DELICADEZAS
Após assistir, contrariada, peça de teatro com base em crônicas deixadas por seu avô, adolescente relembra passagens da vida dele e de sua vida com ele. Acontecimentos da vida do avô - médico - são reveladas diretamente na voz dele e também no formato de peça de teatro. O paciente que o fez médico, as menininhas na Emergência, o fantasma da vila difícil, o psiquiatra rural que não sabia andar a cavalo, quando aprendeu a caçar ganso e outras tantas mais.
Delicadezas é um filme de arte conforme a descrição de David Bordwel em artigo de 1979 intitulado "The Art Cinema as a Mode of Film Practice”. Filme independente, não é voltado para um público de massa. Deixa ao espectador do cinema a tarefa de pensar sobre: "por que contar a história dessa maneira?". Atrai quem deseja extrair insights, refletir não só sobre o conteúdo narrado, mas sobre a própria arte do cinema. “Ikiru” (1952), de Akiro Kurosawa (1910-1998), é um ótimo exemplo de como os filmes de arte, em geral, partem de enredos muito simples. Watanabe, um homem que trabalhou como burocrata por trinta anos na prefeitura de Tóquio e está com uma doença terminal diz, em um bar, para um estranho: “Eu não posso morrer, pois não sei para que vivi durante todos esses anos”. Roger Ebert escreveu que revia “Ikiru” (Viver) a cada cinco anos: “Acredito” – escreveu o crítico de cinema – “que este seja um dos poucos filmes capazes de inspirar alguém a conduzir uma vida um pouco diferente”. Em “Viver”, é Watanabe que se transforma. Em Delicadezas, é Ana Beatriz, a protagonista. Em ambos, a mudança é sutil. Parece pequena, sem ser pequena. Uma neta que reluta a viver o luto pelo avô e admitir que, como todos, precisamos de um farol, “mesmo que um velho farol para nos iluminar o caminho”.
Delicadezas utiliza-se de mise en abyme, termo usado pela primeira vez pelo francês André Gide, Prêmio Nobel de Literatura de 1947: uma forma de narrar que contém outra forma narrativa dentro de si. Há teatro dentro do longa-metragem. E, como revela o título, o filme nos oferece lufadas de delicadezas.
Mais uma obra de Jorge Alberto Salton, que escreve o roteiro e dirige. Já fora o diretor de quatro longas que constam no “Dicionário de Filmes Gaúchos/longa-metragem”, editado por Glênio Póvoas.Conta com atuações impecáveis de Márcio Meneghel e de Yasmim Hermann. O primeiro, comprova sua experiência e talento como ator de teatro. A jovem Yasmin revela uma promissora estreia como atriz de cinema. Participação especial de Ciciliana Rech e de Fábio Woitchumas. Produção: Studios Ghost. Produção executiva: Juarez Missel, Ana Paula Wickert, Jorge Alberto Salton, Nara Marley Aléssio Fubert. Captação de imagens e primeira edição: Skopo Media. Imagens aéreas: Fábio Susin. Trilha musical: Cláudio Wagner, Fabíola Mugnol, Chico Fran Fran, Paulo Reichert, Jader Escouto e Guilherme Gambetta. Pós-edição: Juarez Missel e Jorge Alberto Salton.Gravura toda feita com caneta esferográfica: Isaías Klein. Obra sem fins lucrativos. A equipe toda trabalhou sem renumeração e sem desejar ter. O fez por amor ao cinema.