Filme/ Encontro em Berlim. Um filme sobre a compaixão.
São muitos os encontros em ENCONTROS EM BERLIM. Em muitos deles, há uma relação analógica entre o cenário e o interior dos personagens.
Assim acontece no encontro de Martin, o médico, com Berlim, ex-paciente, encontro que se faz via celular. No primeiro diálogo, Berlim revela fantasias destrutivas. O cenário? O Memorial do Holocausto: um mosaico formado por 2711 cubos de concreto, de dimensões diferentes, numa área próxima ao Portão de Brandemburgo. Lápides de um cemitério de anônimos? Num primeiro momento transmite uma sensação de vazio e desesperança. Mas o local, obrigatoriamente nos leva a pensar sobre como agir frente a ausência total de humanidade da qual é capaz o ser humano. E é o que faz Martin, ao telefonar para um colega e solicitar que atenda Berlim.
Mais adiante, o diálogo de Berlim revela dubiedade. Diz que seu desejo agressivo é humano para em seguida acrescentar a pergunta que faz a si mesmo: “Ou desumano?” A cena segue com a visão de um pedaço do Muro de Berlim visto de dentro do pátio do que era a terrível Gestapo. Na seqüência, vê-se saindo de trás do muro um imenso balão colorido que sobe em direção aos céus.
No último diálogo, Berlim revela o quanto quer viver num mundo “gente com gente” e como se esforça para conseguir e o quanto essa boa tentativa o emociona. O cenário em que se passa o telefonema é espetacularmente belo tanto do ponto de vista visual como no sentimento que desperta. Trata-se do Treptower Park, mais especificamente o colossal monumento construído pelos soviéticos entre 1946 e 1949. Na sua entrada, vê-se um soldado ajoelhado. Na seqüência, um número considerável de painéis que iniciam retratando os horrores da guerra e culminam com a vida pacífica dos civis após o final das hostilidades. No alto, um monumento imenso no qual um soldado em vez de arma tem uma criança no colo. Ao começar a caminhada ao longo dos painéis, sentimos a dor da frieza destrutiva de que é capaz nossa espécie. Ao chegarmos ao grande monumento, nosso interior está transformado: há calor, paz, uma alegria tranqüila, muito tranqüila. O espetáculo não está só frente a nossos olhos, está dentro de nós.
Outra relação analógica: quando Martin lembra as palavras do filósofo que discorre sobre Sartre e a liberdade que nós humanos temos para construir nossa existência e a imensa responsabilidade gerada em nós por essa possibilidade. As cenas começam dentro do pátio do QG nazista na Segunda Guerra. Depois, seguem numa caminhada ao longo do rio Spree e terminam com a visão da Torre Telespargel que alcança 365 metros, construída que foi em 1969. A propósito, o filme começa com imagens da cidade vistas lá do alto. Nelas, predomina a beleza construída, mas vê-se também a destruição atrás das ruínas preservadas de um prédio bombardeado na guerra. Martin poderá direcionar o restante de sua vida por um rumo ou pelo outro.
Berlim é uma das cidades que mais se presta para cenário de um filme que fala dos sentimentos tanto dos ruins como dos bons. Da presença e da ausência da empatia e da compaixão.
Outra cidade é Dresden.
Mas... filme, é necessário, antes de tudo, vê-lo. Roger Ebert, o famoso crítico norte-americano escreveu: “Vivemos numa caixa de espaço e tempo. Os filmes nos permitem desvendar outras mentes”. (E desvendar outros compartimentos de nossas próprias mentes).
ENCONTROS EM BERLIM é uma modesta homenagem a Akiro Kurosawa e seu filme VIVER produzido em 1952. Watanabe, um homem que trabalhou como burocrata por trinta anos na prefeitura de Tóquio e que está com uma doença terminal diz, num bar, para um estranho: “Eu não posso morrer, pois não sei para que vivi durante todos esses anos”. Roger Ebert revia Viver a cada cinco anos: “Acredito – escreveu – que este seja um dos poucos filmes capazes de inspirar alguém a conduzir uma vida um pouco diferente”. Em VIVER, Watanabe é o paciente que se questiona, em ENCONTROS EM BERLIM é Martin, o médico.