09/10/2019
1935: HANS SPEMANN

Artigo científico escrito por:
FERNANDO BALESTRERI
GIANA KÜHN
GLAUCIA GIACOBBO
Faculdade de Medicina da UPF


Resumo:

O presente artigo é parte de uma série de revisões bibliográficas que versam sobre a biografia e o trabalho dos laureados com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, realizadas por acadêmicos do primeiro ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo e destaca vida e obra do alemão Hans Spemann, laureado em 1935. Spemann baseou suas pesquisas no ramo da Embriologia e a descoberta que fez sobre a existência de induções embriológicas, as quais chamou de “Efeito Organizador”, rendeu-lhe a cobiçada premiação.
Palavras-chaves:prêmio nobel; induções embriológicas; efeito-organizador.

Abstract

The current article is part of a bibliografic revision series about  the biografy and work of the Nobel Prize Phisiology ands Medicine’s winners realized by the Passo Fundo’s Medicine College’s first grade academics and highlightes live and work of Germany Hans Spemann, lariated in 1935. Spemann based his researches in branch of Embriology and discovered the existence of the  embrionary indutions, and whinch called the “Organizer-efect” that gave the covetous premiation.
Key-words: Nobel prize; Embriology inductions; organizer-efect.

Introdução:

O Prêmio Nobel, hoje considerado sinônimo de excelência no universo científico, tomou forma a partir do sonho do milionário pesquisador sueco Alfred Nobel em reconhecer o trabalho daqueles que durante o ano precedente houvessem realizado o maior benefício à humanidade nos campos da Física, da Química, da Fisiologia e da Medicina, da Literatura e na manutenção da paz mundial. Dessa forma, os nomes de maior destaque são agraciados anualmente com o prêmio como forma de reconhecimento ao seu trabalho.
O laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina no ano de 1935 foi o zoólogo e fisiologista alemão Hans Spemann, que tomou como objeto principal de suas pesquisas a parte embrionária de um ovo recém-fecundado, a qual chamou de “organizador”. Em seus experimentos, Spemann constatou que o “organizador” cria, dentro da matéria indiferente em que se encontra, ou onde é artificialmente transplantado, um campo de organização de determinada direção e extensão, que geraria a diferenciação e o desenvolvimento do embrião.
Esta revisão bibliográfica tem como objetivo reunir informações sobre a vida e a obra de Hans Spemann, com o intuito de elucidar as suas descobertas, tão destacadas à sua época, e traçar paralelos quanto às contribuições que propiciou a novas pesquisas. Desse modo, segue-se um breve relato histórico sobre o Prêmio Nobel, a biografia do laureado em 1935, bem como um apanhado geral de seu trabalho e conclusões.

Prêmio Nobel, relato histórico:
Os ganhadores do Prêmio Nobel devem sua glória e seu sucesso internacional ao inventor Alfred Nobel, nascido em 1833 em Estocolmo, na Suécia. Alfred Nobel tornou-se milionário devido a numerosas descobertas na área de explosivos, em especial a dinamite.Dono de gigantesco império industrial, Nobel deixou, ao falecer em 1896, uma grande fortuna destinada à criação de uma fundação que deveria financiar cinco grandes prêmios internacionais. Dentre os cinco, quatro deveriam condecorar àqueles que destacassem em pesquisas em Física, Química, Fisiologia e Medicina e Literatura. O quinto prêmio destinar-se-ia a quem mais se empenhasse em prol da paz entre as nações. 
No dia 29 de junho de 1900, foi criada a Fundação Nobel, uma instituição privada encarregada em concretizar o sonho de Nobel. Com isso, em 1901, foi realizada a primeira das cerimônias de premiação, que desde então ocorrem anualmente sempre em 10 de dezembro, aniversário da morte de Nobel, em Estocolmo, na Suécia, e Oslo, na Noruega. Em 1969, foi criada uma nova categoria de premiação, a de Ciências Econômicas.
O processo para a escolha dos agraciados começa com a formação de um comitê responsável por enviar convites às autoridades científicas de vários países para que indiquem possíveis candidatos. Os nomes indicados passam por criteriosa análise e depois são votados pela Real Academia de Ciências da Suécia, para os prêmios de Física, Química e Economia, pela Academia de Literatura da Suécia, pelo Real Instituto Médico-Cirúrgico Karolinska, para o prêmio de Fisiologia e Medicina, e pelo Comitê Nobel da Noruega, para o prêmio aos promotores da paz. O escolhido é agraciado com uma medalha de ouro com a efígie de Alfred Nobel, um diploma e uma vultosa quantia em dinheiro.
Assim, servindo ao mesmo tempo ao desenvolvimento das letras e das ciências e à promoção da paz, o Prêmio Nobel dá a todos os laureados uma projeção tão grande que modifica as suas vidas. Nenhum outro prêmio obteve tanto prestígio a nível mundial.

Hans Spemann, dados biográficos:
O zoólogo e fisiologista alemão Hans Spemann nasceu em Stuttgart,na  Alemanha, no dia 27 de junho do ano de 1869. Era o filho mais velho do editor Wilhelm Spemann. Hans freqüentou, entre 1878 e 1888, a escola de Eberhard-Ludwig em Stuttgard. Ao terminar seus estudos, passou um ano auxiliando o pai em seus negócios editoriais. Entre 1889 e 1891, prestou serviço militar e trabalhou como livreiro, quando se fascinou pela área médica ao entrar em contato com a literatura científica.
Em 1891, ingressou à Faculdade de Medicina da Universidade de Heidelberg, onde foi influenciado pelo trabalho de anatomia comparada de Carl Gegembaur. Em 1894, transferiu-se para a Universidade de Munique, onde passou a cursar Zoologia e conheceu August Pauly, de quem se tornou grande admirador.
Entre 1894 e 1908, trabalhou no Instituto de Zoologia da Universidade de Würzburg, onde obteve os conhecimentos em micro-cirurgia de que precisaria mais tarde em seus trabalhos sobre as dinâmicas do desenvolvimento embrionário. Formou-se em Zoologia e Fisiologia em 1895. Qualificou-se como mestre em Zoologia, em 1898, pela Universidade de Würzburg, tornando-se professor de Zoologia e Anatomia Comparativa em Rostock a partir de 1908.
Em 1914, tornou-se diretor associado do Instituto kaiser Wilhelm de Biologia de Berlim-Dahlem e, em 1919, foi apontado professor da cadeira de Zoologia da Universidade de Friburgo, uma das mais respeitadas e de maior destaque de toda a Europa.
As pesquisas que desenvolveu em Rostock, Berlim e Friburgo levaram-no, nos anos de 1920, aos resultados científicos que o consagraram e que lhe renderam, em 1935, a Premiação Nobel. A partir de 1935, afastado das salas de aula, dedicou-se exclusivamente às pesquisas laboratoriais. Permaneceu em Friburgo como Professor Emérito, vindo a falecer em nove de setembro de 1941 nessa mesma cidade.

O Efeito-Organizador no desenvolvimento embrionário:
Como ocorre o entrelaçamento harmonioso de processos separados que fazem, em conjunto, o desenvolvimento completo do embrião? Os experimentos que conduziram Hans Spemann à descoberta do fenômeno por ele designado por “Efeito-Organizador” retornam a essa questão e ao início das mecânicas do desenvolvimento.
Instigado por essa dúvida, Spemann passou a analisar os trabalhos de Wilhelm Roux e de Hans Driesch, pioneiros no uso de métodos experimentais em pesquisas sobre o desenvolvimento. Roux observou que ao furar um dos dois blastômeros de um ovo de sapo, obteve-se apenas metade de um embrião.  Já Driesch, separou os dois blastômeros de um ovo de ouriço-do-mar e obteve dois menores, mas completos embriões.
Comparando os experimentos, Spemann percebeu que a diferença obtida nos resultados independia do material utilizado, era conseqüência do método aplicado por cada um. A célula completamente isolada, a qual fora reduzida pela metade, poderia crescer por inteiro, no entanto, esse crescimento fica inibido se a célula morta estiver presente, isto é, a célula continua a crescer de acordo com a sua determinação original. Spemann começava a elaborar a sua teoria.
A partir dessas premissas, Hans Spemann iniciou os seus experimentos, todos realizados em embriões de anfíbios jovens. O primeiro deles consistiu na troca de uma porção da epiderme presumida e outra de placa neural entre dois embriões de mesma idade, ambos no início da gastrulação. O desenvolvimento procedeu normalmente e ficou óbvio que as porções eram permutáveis.
Com isso, Spemann pode inferir não somente a natureza indiferente das células nesse primeiro estágio de desenvolvimento, o que já seria revolucionário à época, mas também que a porção transplantada deve, no seu novo ambiente, sujeitar-se a alguns tipos de influência, que determinam o seu desenvolvimento subseqüente, ou seja, a célula é induzida a desenvolver-se de modo a suprir as necessidades do meio onde se encontra.
Bem-sucedido, Spemann resolveu ir mais além. Acreditou ser possível, usando outras técnicas de implante, incorporar no embrião hospedeiro partes de outro em idade e espécies diferentes. Partindo desse princípio, Spemann removeu uma porção de placa neural presumida de um embrião triton taeniatus, que possui pigmentação normal, no começo da gastrulação, e a permutou com uma porção de epiderme presumida de um embrião triton cristatus, sem pigmentação.
O embrião, no qual o hospedeiro era o triton taeniatus, mostrou mais tarde uma área retangular de tecido cristatus branco, que se desenvolveu em seguida em partes do cérebro e do olho. O embrião que tinha o triton cristatus como hospedeiro mostrou no lado direito da epiderme da área da guelra uma longa lista de tecido taeniatus escura, a qual veio a desenvolver mais epiderme e a formar a cobertura das guelras externas.
Esses implantes heteroblásticos permitiram a Spemann o entendimento da distribuição e das mudanças do material implantado durante o processo de desenvolvimento embrionário. Devido ao fato de permanecer distinguível por considerável período de tempo, Spemann pode testar a permutabilidade das partes dos embriões e verificar a existência de centros organizadores específicos, que induzem a diferenciação celular e orientam o crescimento do embrião.
Dessa forma, Spemann definiu que as induções embrionárias consistem na capacidade de um tecido em orientar a diferenciação e a evolução de tecidos vizinhos. O desenvolvimento embrionário, pois, pode ser definido como uma série sucessiva de induções de ordem crescente, isto é, em que há, a cada nova indução, influência de um grupo cada vez maior de células, os “organizadores”.
Spemann constatou, então, que o cordamesoderma primordial, que passou a chamar de organizador primário, é o foco em torno do qual se desenvolve todo o resto do embrião. Ele se diferencia no eixo mesodérmico, contendo os somitos, com disposição segmentar e, como resultado de induções nos tecidos circundantes, determina a formação de quase todos os órgãos do corpo. Constatou que o mesmo ocorre com as demais regiões do embrião, essas constituindo o que chamou de organizadores secundários. Exemplo claro de estímulo indutivo desse tipo é quando as vesículas ópticas em desenvolvimento entram em contato com a ectoderme da cabeça, fazendo com que se espessem e se invaginem, originando o cristalino do olho.
Além disso, Spemann pode inferir que o estimulo indutivo, que acreditava ser de natureza química e, por isso, inespecífico, não prescreve a característica específica, mas libera o já inerente no sistema de reação e desenvolvimento. Assim, a seqüência de processos de indução promove uma variedade morfofuncional de células embrionárias, que elas passam a se organizar em grupos conforme a sua semelhança, formando os tecidos, que, agindo sob a orientação de outras induções num processo de migração celular, traçam os primeiros esboços dos órgãos do adulto, num período chamado organogênese.
As pesquisas de Hans Spemann demonstram, portanto, que determinadas células embrionárias controlam a diferenciação das células adjacentes e que grande parte do embrião desenvolve-se às custas dessas induções embriológicas, isto é, uma parte do corpo agindo sobre outra e esta, por sua vez, atuando ainda sobre outras até que se entrelacem harmoniosamente os processos que formam as diferentes estruturas corporais.
Esses experimentos propiciaram a Spemann a consagração internacional e, em 1935, a premiação Nobel. A fama e o prestígio não marcaram, no entanto, a aposentadoria de Spemann, como ocorreu com outros pesquisadores. Pelo contrário, serviram-lhe de incentivo para que avançasse com trabalhos ainda mais inovadores.
Spemann mostrava-se contrariado com a teoria sobre a diferenciação celular vigente à época, que dizia que a composição genética do núcleo sofria modificações ao correr das gerações, de tal modo que uma célula-filha herdasse um conjunto distinto de genes que o herdado pela outra célula-filha.
Em 1938, Spemann derrubou essa teoria, mostrando-a errônea de forma especialmente ilustrativa ao transplantar o núcleo de uma célula da mucosa intestinal de rã em um óvulo também de rã, cujo núcleo havia sido previamente removido, e comprovar que este óvulo pode, muitas vezes, levar à formação de uma rã inteiramente normal. Spemann demonstrou com esse experimento que até mesmo a célula da mucosa intestinal, que é relativamente bem diferenciada, ainda contém toda a informação genética necessária ao desenvolvimento de todas as estruturas corporais.

Contribuições:
O estudo e a relação entre o desenvolvimento embrionário e a evolução, hoje conhecido como Biologia do Desenvolvimento, passou por anos de esquecimento e empirismo, inclusive na literatura Mayr, o qual negligencia a importante descoberta de Hans Spermann, nos anos 20, na qual células de um embrião geravam um efeito casual nas células vizinhas, ou seja, a comprovação de que um grupo de células induz um efeito em outra. Isso mostra, portanto, que há centros organizadores nas células, não de naturaza vitalista, mas de natureza química que seriam os hormônios. Com um programa de pesquisa, baseado na identificação dos centros organizadores que surgiam no desenvolvimento do embrião.
Infelizmente nenhum historiador está salvo de omitir algum nome na história da ciência ou de também desconsiderar a importância de alguns programas de pesquisa, como aconteceu com a base do pensamento da embriologia atual e de seus complexos processos de  diferenciação celular.
Os passos de Spemann ainda são a base para a compreensão de processos como a clonagem. Em 1902, ele propõe o primeiro trabalho de clonagem por divisão embrionária: divide células do embrião bicelular de uma salamandra em dois cada células resultante originou um animal. Processo semelhante ao que ocorre na natureza quando na geração de gêmeos univitelinos que tem origem a partir de uma mesmo óvulo e de um mesmo espermatozóide.  Já em 1938, suas pesquisas levam às  bases teóricas da clonagem por transferência nuclear. A substituição do núcleo de um óvulo por outro proveniente de uma célula de um indivíduo já existente, que foi a modalidade utilizada para a geração da ovelha Dolly.
Além disso, ao identificar as induções embriológicas, instigou também pesquisas no ramo da comunicação intercelular. Hoje sabe-se que essa comunicação é feita por proteínas, sobretudo, a Proteína-G, cuja descoberta propiciou a Alfred G. Gilman e Martin Rodbell a premiação Nobel de 1994. Da mesma forma, ao relatar que as induções embriológicas estimulam o desenvolvimento do embrião, abriu caminho para as pesquisas com o que se convencionou chamar fatores de crescimento, cujos descobridores Rita Levi Moltalcini e Stanley Cohen forma laureados com o Prêmio Nobel de 1986.
Quando verificou a natureza indiferente das células embrionárias, Spemann abriu caminho para o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco, que só muito recentemente vêm tomando forma. Outras importantes contribuições de Spemann foram a nova idéia de diferenciação celular e a técnica de implante de núcleo, que levaram muitos pesquisadores a investir em pesquisas sobre clonagem. Ambas, pesquisas que, além de abrirem controvérsia do ponto-de-vista ético e legal, trazem a esperança de novas terapias médicas e vêm tornando-se realidade em programas de manipulação genética e de bioengenharia. 

Conclusão:

Por tudo isso, é indiscutível a importância do trabalho do alemão Hans Spemann, bem como são inúmeras e frutíferas as suas contribuições para o crescer do saber científico e a elaboração de novas pesquisas. Afinal, além de esclarecer as mecânicas do desenvolvimento embrionário, ainda propiciou o ingresso em áreas de pesquisas até então impensáveis.

Referências Bibliográficas
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2.MOORE, K. L. & PERSAUD, T. V. N.- Embriologia Básica. 5ºed, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2000.
3.GUYTON, A.C. & HALL, J.E.- Tratado de Fisiologia Médica. 10ºed, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2004.
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9.http://ribeiraopreto.sp.gov.br/ssaude/principal/painel/I16clones.htm - acesso em julho de 2006.
10. http://www.ufrgs.br/bioetica/clone.htm - acesso em julho de 2006.
Orientadores:
Evania Araújo
Jorge Salton
 

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