Módulos do Curso
PARA GOSTAR DA PROFISSÃO
AVALIAÇÃO SUBJETIVA
O quanto você está gostando de sua atividade profissional (ou estudantil) neste momento?
AVALIAÇÃO SUBJETIVA
10 = o máximo do gostar
01 = o mínimo do gostar
Entre um e dez, qual o seu número?
AVALIAÇÃO OBJETIVA
Você se enquadra mais em qual das três opções?
A - Espera ansiosamente pelos finais de semana. Se tivesse reais condições de optar, mudaria de profissão (ou de faculdade, de curso que faz). Se ganhasse na loteria, largaria a atividade. Leva adiante por ser o caminho para se sustentar.
B - Da para se dizer que gosta, mas não muito. Anima-se quando pensa que com ela consegue se manter e quem sabe crescer financeiramente e ter algum destaque no meio.
C - Gosta da atividade por ela mesma. Sente as vezes o fenômeno do FLOW (não ver o tempo passar). Quer continuar nela mesmo percebendo que o retorno financeiro não é bem o que gostaria de ter. Se ganhasse na mega-sena continuaria, de uma ou outra forma, envolvido na atividade.
OBSERVAR O FLOW
Observe se em alguns momentos na atividade profissional ou estudantil você sente o FLOW. Uma atividade é gratificante, gostamos dela, se, às vezes, envolvidos com ela não sentimos o tempo passar. Significa que estamos descansando de nós mesmos. A atividade prende tanto nossa atenção que esquecemos de nós mesmos. E a sensação é boa, muito boa, de alívio, pois estamos permanentemente ocupados ou preocupados com nossas coisas e conosco mesmos. O peso de nós mesmos, por alguns momentos, sai de nossas costas. Foi Mihaly Csikszentmihaly (pronuncia: miaj tziksentmihaj), psicólogo húngaro que mudou-se para Estados Unidos em 1956, ex-aluno de Carl Young, que cunhou o termo FLOW. A sensação de BEM ESTAR, de FELICIDADE se obtém em atividades que sentimos esse fenômeno descrito por Mihaly. A atividade que nos proporciona isso é aquela que sentimos como um desafio e que percebemos ter capacidade para enfrentar esse desafio.
O NÍVEL DO SEU GOSTAR
São poucos os que respondem na AVALIAÇÃO SUBJETIVA dez e na AVALIAÇÃO SUBJETIVA C. Estes não necessitam continuar o curso.
As pesquisas realizadas em diversos países revelam sempre um número elevado de não gostar. E na medicina, as respostas se assemelham. Um dos questionários mais utilizadso é o MASLACH BURNOUT INVENTORY (MBI) encontrado na internet. Só como exemplo, cito dois sites em que se encontra bibliografia a respeito de pesquisas sobre o tema: Université Libre de Bruxelles: http:/www.ulb.ac.be e Conselho Federal de Medicina (CFM):portal.cfm.org.br.
Para aqueles não DEZ e não C, o curso vai começar agora!
DO NÃO GOSTAR PARA O ADOECER
No início, apenas o NÃO GOSTAR aparece. Se nada for feito a respeito, corremos o risco de evoluir para o adoecer.
Observe se você apresenta sintomas de algumas sindromes ocupacionais relativamente comuns.
SÍNDROME DE EXAUSTÃO
ESTRESSE EMOCIONAL CRÔNICO NA PROFISSÃO
BURNOUT
KAROSHI
TOMAS
ICARO
SÍSIFO
JOHN WAYNE SYNDROME
TEPT
TRAUMATISMO POR PROCURAÇÃO
FADIGA POR COMPAIXÃO
SEMELHANTE MAS DIFERENTE
Todos os quadros relatados são semelhantes. São variações do mesmo sofrimento que atinge os profissionais.
Estresse versus Burnout: a distinção localizasse no fato de que o estresse atinge o indivíduo e não é necessáriamente acompanhado de compartamento negativo para com aquele que recebe o serviço, o usuário; no Burnout, o usuário é atingido pela indiferença, cinismo, irritação do profissional.
Fadiga por Compaixão versus Burnout: a distinção localizasse no fato de a primeira estar diretamente vinculada ao exercício da empatia compassiva.
Sísifo versus Burnout: a origem do sofrimento na Sindrome de Sisifo está diretamente vinculada a sensação de que aquela repetição enfadonha e penosa não leva a nada, "no empurrar eternamente a pedra para cima".
Como são quadros semelhantes, o tratamento também é muito semelhante, conforme veremos a seguir.
SÍNDROME DE SÍSIFO
Sísifo, personagem mitológico, fora condenado a empurrar uma grande pedra morro acima para toda a eternidade. Quando chegava no alto, a pedra rolava para baixo e ele tinha de recomeçar tudo de novo.
Quando no nosso trabalho temos a sensação de que é ele repetitivo, enfadonho e que não leva a nada, não resulta em nada, a exaustação se instala.
TEPT SECUNDÁRIO
Transtorno do Estresse Pós-Traumático acomete pessoas que foram expostas a acontecimento traumático e que no seguimento de suas vidas passam a revive-lo a todo momento: lembrnças repetitivas e invasoras, sonhos de tipo pesadelos, flash back. Passa a apresentar alguns sintomas, entre os quais: insonia, dificuldade de concentração, irritabilidade, angústia, tristeza. Tenta evitar tudo que possa fazê-lo lembrar do ocorrido. Há sofrimento importante podendo prejudicar seu funcionamento profissional, social e afetivo.
Quando no nosso trabalho somos expostos a situações tristes, angustiantes, trágicas, inesperadas em que não estamos preparados para assimilá-las (algumas situações ninguém nunca estará suficientemente preparado) o quadro tende a se instalar em nós. Denomina-se de secundário: Estresse Pós Traumático Secundário.
Em certas atividades profissionais - área da saúde, por exemplo - é necessário que a pessoa vá se expondo aos poucos a seus dramas para ir assim conseguindo assimilá-las, a desenvolver como se diz "uma casca grossa" e assim não adoecer. A exposição cedo no curso de medicina, por exemplo, a pacientes com grande sofrimento e a situações médicas muito ansiogênicas são muito contraproducentes.
FADIGA POR COMPAIXÃO
A relação "gente com gente" faz parte da maioria dos trabalhos. E quem atua na área da saúde acaba se envolvendo empaticamente com pessoas que estão sofrendo e não tem como ser diferente. Podemos dividir a empatia em cognitiva, afetiva, compassiva ou compaixão. A cognitiva implica em perceber a existencia dos outros e suas necessidades. Por exemplo: não acender a luz de um quarto quando alguém está nele dormindo, não deixar alguém esperando. A afetiva consiste em sentir o que o outro sente: tristeza empática, alegria empática. E a compassiva ou compaixão consiste em além de sentir o que o outro sente ter o ímpeto de agir para ajudá-lo.
A compaixão, portanto, consiste em se colocar no lugar de alguém que sofre e sofrer com ela e desejar ajudá-la a aliviar sua dor.
Até certo ponto, a compaixão faz bem a quem a sente: percebe-se capaz de ajudar e, nesse sentido, um forte; vê em si mesmo o valores humanos mais elevados; deixa de lado, naqueles momentos, a solidão existencial e se sente integrado a espécie humana.
Mas, a exposição exagerada para as condições pessoais daquele indivíduo, pode provocar nele a fadiga. O processo de exaustão pode ir se instalando lentamente. Quando mais ele vivencia a compaixão, mais ele adoece.
SÍNDROME DE BURNOUT
A síndrome apresenta três sintomas que aparecem, em geral, de forma seqüêncial:
1.ESGOTAMENTO EMOCIONAIL (E FÍSICO)
2.INDIFERENÇA
3.AUTO-ESTIMA BAIXA
De início, a pessoa sente que sua energia, seu "fogo" (burn) vai diminuindo. A vontade de se deslocar até o local do trabalho desaparece. Vai até ele pelo senso do dever e de responsabilidade. As tarefas tornam-se muito cansativas. Dá vontade de fugir delas. Há uma tendência a postergá-las, ir deixndo tudo para o amanhã. O passo seguinte é o da indiferença: se fiz ou não fiz, tanto faz, se perder o emprego, tanto faz. A pessoa se torna irritada no trabalho e, por vezes, cínica. Critica tudo, se não verbalmente, em pensamento.
Como o trabalho é um dos pilares de nossa auto-estima, começamos a vê-la diminuir.
Podem surgir, portanto, sintomas psicológicos e sintomas físicos.
Psicológicos: irritabilidade, tolerância zero, cinismo, mau humor, distração, ansiedade flutuante, pensamentos negativos sobre o trabalho, sobre a vida, sobre si mesmo e outros sintomas.
Físicos: insônia, hipertensão, dores musculares, cefaléia, náuses, dores de estômago e outros.
O que distingue o burnout da doença depressiva é o fato dos sintomas estarem claramente relacionados ao trabalho. Nas férias, a pessoa está muito bem. Nos feriados, enfim, quando longe do trabalho ela não apresenta esgotamento, indiferença e baixa auto-estima.
O mesmo fenômeno é, por vezes, identificado através de outros nomes como:
SÍNDROME DA EXAUSTÃO
ESTRESSE EMOCIONAL CRÔNICO NA PROFISSÃO
DOENÇA DA RELAÇÃO DE AJUDA
ICARO. Derrete as asas por querer aproximar-se demais do Sol.
KAROSHI (karo = cansaço; shi = morte): morte por cansaço no trabalho.
SÍNDROME DE TOMAS. Uma referência ao personagem Tomas de Milan Kundera em A insustentável leveza do ser. Tratava-se de um médico que acaba abandonando a profissão.
JOHN WAYNE SYNDROME. Refere-se mais ao sintoma da indiferença presente no BURNOUT. Uma referência ao célebre ator no seu papel de cow-boy: impassível, indiferente ao perigo, negava toda a gravidade dos problemas. Não reagia emocionalmente como seria o esperado, revelando assim uma frieza e um distanciamento da vida real.
IDEALIZAÇÃO - FRUSTRAÇÃO - FADIGA
Alguns profissionais / estudantes passam pelas seguintes etapas ao longo de seu trabalho ou de seu curso:
FASE UM - Inicia o trabalho ou o curso com determinada idealização a respeito dele; idealização que pode, inclusive, ser acompanhada de uma sensação de euforia.
FASE DOIS - Após essa euforia inicial, pode haver uma sensação de estagnação: a impressão de que seu trabalho ou curso é um tanto chato ou desagradável; quanto maior a idealização maior o abismo entre ela e o trabalho real.
FASE TRÊS - A perda da "realidade" imaginada: a frustração frente ao mundo do trabalho / estudo como ele é; processo de luto pela morte do imaginário.
FASE QUATRO - A medida que fica paralisado, sem ação, sem achar uma saída alternativa, um truque mental que seja para lidar com o mundo real, principia o processo de exaustão.
IDENTIFICAR O VERDADEIRO PROBLEMA
Vamos usar o método PSASA explicado no curso PARA SUPERAR CONFLITOS que consta neste site: PROBLEMA - SENTIMENTO - ANÁLISE - SOLUÇÃO - AÇÃO.
Temos de identificar se:
1. Estamos vivendo somente o NÃO GOSTAR do trabalho ou do curso (mais adiante neste curso veremos como modificar o não gostar).
2. Estamos já com os sintomas de uma das doenças ocupacionais relatadas.
Assim, identificamos o verdadeiro problema.
SENTIMENTO
Estaremos vivendo sentimentos negativos em relação ao trabalho ou ao curso. Vamos observar se é a ausencia de sentimentos, a frieza, o distanciamento da Síndrome de Bournout. Se é o sentimento de enfado repetitivo e de inutilidade do trabalho que fazemos da Sindrome de Sísifo. Se é a tensão, a angustia, o estresse do TEPT. Enfim, é importante discriminar bem o sentimento negativo.
Também é importante perceber em que situações no trabalho ou no curso esses sentimentos negativos surgem. Ao fazer qual tarefa? Ao conviver com que colega? Com que superior? Ou é de forma generalizada.
ANÁLISE
Vamos refletir sobre os fatores que podem ter nos levado ao NÃO GOSTAR ou até mesmo a já apresentar sintomas das doença ocupacionais.
(1) Começamos o curso ou o trabalho já sem querer fazê-lo; as circunstâncias nos levaram a ele. Por exemplo, não tinhamos no momento outra opção profissional; afinal, tinhamos de fazer algum curso; nos submetemos a opinião ou a pressão de alguém; entramos no curso ou no trabalho pela vaidade, sem realmente avaliarmos se era nosso desejo.
(2) Desejamos fazer o curso ou entrar na profissão, foi por nossa escolha. Porém, imaginávamos que ela fosse bem diferente do que é na realidade. Éramos atraídos por uma profissão / curso idealizado e não pela profissão / curso real.
(3) Fomos perdendo o GOSTAR a medida que fomos trabalhando cada vez mais horas.
(4) Há falta de autonomia no trabalho e a conversa com os superiores não dá resultado algum, não somos escutados.
(5) Não somos valorizados no trabalho.
(6) Percebemos que o trabalho não é valorizado pela sociedade ou pelos nossos familiares e amigos.
(7) Outras razões.
SOLUÇÃO
A solução ou as soluções vão depender da análise que fizemos e dos fatores causais que encontramos. E também de uma nova forma de se organizar tanto em relação ao trabalho ou curso quanto em relação a nossa própria vida.
(1) Desistir do curso ou pedir demissão do trabalho. E ir em busca de outro. Se temos possibilidade, podemos largar a atividade e passar um tempo "nos encontrando" e encontrando outra. Caso não, convém só largar o curso / trabalho quando já encontramos a alternativa.
(2) Começamos o trabalho, sem querer, por influências externas. Bem, cabe refletir se a opinião de Sartre não condiz conosco. Ele diz que dentro das circunstâncias temos tanta liberdade que inclusive temos a liberdade de deixar que alguém decida por nós. Há situações que a decisão não foi tomada por nós, foi coletiva. O meio influiu, os colegas, amigos, a família. Mas, é bem possível que nós "livremente" tenhamos deixado que as coisas fossem assim. Aliás, é bom que se diga que nem sempre isso é ruim. É ruim se fazemos uma leitura negativa disso. Muitas pessoas já me disseram algo assim: "Ainda bem que meu pai, minha mãe, meu avô, meu amigo me induziu a esta profissão. Aquela que eu havia pensado em fazer, agora vejo, era uma furada".
(3) Idealizávamos uma coisa e... Quem sabe temos de rever a leitura que fazemos da vida em geral. A vida (e o trabalho e o estudo) é o que é.
(4) Trabalhar demais, sempre é negativo. Se esse foi o fator do nosso adoecer, temos de aceitar ganhar menos, temos de aprender a dizer não, temos de aceitar nossos limites.
(5) Se foi a falta de autonomia... reconheço que é um dos fatores mais difíceis de lidar. Voltaremos ao tema mais adiante no curso.
(6) Quando o exterior não valoriza o nosso trabalho ou não nos valoriza resta o nosso interior valorizá-lo. Também veremos esse fator mais adiante no curso.
AÇÃO
O caso que vou relatar se passou comigo. Recém formado médico pela UFSM, iniciei especialização em psiquiatria na UFRGS que me ocupava o turno da noite e ou manhã ou tarde. No turno que sobrava consegui emprego no Hospital Psiquiatrico São Pedro. Na época havia lá em torno de 3.600 pacientes e havia carencia de tudo. Passei a ser o médico de 100 pacientes num contrato de 3 horas por dia. Via-os em grupo e, pasmem, nunca individualmente, não havia tempo.
Numa cafeteria que havia no hospital - habitada por milhares de moscas que eram atraídas e eletrocutadas numa grade eletreficada que havia no teto - passei a encontrar alguns medicos visivelmente desanimados. "Com tanto trabalho para fazer e eles aqui no meio das moscas". Não demorou muito e eu comecei a perceber crescer em mim a vontade de permanecer na cafeteria das moscas em vez de na enfermaria com meus 100 pacientes.
Fui transferido para a chamada Unidade de Observação e Triagem (UOT) masculina. Todo o paciente que baixava no Hospital devia ficar de 3 a 6 dias nesta unidade para ver se ele realmente precisava baixar ou, com o tratamento dado neste curto periodo ele já melhor, poderia voltar para casa. Depois que entrava para alguma enfermaria e passava a pertencer a esses 100 pacientes... para ter alta...
A UOT possuia duas pequenas enfermarias - dez a vinte leitos cada -, um refeitório e uma sala para atendimento. O chão era de terra. Um das enfermarias, quando chovia alagava a ponto de a água alcançar a metade da perna de quem lá andava. A outra, de zinco baixo, no calor de Porto Alegre, desidratava alguns pacientes. E sem falar nos ratões do Hospital São Pedro.
Além disso, os pacientes quando chegavam não queriam tirar a sua roupa e vestir o fardão do Hospital. Mas se ficassem com sua roupa, seriam roubados e na hora da alta não teriam nem roupa para usar. Mais ainda, a brigada quando trazia alguém em surto psicotico e agressivo e havia fila para atendimento na adminssão, deixava o paciente direto na UOT sem a avalião e todos os tramites necessários a admissão.
Eu passei a não dormir de noite, tinha pesadelos referentes as tragédias que acompanha na UOT. Tinha flash backs, enfim estava com TEPT. E cada vez mais com vontade de me esconder na cafeteria das moscas, a Sindrome de Sísifo me rondava com a sensação de que meu trabalho não levava a nada. Passei a ficar fadigado, a Fadiga por Compaixão me atingira. Logo, o Burnout se instalou: para levantar de manhã precisava fazer um imenso esforço, não tinha mais a energia que antes tivera; as vezes, me percebia distante daqueles sofridos pacientes, me distanciava afetivamente deles; minha autoestimava baixava, não era isso o que eu esperava de mim.
Minha salvação foi um homem uns dez anos mais velho que eu, enfermeiro, casado, dois filhos pequenos, que trabalhava no Hospital São Pedro mas ambicionava um dia trabalhar no Hospital de Clínicas. Perguntei a ele, certo dia: "Como é que você consegue chegar aqui todos os dias sempre disposto e nunca te vejo na cafeteria das moscas...". Me tornei seu aluno. Ele me ensinou o que fazer. E a ação ou as ações que fiz sob sua orientação me curaram.
O paciente não quer vestir o roupão do Hospital. Ele tem razão, é o que lhe resta de sua identidade, é o lado saudável dele. Vamos tirar no segundo ou terceiro dia, quando ele já estiver mais ambientado e mais aliviado dos sintomas.
Vamos aceitar numa boa que a brigada deixe o paciente na UOT sem passar pela admissão: até porque não adianta discutir com eles; e eles não devem mesmo ter tempo de ficar esperando. Quando diminuir a fila na admissão, um de nós leva o paciente até lá e então se faz todos os procedimentos.
Quando chovia tiravamos os pacientes e suas camas da enfermaria que alagava e colocavamos no refeitorio. Quando esquentava, tiravamos os pacientes daquele enfermaria de teto de zinco e colocavamos no refeitório. Quanto aos ratos, aprendi logo que eles tinham mais medo de nós do que nós deles. Bastava tentar chutá-los que eles fugiam.
E, por fim, vimos que teriamos de nos virar por conta própria. Da direção só vinham promessas. Cuidamos de perto a obra de um prédio novo que seria destinado a outra finalidade que não a nossa UOT. Quando ele estava quase pronto, aproveitamos um dia em que o teto de zinco cedeu, baixou um metro ou dois e, sem pedir permissão para ninguém, fomos com os pacientes até o predio novo, arrombamos a porta e... ufa! Agora sim tinhamos uma casa decente.
E eu passei a trabalhar mais do que as três horas em que batia ponto, não fui mais a cafeteria, dormia melhor e levantava com energia para ir até meu trabalho no Hospital Psiquiatrico São Pedro. Trabalhei lá três anos e meio.
Fui salvo pelo meu professor, o enfermeiro. Aprendi com ele que temos de agir. Não importa que sejam pequenas ações. A AÇÃO é fundamental.
PRAZER VERSUS GRATIFICAÇÃO
Primeiro temos de relembrar a diferença que há entre prazer e BEM ESTAR ou FELICIDADE.
Prazer envolve os órgãos sensoriais: gosto, olfato, visão, audição, tato. Não exige raciocíneo, não exige treinamento de habilidades. Sensação boa, necessária, mas passageira. Por momentos temos uma sensação agradável. Faz parte da vida, ao natural vamos atrás deles. Porém, não são os prazeres que nos trazem o BEM ESTAR, a FELICIDADE.
Temos de ter certos cuidados, caso contrarios nosso prazer nos levará a (a) EXCLUSIVIDADE: se repetitivo se torna o único prazer; (b) HABITUAÇÃO: se repetitivo ele passa a exigir de nós doses cada vez maiores.
O BEM ESTAR, a FELICIDADE está muito ligada com as chamadas ATIVIDADES GRATIFICANTES. Diferente dos prazeres, exigem raciocíneo, desenvolvimento de habilidades, tempo de preparação, de construção. Uma atividade é considerada gratificante se provoca em nós as vezes o FLOW, se não vemos o tempo passar. Se determinada atividade nunca provoca o FLOW, não é gratificante para nós, pode ser para outro mas não para nós.
Ouvir piano pode dar prazer. Desenvolver a habilidade de tocar piano pode dar BEM ESTAR. Jantar dá prazer. Cozinhar, se desperta FLOW, dá gratificação e nos leva a experimentar a sensação de BEM ESTAR, de FELICIDADE.
Em nosso trabalho experimentamos o FLOW? É ele uma atividade para nós gratificante? Sentimos com ele BEM ESTAR?
ENVOLVIMENTO COMPROMETIDO
Sem envolvimento pleno, comprometido, NADA será gratificante. Vale para uma relação afetiva, para um estudo, um trabalho. Sem focar nossa atenção, sem assumir para valer nenhuma atividade nos trará gratificação e não alcançaremos a sensação de BEM ESTAR.
Porém, só assumimos para valer uma atividade quando percebemos o VALOR que ela tem.
Cito como exemplo, o meu caso. Fiz vestibular para medicina sem ter claro que seria essa a minha profissão. Somente no final do terceiro ano do curso que me assumi como futuro médico. Devos isso a um paciente. Com ele tive o que chamamos de EVENTO MODIFICADOR DE VIDA. Na última prova prática de semiologia, o professor me mandou esperá-lo junto ao leito de um rapaz que sofria de uma cardiopatia congenita. Enquanto aguardava o professor, fiz amizade com ele e ele me ensinou como examiná-lo. Era um jovem engenheiro que convivera com a doença desde a infância e sabia tudo sobre ela. Me fez ascultar as válvulas do seu coração, o ictus, me explicou detalhes do diagnóstico e o tratamento também. Quando o professor me avaliou, eu sabia tudo. Percebi a satisfação no rosto do professor e no rosto do paciente, meu outro professor. Ganhei nota dez e fiquei, em vez de alegre, muito constrangido. Com o professor e com o paciente. E fiquei com vergonha de mim, por não estar assumindo para valer uma profissão tão séria, de tanta necessidade, de imenso valor. E, então, começou a clarear em mim o sentido que daria a minha vida.
RELAÇÕES EMPÁTICAS
Somos seres que precisamos dos outros. Durante muito tempo em nossas vidas o olhar dos adultos é o nosso espelho. Lembram-se da lenda: "espelho meu, existe alguém mais bonito do que eu?" Uma criança não sabe se está bem vestida, tendo um comportamento adequado. Só sabe pelo olhar de aprovação ou de reprovação do pai, da mãe, da professora, da turma.
A medida em que crescemos e também passamos a saber o que os adultos sabem, o nosso espelho passa a ser o nosso próprio olhar. Mas os outros, mesmo não sendo mais nosso espelho, seguem tendo importância: desejamos que nos queiram e que tenham apreço por nós.
Portanto, a relação com os outros é para nós algo de importância muito grande.
Vem crescendo entre os neurocientistas o estudo dos chamados neuronios espelho: um grupo de células do cérebro que fica no lóbulo frontal.
Giacomo Rizzolatti, pesquisador de Parma, foi um dos pioneiros. Quem tem esses neuronios ativados consegue se colocar no ludar de outra pessoa e, inclusive, sentir a emoção que ela sente.
Por exemplo, se eu observo alguém que aperta o dedo numa porta eu sinto emoção de sofrimento dentro de mim. Só não sinto a mesma dor daquele que se machucou por que tenho receptores na minha pele que, ao não serem acionados, informam o cérebro que a porta não foi fechada no meu dedo. Uma pessoa que não tem tais receptores - teve o braço amputado - ou que teve os receptores desativados por anestesia, por exemplo, sente a dor como se fosse a dor dela.
Esses neuronios são também chamados de neurônios da EMPATIA.
EMPATIA COGNITIVA / CONHECIMENTO: tenho sempre consciencia da presença de outros "eus" e não só do meu "eu". Por exemplo, ao chegar num quarto já me pergunto se teria alguém dormindo para, no caso, não acender a luz.
EMPATIA AFETIVA: se o outro está triste, sinto um pouco sua tristeza; se alegre, sinto um pouco sua alegria.
COMPASSIVA ou COMPAIXÃO: não só sinto o que o outro sente mas também tomo a ação de ajudá-lo.
Com os colegas do trabalho e com os colegas de curso posso ir aprimorando minha capacidade de empatia: das três se as tenho. E posso também ir observando a capacidade de empatia dos meus colegas. Posso ir fazendo tipo um mapa. Se o colega não apresenta uma das empatias, devo me relacionar com ele levando em conta essa sua limitação.
CRIATIVIDADE
Sem dúvida que se no trabalho ou no curso que fazemos tentamos ser criativos, nos sentiremos mais estimulados. A criatividade depende da possiblidade de irmos além dos padrões dominantes. O trabalho, e a vida, tende a ir nos enquadrando dentro de modelos.
Para ser criativo precisamos ir além dos modelos ou funcionar como funcionávamos antes de tê-los, quando éramos crianças e brincávamos livremente.
Para criar, portanto, é necessário que possamos nos permitir errar. O momento criativo é semelhante aquele do brincar infantil.
Mas lembre-se: algo é criativo quando é compreendido pelos demais; se não, é apenas algo bizarro.
Conseguimos criar - e não ser apenas bizarros - quando tentamos criar numa área do conhecimento que dominamos. Como médico posso ser criativo em algo relacionado com a medicina e jamais na engenharia de controle, por exemplo. Não a conheço e minha criação seria certamente bizarra.
TALENTO
De forma bem simples: temos talento para algo se temos facilidade para aprendê-lo. Óbvio que sentiremos gratificação e bem estar se trabalharmos numa atividade para a qual temos talento.
VOCAÇÃO: SENTIDO NA VIDA
Para Sartre, filósofo existencialista francês, o ser humano é livre para escolher o seu caminho, o rumo, o sentido que dará a sua vida. Livre dentro das circunstâncias em que vive, é claro. Para Sartre a nossa liberdade é tão radical que, inclusive, temos a liberdade de deixar que outros escolham por nós o nosso rumo.
Há pessos que escolhem um rumo que as absorve por inteiro. Tem um sentido na vida. Quando esse sentido é seu trabalho, dizemos que a pessoa é vocacionada, que é a sua vocação. Costumamos dizer: "aquela pessoa é do ramo". Vai continuar na atividade não importa se tenha vitórias ou não, pois é nela que sente que a sua vida vale a pena de ser vivida.
O PARADOXO DA ESCOLHA
Dan Gilbert, em Harvard, fez uma pesquisa que partia de um curso de fotografia. Ao final, o aluno tinha de escolher uma das fotos dentre as que fez para deixar em Harvard. Para um grupo, se determinou que decidissem pela foto naquele momento e que não mais poderiam voltar a traz. Para outro, a orientação foi no sentido de que por trinta dias ainda teriam o direito de voltar a traz e trocar a foto escolhida por outra. Conclusão: aqueles pertencentes ao grupo que tinha a possibilidade de trocar nunca estavam bem satisfeitos com a escolha que fizeram. Os outros que não tinham escolha, ficavam achando que acertaram na escolha.
É bom, é claro, que tenhamos a possiblidade de escolher. Porém, há um limite. Quando as possibilidades são infinitas corremos o risco de nunca estar satisfeitos com aquela que estamos fazendo.
Barry Scwartz, sociologo interessado em economia e em psicologia, publicou o livro O PARADOXO DA ESCOLHA. Ao lê-lo, percebemos que não ter esolha é ruim, mas ter muita opção de escolha também é ruim.
Conclusão: temos de limitar nossas possibilidades de escolha. Nesse oceano de opções que vivemos, temos de colocar dentro um aquário e viver nele. Mais ou menos assim: nessa área da minha vida já fiz minha escolha, não vou ficar aberto a possibilidade de outra escolha.
Muitas pessoas trocam a toda hora de atividade profissional, nunca estão satisfeitos e se dão sempre o direito de mudar. Teriam de refletir se não se trata do fenômeno do PARADOXO DA ESCOLHA.
FAZENDO O CERTO
Gostamos do nosso trabalho ou do nosso curso se temos a sensação de que nele estamos fazendo o CERTO. Mas o que nos leva a fazer o CERTO? E o que nos leva a fazer o ERRADO?
Segundo DAN ARIELY, há um FATOR PESSOAL DE ENGANAÇÃO (FPE). Cada um de nós tem já dentro de si um nível X de "capacidade" para trapacear, para fazer o errado. Porém, esse nível pode aumentar ou diminuir dependendo de fatores externos a nós. Entre eles, a atitude tomada pelo nosso grupo ou por alguém de certa importância dentro de nosso grupo de fazer o certo ou de fazer o errado. Somos influenciados a melhorar ou a piorar nosso FPE. Quando nos lembramos de nossa ética interior, nossa moral, nossos exemplos familiares positivos, nossos códigos, trapaceamos menos.
Portanto, para fazer o certo e gostar do nosso trabalho, temos de lembrar de bons exemplos que temos na memória, de nossos códigos de ética e temos de ficar atento e não nos submetermos a quem não está fazendo o certo a nossa volta. E, mais ainda, sermos nós mesmos o bom exemplo para o nosso grupo de trabalho.
EXPECTATIVAS, DESENGAJAMENTO E DIVERSÕES
Observa-se três fatores que podem atrapalhar o gostar do seu trabalho. Expectativas irreais é uma delas. Por exemplo, achar que os dias passados no trabalho que escolheu serão sempre bons. Isso é impossível de acontecer. E também é importante aceitar que haverá a parte desagradável na atividade. Assim como um pianista profissional. Muitos dias em que terá de repetir e repetir determinada música não serão agradáveis. Mas só assim conseguirá o dia agradável advindo de uma boa apresentação. Também é importante aceitar que toda a atividade tem um limite seja de retorno financeiro, de status e de gratificação.
A troca constante de emprego também é negativa, não permite o engajamento. A pessoa que está sempre contando com essa possiblidade está constantemente vivendo o "desengajamento". Estará trabalhando aqui apenas com um possível trampolim. Trabalha em um local enquanto se prepara para outro. É certo que assim não irá gostar deste local em que está trabalhando.
Hoje há muitas opções de diversão fora do trabalho. As redes sociais: facebook, whats app, youtube, jogos eletrônicos... Estudantes de medicina me contam o quanto são atraídos por outros interesses e o quanto precisam lutar contra eles. Por exemplo, a tentação de jogar mais um pouco aquele jogo eletrônico, a opção de bares e boates, a maior facilidade em "ficar", em "paquerar". Já nós, estudantes de medicina dos anos 70, não tínhamos muito o que fazer fora da faculdade. Boate ou movimento nos bares apenas nos sábados. Então, as aulas, os estágios voluntários nos hospitais se tornavam muito interessantes. Havia menos atrações a nos dispersar e a nos fazer não gostar da medicina.
DICAS
Trabalhar em equipe.
Discutir as situações difíceis com colegas.
Delimitar fronteira nítida entre a atividade profissional (ou de estudo) e a pessoal.
Melhorar a qualidade da relação com os colegas e clientes.
Não só se envolver em situações que lhe trazem sentimentos negativos.
Não negar, aceitar que podemos ser afetados pelos problemas no trabalho.
Tomar consciencia das defesas que estamos empregando.
Envolver-se noutras atividades (lazeres) para equilibrar a balança sofrimente x gratificações; procurar lazeres que exijam baixo gasto financeiro.
Pensamentos críticos repetitivos quanto ao proprio trabalho devem ser evitados.
Evitar a "vitimologia".
Agir em busca de melhorias no trabalho e na profissão.
Rever gastos pessoais.
Filosofar ajuda a viver (ver curso com esse título no site)
BRIEFING - DEBRIEFING
Uma maneira de se vincular mais e de se aprimorar no trabalho ou no estudo é praticar BRIEFING e DEBRIEFING. Antes de começar o trabalho pensar em tudo que lá vai acontecer e se preparar para os eventos mais difíceis. E, ao concluir o dia de trabalho, revisar passo a passo o que aconteceu: quais os PROBLEMAS, os SENTIMENTOS, as ANÁLISES, as SOLUÇÕES e as AÇÕES que você tomou.