O fantasma da máquina
Autor: Jorge Salton
(Antes deste artigo é aconselhavel que se leia o texto "Consciência" em Muitos Textos).
Um organismo pode existir sem um "eu interior", um self e ser capaz de fazer certas coisas. Por exemplo, retirar o dedo do fogo ao sentir dor. Porém, esse organismo não tem conhecimento de que ele sofreu uma queimadura. Os órgaos internos como coração, intestinos, o sono, os reflexos todos existem independente de existir no cérebro desse organismo um eu interior.
Nós temos a sensação de que há um eu dentro de nós. Temos a sensação de que esse eu comanda nosso organismo. É uma ilusão. O nosso eu interior mais explica nosso comportamento do que o comanda.
O self (eu interior) foi uma aquisição evolutiva. Provavelmente o chipanzé tem uma certa noção de eu interior. Inclusive, se reconhece no espelho. Um passarinho percebe o cenário a sua volta mas não percebe que ele esteja no cenário. Não há um eu interior no passarinho, citando como exemplo.
Já nos humanos normais há sempre a noção de um self no comando. Isso inclusive facilitou e reforçou nossos vínculos afetivos. Só tendo a noção de eu interior para que eu possa entender o outro ser humano. Entender que ele também tem um self, que ele é como eu.
O self (eu interior) é um dos compomentes da função mental consciência. A consciência é a capacidade que temos de reconhecer o cenário que está a nossa volta e de reconhecermos que nós estamos dentro desse cenário. Pois muitas coisas que o cérebro comanda não são trazidas ao cenário. Os órgãos internos, como já explicamos: batimentos do coração, movimento intestinal, etc. Seria uma perda de tempo ter consciência disso. Precisamos de todo o tempo para lidar com outras coisas. Para lidar com o mundo exterior. O mundo exterior deve, este sim, estar presente no palco iluminado, no cenário.
O self como comandante supremo é uma ilusão. Ele, repito, mais explica do que comanda. Outro nome que se dá para o self é alma. Nosso organismo é uma máquina biológica e nosso self é um fantasma instalado na máquina. Foi Gilbert Ryle, ao publicar no ano de 1949 em Londres o livro The concept of mind, que usou pela primeira vez a expressão “fantasma da máquina”. O filósofo buscou um rótulo negativo para ironizar aqueles que entendiam que, em determinado momento da vida intra-uterina, uma alma penetra no feto.