Portanto, não as desperdicem!

Saber muito não os torna inteligentes. A inteligência se traduz na forma como se recolhe, julga, maneja e, sobretudo, onde e como se aplica essa informação

Vocês exercerão a medicina numa época de evolução tecnológica fantástica. Exercerão uma profissão desejada por muitos e alcançada, com muito esforço, por poucos.

Infelizmente, exercerão a medicina numa época em que os médicos muitas vezes, são, erroneamente, considerados os “vilões” de um sistema de saúde público e privado desgastado, vítima de oportunistas e de políticas públicas pouco eficazes. Sabemos que saúde não se faz apenas com a presença do médico: é preciso estrutura de pessoal, estrutura física adequada e boas condições para que todos os profissionais da área possam atuar com o máximo de competência.

Mesmo sabendo disso, vocês persistiram. Acreditaram, esforçaram-se, lutaram e conquistaram a condição de atuar como médicos. Sabemos todos, o quanto foi sofrido. Quantas noites insones, quantas festas perdidas, quanto afastamento do convívio com amigos e familiares. Mas vocês venceram.

Eu, meus colegas de homenagem, enfim, nós da Faculdade de Medicina e a UPF, temos a certeza de suas capacidades e também de  sucesso na profissão escolhida. Vocês cursaram uma faculdade fortemente estruturada, com corpo docente em permanente evolução, em permanente esforço para oferecer um ensino de excelência, um ensino digno e adequado para o nosso tempo. Uma faculdade que forma médicos de qualidade há quase 40 anos, e que temos certeza que vocês serão. Médicos que exercem dignamente sua profissão e exercem suas atividades em todo esse nosso imenso país ou mesmo em diversos locais do mundo. Cada um de vocês escolherá um rumo diferente. Onde quer que estejam, certamente honrarão não só seus próprios nomes, mas também, o nome desta Universidade que hoje os forma. Nós, daqui, estaremos assistindo o sucesso de cada um de vocês.

Para finalizar, gostaria, como padrinho, deixar-lhes alguns conselhos:

a)    confiem muito em vocês, acreditem em suas capacidades, mas tenham a humildade em aceitar a sua falhas e aprendam com o insucesso;

b)    sejam justos e combatam as injustiças os preconceitos e a indiferença;

c)    troquem o medo, a intolerância e a vingança pela esperança;

d)    sonhem muito e busquem, diariamente,  a realização desses sonhos;

e)    vivam intensamente cada dia de suas vidas, pois acreditem, a vida passa muito rapidamente;

f)     divirtam-se bastante e jamais esqueçam as crianças que existem dentro de vocês;

g)    cuidem bem e muito bem de suas famílias, pois nenhum sucesso profissional por mais magnífico que seja, supera o fracasso da vida pessoal ou familiar;

h)    acreditem no que diziam seus avós e pais: alimentem-se bem e não andem desagasalhados!! Isso significa: cuidem bem da sua saúde, ela tem um valor inestimável para vocês e daqui para frente, para muitos outros;

i)     amem muito, pois a vida sem amor... é muito sem graça;

j)     por fim, jamais esqueçam daquelas palavras mágicas: por favor e muito obrigado.

Disse-lhes a poucos dias na aula da Saudade:

“O que somos, muito além do que parecemos, devemos aos outros, somos constituídos pelos outros, sem os outros não seríamos o que somos. Morreríamos se não contássemos com os outros”.

Reafirmo, o que sou devo muito aos meus alunos e em especial a vocês!

Como ando agasalhado e me alimento bem, espero ter sorte de viver muito ainda. E vou gostar muito de reencontrá-los, de reconhecê-los. Mesmo que seja olhando para fotografias e relembrando. Mas, felizmente, as últimas memórias que se vão, que são progressivamente apagadas de nossas mentes, são as memórias mais remotas e aquelas carregadas de bons sentimentos e boas emoções. Por isso arrisco, jamais os esquecerei.

Já com mais saudade do que no início, gostaria de deixar um forte abraço em cada um de vocês, e que tenham uma vida iluminada pela sabedoria, mas, principalmente, pelo bom senso. 

Enviando