Quarta-feira, 20/02/2019. Boa noite. Seja Bem-vindo(a)!
“Existirá algo mais agradável do que ter alguém com quem falar de tudo como se estivéssemos falando conosco mesmos?” Cícero.
O sucesso da entrevista depende, em primeiro lugar, da pessoa do médico. Em que condições ele está para realizar este encontro? Dormiu bem? Está descansado? Seus próprios problemas e anseios pessoais estão ocupando indevidamente sua mente? Sente-se motivado em seu trabalho?
Em segundo lugar, há que se verificar o tempo disponível para a entrevista, tanto no que se refere a quantidade como a qualidade. Como regra, trabalhar de forma apressada não dá bom resultado.
Por qualidade nos referimos ao tipo de atenção que o médico dá ao paciente. O médico pode se mostrar impaciente, olhar o relógio, atender seu celular a toda a hora, permanecer de pé junto ao leito do paciente. Já se realizaram pesquisas que comprovam a importância da qualidade do tempo. Por exemplo: um médico permanecia dez minutos junto ao leito dos pacientes e outro quinze minutos. Porém, o primeiro puxava uma cadeira e sentava-se de forma bem relaxada. Falava com calma, escutava sem interromper. O segundo, permanecia em pé, olhava o relógio, falava de forma rápida e às vezes interrompia a fala do paciente. Perguntados os pacientes respondiam que o médico que permanecia mais tempo junto a eles era o primeiro que, em termos de relógio, em verdade permanecia menos tempo.
O local da entrevista também é de suma importância. É indispensável que haja privacidade e silêncio. Caso o médico esteja acompanhado de um auxiliar, deve perguntar para o paciente se prefere ser entrevistado a sós ou não e respeitar sua vontade.
A seguir veremos duas formas de se fazer entrevista. A paciente é a mesma, uma mulher casada de 38 anos, bem falante, de expressão triste no rosto.
Dr. Zeus – Bom dia senhora Dora. Do que sofre a senhora?
Dora – Bom dia, doutor. Sofro de dores nas costas.
Dr. Zeus – Em que parte das costas.
Dora – Bem aqui – coloca a mão direita nas costas por entre as omoplatas.
Dr. Zeus – Que tipo de dor a senhora sente? É dor permanente? Vai e volta? É tipo pontada? Um peso?
Dora – É uma dor quase que permanente. É uma dor tipo daqueles que a gente fica sentindo após levar uma batida, uma queda... Mas não houve nada comigo: não caí, nem nada.
Dr. Zeus – Quanto a intensidade, a dor é forte, média ou fraca?
Dora – Varia de fraca para média.
Dr. Zeus – Quando ela começou?
Dora – Creio que há três meses.
Dr. Zeus – A senhora já sentira essa dor antes?
Dora – Creio que sim, numa ou noutra ocasião. Mas nunca com a intensidade e a duração de agora.
Dr. Zeus – Está bem, dona Dora. Agora eu vou examinar as suas costas e vou solicitar os exames.
Ao final, o médico disse a paciente que seu problema era provavelmente devido a dores musculares. E solicitou que fizesse determinados exames.
Dr. Bento – Bom dia. É Dora seu nome não é? Coma vai a senhora?
Dora – Dr. Bento eu não tenho andado muito bem. Tenho dores nas costas.
Dr. Bento – Dores nas costas? A senhora mora aqui nesta cidade?
Dora – Sim. Moro com meu marido. Só eu e ele. Nós não temos filhos.
Dr. Bento – Não tem filhos?
Dora – No início até queríamos, depois deixamos de falar no assunto. Somos casados há muito tempo, há uns quatorze anos.
Dr. Bento – Quatorze anos lhe parece muito tempo? – pergunta ao perceber as feições tristes da paciente.
Dora – Quando não se é feliz no casamento...
Dr. Bento – Não é feliz?
Dora – Há muito que os afetos de meu marido tomaram outra direção...
Dr. Bento – E os seus dona Dora?
Dora – Bem... estão parados, doutor. Parados. Além das dores nas costas, este é outro problema antigo que eu venho levando... Mas esse é mais difícil de resolver que o da dor nas costas.
Dr. Bento – A senhora está me relatando dois problemas. As dores nas costas e o casamento. A senhora enfrenta ainda mais algum problema.
Dora – Doutor, eu tenho uma bolinha aqui perto do osso da garganta.
Dr. Bento – Desde quando a senhora notou essa bolinha?
Dora – Um mês, talvez. Mas não dói. Nem ia lhe falar nela.
O médico faz mais algumas perguntas a paciente. Lembra-se do ASMOCPLIAC e, se suspeita de alteração em alguma das funções mentais, fala a respeito com a paciente. Depois, parte para o exame físico.
Finalmente, coloca para a paciente suas impressões iniciais de que ela enfrentava os seguintes problemas: dores musculares, ligeira hipertrofia da glândula tireóide, dificuldades no casamento e feições de quem não andava feliz, de quem estava um pouco deprimida. E, a partir, daí passa a conversar com ela sobre como iniciar o tratamento destes problemas, se assim ela o desejar.
Na primeira entrevista, chamada de DIRIGIDA, observamos as seguintes características: 1. O médico exerce o comando; 2. É ele quem dirige o encontro para o sentido que ele julga adequado; 3. Realiza um interrogatório; 4. Concentra-se na elucidação dos sintomas apresentados pela paciente.
Na segunda entrevista, NÃO-DIRIGIDA, ENTREVISTA COLABORADORA, observamos: 1. O médico não comanda o encontro; 2. O sentido, a direção, o rumo que a entrevista toma se baseia naquilo que a paciente vem revelando no encontro; 3. O médico procura dar abertura para a paciente falar livremente sobre sua vida, dar-se a conhecer; 4. Concentra-se na pessoa da paciente como um todo e não só na elucidação dos sintomas apresentados.
A entrevista dirigida constata apenas a presença das dores musculares. A entrevista colaboradora revela a presença de mais três situações de sofrimento. E, inclusive, deixa margem para pensarmos que, talvez as dores nas costas tenham origem ou pelo menos sejam influenciadas pelos outros problemas. Mais ainda: outras questões poderão aparecer. Por exemplo: a paciente está deprimida porque os afetos do marido se voltaram para outra direção ou por ela ser cronicamente deprimida e infeliz seu marido foi buscar afeto em outra direção?
Muitas vezes se conjugam estes dois tipos de entrevista. Primeiro a não dirigida para que o paciente coloque-se por inteiro como pessoa no encontro com o médico e, depois, pode-se esclarecer melhor os sintomas através de uma abordagem dirigida.
Como regra o médico deve preferir começar com a entrevista colaboradora, há situações, porém, em que isto não será adequado. Uma delas é a emergência, quando a queixa apresentada impõe tratamento urgente. Por exemplo: o paciente chega na emergência por ter ingerido veneno. Impõe-se primeiro realizar uma lavagem gástrica e outros procedimentos procedentes ao caso. Só bem a posterior vamos conversar com o paciente de forma ampla sobre sua pessoa. Outra situação que requer a abordagem dirigida é a presença de um sintoma isolado como, por exemplo, dor na coxa ao praticar futebol.
Neste encontro entre o médico e seu paciente surgem sentimentos em ambos. Sentimentos despertados no paciente: transferência. Sentimentos despertados no médico: contratransferência.
Transferência é o processo pelo qual o paciente, automática e inconscientemente, desloca para o médico expectativas, sentimentos e atitudes que se originam de relacionamentos com figuras significativas de sua vida de relações. Na mente inconsciente do paciente, as imagens psíquicas de seu médico se conectam com outras provenientes de suas vivências anteriores, sobretudo das infantis. Para o doente, o médico pode ser convertido inconscientemente em uma nova edição de seus pais da época de sua infância ou de outras pessoas que foram importantes no seu desenvolvimento.
Este fenômeno encontra sua contrapartida nos diversos sentimentos que o médico vê despertados em si mesmo ao entrar em contato com pacientes: a contratransferência. Algum pormenor ou traço do paciente pode inconscientemente relembrar o médico de uma pessoa anteriormente importante e mobilizar nele sentimentos e modos de relacionar-se associados a esse primitivo relacionamento. O médico pode achar certo paciente particularmente irritante, sem uma causa clara para tanto. Outro pode parecer-lhe eroticamente atraente. Outro, pode evocar no médico uma piedade especial e conduzi-lo a uma identificação muito forte com o sofrimento dele.
Os sentimentos e a maneira de relacionar-se baseados na contratransferência são irrealistas do ponto de vista profissional. Trabalhar com base neles, tende a ter efeitos adversos sobre o relacionamento médico-paciente e pode conduzir a comportamento não profissional com o paciente. As reações contratransferências podem limitar-se a certos pacientes apenas ou a uma categoria de pacientes que pode representar um certo grupo etário, sexo, tipo de personalidade ou enfermidade. Dessa maneira, o médico pode repetidamente encontrar dificuldades emocionais em seu relacionamento com membros do grupo de pacientes ao qual é “hipersensitivo”, sem que dificuldades semelhantes surjam em outros grupos.
É vantajoso para o médico estar cônscio dos sentimentos que diferentes pacientes nele evocam. Deve perguntar-se de tempos em tempos, se experimenta problemas especiais com certos pacientes. Por acaso se sente irritado ou ansioso quando trabalha com pacientes exigentes? Por que perdeu a paciência com aquele paciente? Por que prefereria não atender a senhora Y?
Sentimentos e fantasias não são perigosos, atos podem ser. A melhor garantia de que o médico não agirá mal na relação com seu paciente é tomar sempre consciência dos sentimentos que este paciente desperta nele e dos desejos que o paciente evoca nele, desejos inadequados a seu papel de médico.
Para finalizar, vamos citar um exemplo bem simples. Uma médica ginecologista de 28 anos atende uma paciente de 58 anos que ensaia falar sobre sua vida sexual. A paciente revela vergonha em abordar o assunto. Desenvolve-se uma formalidade na relação. Uma vergonha mútua, um constrangimento. A médica percebe que ela mesma também está constrangida em aprofundar essas questões. A paciente, dá-se conta a médica, lembra sua mãe também uma mulher de mais de cinqüenta anos. Dá-se conta que ela ali não é a filha a não querer falar com sua mãe sobre como anda sua vida sexual (contratransferência). Ela é uma ginecologista, assume a identidade de médica na relação e sente-se, a partir de então, bem mais a vontade para conversar sobre a vida íntima da paciente.
Ajude-mo-nos uns aos outros
Eça de Queirós (1845 – 1900)
No Lago del Dique em La Rioja, na Peruggia de cima, na Universidade de Moscou e na Universidade de Akron, em Ohio, e em já não sei em quantos lugares mais, conversei com colegas perplexos frente a um dos comportamentos mais estranhos encontradas em nossos companheiros de viagem na caravana humana. Determinados pacientes revelam uma forma singular de conduta autodestrutiva: simulam enfermidades físicas, buscando atrair sobre si condutas médicas agressivas.
Para se chegar a La Rioja, roda-se durante seis horas a partir de Córdoba, por uma imensa planície de areia, cactos, pontes sobre leitos de rios secos, sem povoação, sem nada ao longo da rodovia. No final do deserto e no início das montanhas pré-andinas, encontra-se uma cidade de pouco mais de cem mil habitantes, que possui uma faculdade de medicina e lida, como em todos os recantos do mundo, com seres que adoecem das mais variadas maneiras. Foi no Lago del Dique, reservatório situado por entre as montanhas e alimentado por riachos dos degelos andinos, que um colega argentino me confessou que, graças ao nome “Münchausen”, aprendera a reconhecer em seus pacientes a presença do fenômeno inusitado de buscar atrair sobre si procedimentos médicos destrutivos.
Enquanto conversávamos, víamos, em plano inferior, La Rioja e aquela interminável planície de areia. Em plano superior, observávamos a paisagem de imensas pedras desordenadas, quietas, impassíveis. Lembrei Eça de Queirós: “Formamos uma imensa caravana que marcha confusamente para o nada. Cerca-nos uma natureza indiferente, impassível, que não nos entende, nem sequer nos vê e de que não podemos esperar socorro nem consolação”. Portanto, conclui nosso escritor: “Ajude-mo-nos uns aos outros”. Homens e mulheres da literatura ajudam homens e mulheres das faculdades de medicina, dos hospitais, dos ambulatórios de todas as partes do planeta.
Em Havana, o colega Carlos Acosta Nodal, psiquiatra experiente, após ouvir-me apresentar um artigo sobre Síndrome de Münchausen no Congresso Nacional de Psiquiatria, aproximou-se de mim e me convidou a visitá-lo em sua casa na Zona de la Rampa. Também, disse-me ele, conhecera, quando ainda um jovem médico, este quadro devido ao nome “Münchausen” e ao seu interesse pela literatura.
Como o acesso a médico era muito fácil na ilha, também se facilitaria o aparecimento deste tipo singular de conduta autodestrutiva. Conclusão: meu artigo foi publicado na única revista de psiquiatria do país, a Revista do Hospital Psiquiátrico de Havana. Em 1843, um médico chamado Gavin observou pacientes que simulavam sintomas e que experimentavam incomensurável gratificação com os cuidados médicos hospitalares. Em 1911, Dieulafoy, clínico francês, relatou um caso com tais características, sugerindo a existência de uma síndrome a que denominou “patomimia”.
Entretanto, não há dúvida, foi o médico inglês Richard Asher que, em 1951, conseguiu chamar definitivamente a atenção da classe médica para este terrível fenômeno ao publicar um artigo com relato de três casos numa famosa revista médica: “Aqui está descrita uma síndrome comum, que muitos médicos já viram, mas sobre a qual muito pouco foi escrito” (Münchausen`s Syndrone, Lancet, 1:339-41, 1951, p. 339). Asher, bom conhecedor de literatura, teve a felicidade de propor o nome “Síndrome de Münchausen” e, desde então, ficaram fáceis o ensino e a divulgação entre os profissionais da saúde. Ninguém duvida de que, se não fosse a escolha desta denominação, muitas e muitas vidas não teriam sido salvas.
Münchausen foi um barão alemão – Hieronymus Karl Friedrich von Munchausen (1720-1797) – conhecido pelas histórias humorísticas e agressivas que inventava. Inspirados nele, vários escritores criaram histórias de ficção sobre um viajante que passava de bar em bar relatando fatos fantásticos e mentirosos, à semelhança dos pacientes que perambulam de hospital em hospital dramatizando enfermidades artificiais. Entre tantos ficcionistas, destacam-se Gottfried August Bürger (1747 - 1794) e, especialmente, Rudof Erich Raspe (1736 - 1794).
Despertados pela denominação “Münchausen” dada por Asher, muitos médicos em diferentes países começaram a relatar casos desta síndrome. As denominações, até então, eram variadas, o que dificultava a divulgação e o estudo: “nômades de hospital”, “adição hospitalar”, “pacientes peregrinos”, etc. Todos aplaudiram e adotaram o novo nome.
Em 1977, Roy Meadow, pediatra em Leeds, Inglaterra, professor no St. Jame’s University Hospital, publicou um artigo na revista Lancet chamando a atenção sobre a Síndrome de Munchausen em mães que falsificam sintomas em seus filhos pequenos para, através deles, sentirem-se envolvidas em cuidados médicos. Burman e Stevens propuseram a denominação “Síndrome de Polle” numa alusão a um suposto filho do segundo casamento do barão de Münchausen, chamado “Polle”, que morreu antes de completar um ano de idade. Meadow contestou esta designação. Segundo suas investigações, o barão, depois do falecimento de sua primeira esposa,
casara-se com Bernhardine von Brunn, uma jovem de somente dezessete anos. Münchausen contava, na ocasião, com setenta e quatro anos. Tiveram somente uma filha, Maria Wilhelmina, da qual o barão não acreditava que fosse o pai. Polle, em realidade, era o nome de uma pequena cidade alemã em cuja igreja luterana a menina foi batizada.
A Síndrome de Münchausen foi incorporada à Classificação Internacional das Doenças organizada pela Organização Mundial da Saúde, que está atualmente na sua décima revisão (CID-10). Esta síndrome está colocada dentro do item “Outros Transtornos de Personalidade e de Comportamento em Adultos”. Mais especificamente (F68.1): Produção Intencional ou Invenção de Sintomas ou Incapacidades Físicas ou Psicológicas (Transtorno Factício).
O diagnóstico baseia-se na existência do ato de inventar sintomas repetida e constantemente na ausência de um transtorno, de doença ou de incapacidade física ou mental confirmada.
O paciente é muito convincente na simulação dos sintomas e os produz voluntariamente, tentando, assim, permanecer envolvido em atendimentos médicos. Porém, ele não tem consciência do motivo por que se sente compulsivamente atraído por andar às voltas com hospitais e profissionais da saúde.
Existem casos em que o paciente simula sintomas psiquiátricos, como alucinações, idéias delirantes ou sintomas da linha depressiva, com supostas idéias de suicídio. No passado, esses quadros eram mais descritos entre prisioneiros e denominados de “Síndrome de Ganser”. Na CID 10 a Síndrome de Ganser faz parte dos Transtornos Dissociativos (ou Conversivos) (F44).
Mais comum em homens do que em mulheres, normalmente inicia na vida adulta. O curso é crônico e o prognóstico é pobre. Estima-se que de 5 a 10% de todas as internações hospitalares se devam a esse quadro.
A denominação “Münchausen” dada por Asher enfatiza a questão das mentiras relativas à sintomatologia, mas também aponta para o problema mais grave e central: a tendência autodestrutiva. A atitude falsificadora é um meio utilizado por esses pacientes para alcançar o objetivo patológico maior: a autodestruição.
A ficção escrita a partir do barão revela a presença da agressão. Em Viagem à Russia, Münchausen conta o que fez com um general que jogava cartas e bebia muito, porém sem nunca se embebedar. Vivia com um quepe enterrado até as orelhas, o qual somente erguia quando bebia demais. Que significaria aquilo? Resolvendo esclarecer o enigma, o barão postou-se de mansinho por detrás do general:
“O nosso homem, numa batalha contra os turcos, perdera a parte superior do crânio, de maneira que, ao levantar o quepi, notei, ligada ao forro, uma placa de prata, que era a tampa do crânio. Assim, quando o álcool que ingeria principiava a agir, levantava muito simplesmente aquela tampa e deixava que os líquidos espirituosos que bebera se evaporassem, como tenuíssimas névoas. Não me contive. Risquei um fósforo e toquei fogo à névoa. Foi um espetáculo como jamais se viu. Um halo multicolorido apareceu, dançando, e, o que não se pode descrever, envolveu-lhe a cabeleira branca que crescia nas fontes num resplendor tão maravilhoso, que nunca santo algum jamais teve coisa igual em torno da cabeça, em qualquer tempo, desde que Deus onipotente tirou o mundo do nada” (As aventuras do Barão de Münchausen. G. A. Burguer, Editora Itatiaia, 1963, p. 14).
Como vemos, não há só mentira no relato; há também agressão.
Em História de caçadas lemos: “Certa vez, topei com um lobo, ferocíssimo animal que estava em toda a sua plenitude, e que, num ágil pincho, atirou-se sobre mim, sem qualquer preâmbulo. O único remédio foi meter-lhe goela abaixo o punho rigidamente cerrado. Daí a virá-lo pelo avesso, agarrando-lhe as tripas, tanto lhe enfiara punho e braço, foi coisa de segundos” (obra citada, p. 26). Um pouco mais adiante, na mesma página, conta de um cachorro louco, enorme e espumejante, que o atacara certo dia em São Petersburgo. Para melhor correr, livrara-se de um casacão que vestia e que, depois, mandara seu criado buscar e guardar no armário de roupas. No dia seguinte, no quarto de dormir, presenciou cena esuporante: “ Vi, com estes olhos que a terra há de comer, o meu casacão a surrar um terno novinho em folha, que apenas experimentara ao vir do alfaiate. Sacudido e espancado impressionantemente, rolavam os dois por cima de toda a minha roupa, que jazia estraçalhada pelo chão. Lá se ia, perdido, todo o meu vestiário, guarda-roupa sempre muito invejado e muito falado, tanto pela qualidade como pela quantidade. Resta acrescentar que, em medicina, este caso que acabo de relatar é único – o da raiva canina atacar tecidos”.
Em Segunda aventura no mar, nosso herói mentiroso é arremessado pelo movimentos das ondas provocado por uma baleia gigantesca contra à amurada horizontalmente. Deu tamanha cabeçada num amontoado de cordas que a sua cabeça se enterrou ombro adentro, deixando-o por muitas semanas totalmente sem pescoço.
Nesta mesma linha, em Segunda viagem à Lua, descreve os habitantes de nosso satélite natural com a particularidade de trazerem a cabeça debaixo do braço, como se carregassem um embrulho: “Se estão executando tarefa que demande grande movimentação, deixam-na a um canto, ou em casa, porque podem aconselhar-se com ela, estejam a um ou a cem quilômetros de distância. Quanto aos olhos, tem a mesma localização que os nossos, mas podem ser tirados do lugar, à vontade. Quando querem procurar alguma coisa no chão, não se abaixam, sobre os joelhos, como nós o fazemos e é grandemente incômodo, principalmente para quem sofre de reumatismo: não, tiram-nos e jogam-nos ao solo, donde localizam o objeto extraviado. Assim, abaixa-se uma só vez, para erguer o achado. Muito melhor do que andar de quatro pelo chão...” (obra citada, p. 125).
Pessoas que tiram órgãos, partes do corpo carregadas como embrulho... Lembro-me de uma mulher de trinta e poucos anos encaminhada ao psiquiatra por um cirurgião que percebeu sua insistência doentia em que lhe fosse indicado um procedimento cirúrgico. Foi com um certo orgulho que me contou haver se submetido há setenta anestesias gerais para procedimentos cirúrgicos grandes ou pequenos.
Relatou-me o prazer que sentira ao demonstrar a determinado médico sua coragem ao resistir à dor quando ele promovia a drenajem de um abcesso purulento. Ela desenvolvia abcessos em seu corpo injetando-se, às escondidas, meperidina por via intramuscular.
Sofria de osteomielite no ilíaco, com abcessos perenes na coxa direita. Também apresentava paresia dos membros inferiores, como conseqüência de lesão na coluna vertebral adquirida aos vinte e poucos anos, quando tentara o "suicídio" dando-se um tiro na região abdominal. A bala, após perfurar o fígado, alojara-se na coluna lombar. Nessa ocasião, submeteu-se a primeira cirurgia. A partir de então, a seqüência não teve mais fim.
Permanecia mais tempo no hospital que em casa, na maioria das vezes por sintomas por ela mesma provocados, tais como os abcessos. Desenvolvia escaras de decúbito, havendo feito inúmeros enxertos. Chegara a arrancar a pele enxertada às escondidas, recolocando-a posteriormente em uma tentativa de enganar a equipe médica.
Em outras ocasiões fazia quadro de retenção urinária sem motivo aparente, necessitando da aplicação de sonda de alívio. Em uma dessas tantas vezes, desenvolveu litíase vesicular, submetendo-se a cirurgia correspondente. Internou-se em vários hospitais, inclusive em outras cidades. Em uma dessas ocasiões, conseguiu que um médico a operasse alegando que o osso ilíaco a machucava ao deitar-se de lado. Nessa cirurgia foi removida uma porção do ilíaco e, como conseqüência, ocorreu a desarticulação óssea do membro inferior direito. Tal procedimento foi responsável pelo desenvolvimento da oesteomielite.
Em outra ocasião, queixou-se da última costela, sendo submetida a uma cirurgia para retirá-la parcialmente, havendo como conseqüência uma pleurisia.
Certa vez, insistiu em seccionar o tendão de Aquiles para que seu pé adquirisse, segundo ela, uma posição mais adequada para calçar o sapato, tendo em vista a paresia do membro. Era visível o ar de superioridade ao relatar a valentia com que havia enfrentado tudo isso.
A osteomielite progrediu e a paciente começou a apresentar infecções diversas. O membro inferior direito, desarticulado, constituía-se num foco grave e permanente. Agravando-se o quadro, optou-se pela medida extrema da amputação. A paciente enfrentou com exagerada satisfação tal procedimento. Mais adiante, veio a falecer em quadro septicêmico.
O problema do masoquismo observado nesses pacientes inicialmente foi compreendido como masoquismo moral: o indivíduo sente que atacou a alguém, vive rechaçado por seu superego e, para voltar a obter os favores dele, realiza o ato expiatório masoquista.
Ultimamente, enfatiza-se a presença do chamado “masoquismo narcisista”: o paciente trata de alcançar o sentimento de ser melhor que os outros. Sente-se superior no sofrimento, renunciando às satisfações, sendo capaz de suportar tudo.
Os sucessivos relatos de casos revelam que, em pelo menos uma parte desses pacientes, houve a vivência real ou imaginada de situações de rechaço e ou abandono parental na infância. Repetem, especialmente com os médicos, essa relação primitiva insatisfatória. Induzem aos médicos para que assumam o papel da figura parental má que conservam dentro de si. Pela simulação voluntária dos sintomas, o paciente pode, ao contrário de antes, assumir o controle da relação. Projetando no médico sua própria agressão, despertada pela incapacidade de tolerar a vivência primitiva de rechaço e ou abandono, o paciente estabelece uma relação sadomasoquista. Não leva mais dentro de si o objeto parental perseguidor, este agora está fora, depositado no médico e sob controle.
Por que o médico é o escolhido para o papel de sócio sádico? As respostas são insuficientes: algum contato prévio, em virtude da necessidade de tratar outras enfermidades, permitiu, em alguns casos, ao paciente encontrar na figura deste profissional o partner ideal.
Por que muitos médicos aceitam esse papel? Não existem pesquisas que respondam de forma convincente à questão. Porém, sabemos que, em parte, esta dupla sadomasoquista se estabelece quando o médico não sabe da existência desse quadro patológico. Um médico informado tem muito mais chance de evitar entrar no tenebroso jogo que lhe é proposto. Saberá que o paciente procura provocar a ira de quem o atende e estará prevenido contra o surgimento de sentimentos hostis dirigidos ao paciente;
O curso e o prognóstico serão mais satisfatórios se o transtorno for reconhecido em seu começo; haverá possibilidade de se proteger o paciente dos efeitos iatrogênicos de condutas médicas desnecessárias. A propósito, no conto O corpo do sr. Olmedo, o escritor e cirurgião uruguaio Juvenal Botto descreve, literariamente, a evolução trágica de um personagem que acaba sendo submetido a uma hemicorporectomia!
Alguns médicos haviam chegado a propor medidas desesperadas, como a de que se tatuasse no abdômem do paciente o nome da síndrome, para que, quando ele fosse em busca de outro médico ou hospital, os colegas percebessem de imediato do que se tratava, evitando, assim, a caminhada rumo à autodestruição.
O mais chocante, e os pediatras é que o digam, é quando nós, médicos, demoramos para perceber a existência da Síndrome de Munchausen por Procuração. Quando o pai ou a mãe confunde o médico: coloca gotas de sangue na urina do nenê antes de levá-la a ser examinada no laboratório. E os exames se sucedem e sintomas inexplicáveis não param de aflorar... Há casos gravíssimos em que o progenitor leva a criança à morte para viver aquele clima mais forte de uma doença de final trágico. Quando ele pai, ela mãe, é “forte e digna de admiração”, agüenta a perda de um filho e segue com a vida: masoquismo narcisista.
Marie Noe, uma norte-americana da Filadélfia, casada, de classe média, entre os anos de 1949 e 1968, viu morrer seus dez filhos. Uma criança foi natimorta e outra morreu no hospital. As demais, repentinamente, perdiam a saúde perfeita e chegavam à morte ao hospital. Marie Noe dizia que as encontrava azuladas e desacordadas ou arquejantes. Os médicos não conseguiam obter uma explicação. Doença genética ainda desconhecida? Mas e o filho que era adotado e morrera de forma idêntica aos demais?
Os parentes, os amigos, os vizinhos tinham muita pena e grande admiração daquela mãe, que suportava tudo com coragem e conseguia continuar vivendo uma vida equilibrada e produtiva.
Finalmente, no dia 4 de agosto de 1998, a promotora distrital da Filadélfia Lynne Abraham citou muitas provas para afirmar que Marie Noe, agora com setenta anos, havia sufocado seus filhos com um travesseiro. No dia 28 de junho de 1999, para espanto de Arthur, seu marido, a acusada levantou-se numa audiência no Tribunal de Jurisdição Comum da Filadélfia e reconheceu-se culpada. Um ou outro médico desconfiara da presença da Síndrome de Münchausen por Procuração. Porém, Marie Noe, quando sentia que poderia ser descoberta, mudava de médico, de hospital, de bairro, de cidade... Se todos os profissionais da saúde soubessem da existência da síndrome...
Felizmente, diferentemente deste, grande parte dos casos são reconhecidos a tempo. Graças, em grande parte, ao conhecimento que muitos médicos possuem dos textos sobre o barão. Afeiçoado a essas histórias, quando ouvem ou lêem sobre uma síndrome chamada “Münchausen”, param para prestar atenção e não a esquecem mais.
A literatura de Bürger e de Raspe inspirou filmes a respeito: Baron Munchausen’s Dream, de 1911; Baron Munchausen, 1943, dirigido por Josef von Baky; Fabulous adventures of Baron Munchausen, 1961, dirigido por Karel Zeman; The adventures of Baron Munchausen, 1989, dirigido por Terry Gilliam.
Quando no Lago del Dique, em La Rioja, subi a uma elevação onde havia uma pequena capela, meus olhos observaram uma paisagem absolutamente inusitada. Via La Rioja, lá embaixo, como uma cidade de praia com um vasto oceano à frente. Aquela interminável planície de areia iluminada por um sol ofuscante bem parecia uma planície de águas. Sim, era o que meus olhos viam. Os olhos mentem, é certo o que dizem deles. Meu colega argentino me relatou o caso de uma menina recém-nascida cuja mãe lhe fazia ingerir sulfato de magnésio e lhe injetava sangue intradérmico, simulando púrpuras para fazer com que os olhos do médico mentissem ao médico e o fizessem ver ali uma síndrome de sensibilização autoeritrocitária.
A propósito, lembro-me de ter comentado com meu colega que sempre achara que a literatura tem como função mentir, inventar planícies de água em áridos desertos. Estávamos frente ao oposto: a literatura abrindo nossos olhos para uma dura realidade, que precisa ser rapidamente descoberta, diagnosticada, contida e tratada.
A visão poliocular, o interesse multidisciplinar, as viagens através dos diferentes territórios do saber nos enriquecem e melhor nos capacitam pessoal e profissionalmente. Médicos, psiquiatras, escritores, especialistas em literatura, lembremos sempre José Maria Eça de Queirós quando, na Lisboa da segunda metade do século 19, no Rossio, no quarto andar do número 26, diante da estátua de dom Pedro IV, o nosso Pedro I, recomendou com convicção e afeto: “Ajudemo-nos uns aos outros!”
A forma de pensar a saúde e a doença acompanha o pensamento hegemônico de sua época. Mas sempre houve quem enxergasse a partir de outro ângulo, de outro foco, quem promovesse a ruptura e, em conseqüência, a evolução.
Quando faleceu Claude Bernard, pai da fisiologia, nenhum de seus colegas pôde pronunciar-se com certeza sobre o misterioso mal que o matou. Mariette, a antiga empregada do fisiologista, deu de pronto o diagnóstico: "Foi porque ele trabalhava no domingo". As almas simples podem explicar os mistérios com simplicidade.
Lazare Spallanzani (1729-1799), professor de História Natural na Universidade de Pávia, foi uma alma simples, que de uma forma bastante simples, descobriu os princípios essenciais da reprodução e sepultou o princípio da "geração espontânea" até então concepção dominante.
Spallanzani era arrojado. Dedicando-se inicialmente à fisiologia, engolia grande número de alimentos diversos, envolvidos em pequenos sacos de tela, amarrados por um longo fio. Depois de horas, retirava-os de seu estômago e observava o que acontecera a eles. Demonstrou que as carnes são desmanchadas no estômago, os legumes permanecem intactos...
Cem anos antes de Pasteur, Spallanzani provou que a geração espontânea não existe e que todos os seres vivos provêm de outro ser vivo pre-sexistente.
Sabia-se que durante o acasalamento das rãs, a fêmea punha ovos aglutinados no meio de uma matéria viscosa. Spallanzani observou que o macho regava esses ovos com um líquido esbranquiçado à medida que saía da cloaca da fêmea. Supôs que havia uma fecundação externa. Mas, o pensamento da época dizia que os seres surgiam espontaneamente, em qualquer lugar, obra dos deuses. Spallanzani colocou cueca nos machos e o pensamento médico (e humano) evoluiu. Nos aquários em que os machos tinham cuecas, ninguém era gerado. Nos aquários de machos sem cuecas, surgiam e cresciam novas rãs. Rãs de cuecas liquidaram a "geração espontânea".
Como é impossível recordar todos os Spallanzanis que, com suas simplicidades, construíram, tijolo a tijolo, essa grande estrutura que é hoje a medicina no mundo atual, vamos dar a esta aula, de propósito, um título atípico. Rãs de cuecas é uma senha, é um significado, é um tributo e é, também, outras coisas valiosas.
Há aproximadamente trinta e cinco mil anos surgiu na Europa o Homo sapiens sapiens, o homem atual. Já herdara de seu antepassado direto, o Homo sapiens neanderthalensis - assim designado porque seus fósseis foram descobertos em 1857 no vale de Neander, perto de Dusseldorf, na Alemanha - o ato de sepultar os mortos com um certo cerimonial. É do Homo sapiens sapiens a autoria dos primeiros desenhos conhecidos. E é dele as primeiras tentativas de se aliviarem os sofrimentos físicos e emocionais.
De uma forma instintiva, sem o preceder de um raciocínio lógico, ingeriam ervas e mastigavam folhas quando afligidos por dores abdominais. Também de forma instintiva procuravam aliviar as "dores" emocionais. Os desenhos das cavernas do Paleolítico Inferior por muito tempo intrigaram os arqueólogos. A galeria de pinturas de Niaux, por exemplo, acha-se a mais de meia milha da entrada da caverna. Ninguém poderia ver as criações do artista a não ser à luz imperfeita de fachos fumegantes feitos à base de gordura animal. Além disso, há sinais de que o homem olhava com grande indiferença a sua obra de arte depois de concluída. Não lhe dedicava afeição crescente, ao contrário, usava a mesma superfície para outra produção. Encontraram-se numerosas pinturas superpostas. O importante não era a obra acabada em si mesma, a estética, mas sim o ato de fazê-la. A arte não se destinava a agradar os sentidos mas, ao que parece, a aliviar terríveis sofrimentos. Encurralado nas profundidades das cavernas, para fugir do extermínio devido a mudanças bruscas do clima, o homem temia a morte pela falta de alimentos. Minimizava este temor desenhando caçadas em que era bem sucedido, realizando, em fantasia, o desejo de todo o grupo.
Acredita-se que o desenhista desempenhava um papel fundamental, dependendo a existência da comunidade de sua competência. À medida que aliviava estes temores avassaladores, permitia que a calma voltasse a predominar. Eram os artistas médicos desta medicina instintiva. Somente há alguns anos pôde-se compreender o processo de cura que ocorria naquele momento, quando Freud e, posteriormente, Melanie Klein demonstraram como o brinquedo e o desenho permitem à criança a manutenção de sua saúde mental frente a intensas ansiedades primitivas.
A consciência da morte, a percepção de que todos os seres nascem, sofrem um processo de involução e morrem, marcou profundamente o homem. Se, por um lado, o distingüiu definitivamente das demais espécies, por outro, colocou-o frente a uma verdade intolerável. Em pânico, negou a morte. Desenvolveu teorias pelas quais racionalizava atribuindo a si não um fim próximo e inevitável, mas a vida eterna. Estabeleceu a existência de um outro mundo e povoou-o com seres semelhantes a si, porém mais poderosos. Somente passava para o outro mundo quando os habitantes de lá assim o desejavam. Sem dúvida, esses seres eram muito poderosos, eram deuses. O cenário estava pronto para o surgimento da primeira teoria sobre as doenças: a teoria religiosa.
De acordo com esta teoria, os deuses eram responsáveis pela passagem deste para o outro mundo, pela morte e, em conseqüência, pareciam evidentes os seus poderes sobre as doenças. Resumindo: a causa das doenças estava na vontade dos deuses, e a cura, óbvio, também. O foco inflamatório seria debelado no momento em se agisse sobre sua causa, ou seja, se modificasse a vontade dos deuses. Portanto, somente poderia ser "médico" aquele que conhecesse métodos destinados a este fim: os mágicos, os feiticeiros e os sacerdotes. Aliás, o pensamento hegemônico da época, pobre em conhecimentos, apontava sempre para causas divinas. Quase nada se sabia explicar. Como conseqüência: os deuses eram os causadores de tudo. A "medicina", como sempre, acompanhava a sociedade em que estava inserida.
A Civilização Egípcia deixou contribuições significativas à história da medicina no que se refere à higiene pública, ao uso sistemático de ervas medicinais, à realização de trepanações com sobrevida e outras mais. Entretanto, tais eventos subordinavam-se à medicina religiosa. As trepanações tinham como finalidade não a consecução de modificações no corpo, mas permitir a saída de maus espíritos causadores da doença. A higiene pública visava não propriamente ao controle de doenças transmissíveis, mas a cuidar do corpo para a outra vida.
Com as Civilizações da Mesopotâmia o panorama permaneceu semelhante. Os assírios, buscando manter a sanidade de seus exércitos, deram atenção considerável à medicina. Mais de quinhentas drogas tanto vegetais como minerais foram catalogadas com indicações para seu uso. Descreveram-se sintomas de algumas doenças que geralmente se atribuíam a causas naturais, embora fossem comumente empregados como métodos de curas os encantamentos e se prescrevessem misturas repugnantes para a expulsão de demônios (2).
Com o surgimento da civilização na Grécia, a medicina religiosa viu desprender-se de suas amarras a concepção científica ou hipocrática da doença. Os gregos glorificavam o homem como a mais importante criatura do Universo e recusavam submeter-se às imposições dos sacerdotes ou dos déspotas e até a se humilharem ante os deuses. Sua atitude era racionalista, colocavam o conhecimento acima da fé.
Todavia, nos primeiros séculos dessa civilização, o pensamento religioso era muito forte. Os médicos que se projetavam eram unidos a divindades. Na Ilíade, Homero permite supor a existência de médicos não sacerdotes: ..."Um homem que cura vale por muitos homens, exerce a sua arte absolutamente racional dentro de um mundo mágico e repleto de mitos". Asclépio, também chamado Esculápio, aparece na Ilíade como um médico acatado e famoso, bem sucedido ao tratar os feridos da Guerra de Tróia.
Porém, mais adiante, foi transformado em deus e absorvido pela medicina religiosa que construiu templos em sua homenagem onde eram realizadas "curas" milagrosas baseadas na força da sugestão. A serpente - até hoje emblema médico - era presença obrigatória nestes santuários, pois ao mesmo tempo significava uma divindade subterrânea e o poder de renovação da vida, traduzidos pela troca periódica da pele que nela se processa.
Já no século V a.C., o pensamento humano na Grécia tomava consciência de seu próprio valor e de suas possibilidades, havendo campo para o surgimento da medicina científica. Não é estranho que Hipócrates tenha surgido numa época gloriosa, contemporânea de pensadores marcantes à evolução humana.
Biológica
Hipócrates afirmou que a causa das doenças não estava nos deuses, mas sim no próprio corpo do doente. Ou seja, vamos observar o corpo do doente. A medicina, para ele, dependia do ato de observar o doente. Fundou o método clínico. A partir de então, as civilizações sempre tiveram um núcleo de medicina científica em meio às formas mais primitivas de curar.
Hipócrates nos deixou o juramento, o princípio da ética médica e o espírito científico. Marcou tanto que até seus enganos se perpetuaram intocáveis por muitos séculos como dogmas.
A patologia humoral (humores = líquidos) é um exemplo. Observando o corpo, Hipócrates percebeu a existência de sangue, de pus e de vômitos de duas tonalidades: biles amarela e biles negra. Imaginou que do equilíbrio ou do desiquilíbrio destes humores dependia o estado de saúde ou de doença. A doença era conseqüência da falta ou do excesso de um humor. O tratamento, portanto, visava a reequilibrar estes humores. Como fazer? Obviamente não se sabia como acrescentar sangue ao corpo do doente... Conclusão: havia é que se retirar o humor que estava em excesso. Como? Através de vomitórios e de sangrias.
No Império Romano a medicina pouco progrediu. Apenas Celso e Galeno aparecem com algum destaque. Aulus Cornelius Celsus por escrever a primeira obra médica escrita em Latim: De Re Medica. Na verdade, um amplo trabalho de recompilação baseado em obras gregas. Galeno, por sua vez, trabalhou intensamente como anatomista, proclamando a necessidade de dissecar ao afirmar que anatomia não se aprende em livros.
Nunca pôde praticar sobre cadáveres humanos porque tal prática era proibida. Suas observações se basearam em um grande número de animais, chegando a dissecar um elefante. Suas mais famosas experiências anatômicas foram levadas a cabo em uma variedade de monos, o Macacus innus. Apesar de ter chegado a algumas conclusões importantes, cometeu erros sérios ao atribuir aos homens estruturas anatômicas somente encontradas em animais. Exemplo: a rete mirabile, uma rede de finíssimos vasos existentes na base do cérebro de alguns animais, porém não nos humanos. Ao afirmar que as estruturas anatômicas do corpo haviam sido formadas por Deus, conseguiu a simpatia do cristianismo nascente. Durante a Idade Média suas teorias se assimilaram ao credo cristão. Em razão disto e devido ao domínio férreo da igreja e de seu combate às descobertas científicas que ousavam abalar seus dogmas Galeno se tornou incontestável.
Os médicos permaneceram ao longo da Idade Média reduzidos a poucos. Além deles, numa categoria intermediária, vinham os cirurgiões e, por fim, os barbeiros. Estes últimos, os menos instruídos, originalmente foram treinados com o objetivo de sangrar os monges.
Apenas no século XVI a ciência médica ressurgiu com força. É bem verdade que alguns médicos, apesar das proibições impostas pela igreja, aventuraram-se a dissecar cadáveres, mas sempre em estudos isolados e, no mais das vezes, buscavam encontrar no cadáver o que estava escrito nos livros de Galeno. Uma adequada descrição do corpo humano ainda estava por ser feita.
Coube a Andrés Vesalio (1514-1564) a realização desta tarefa. Anatomista belga, trabalhou em Pádua, publicando seus achados em 1543 com o título De Humani Corporis Fabrica.
O livro pode ser lido ou impresso no books.google.com.br:
Época propícia para avanços: neste mesmo ano de 1543 Copérnico publica De Revolutionibus Orbium Caelestium. Preconceitos seculares começavam a ser superados. Ocorre que pouco depois de 1300 havia começado a decair a maioria das instituições e dos ideais característicos da época feudal. A autoridade universal do papado, o sistema corporativo do comércio e da indústria iam aos poucos enfraquecendo e terminariam por desaparecer completamente. Surgiram novas formas de indústria, fortaleceu-se a burguesia - industriais, banqueiros, mercadores - e começaram a se desenvolver a ciência, a literatura, a pintura e outras artes.
Houve um reviver do interesse pela cultura clássica da Grécia e de Roma - daí o nome Renascimento - e muito mais que isto. Passou a predominar a glorificação do humano em oposição ao divino. A Igreja perdeu temporariamente sua força.
Neste novo clima, a anatomia não precisava mais ser comparada. A Vesálio era permitido dissecar cadáveres. Sua obra compara o corpo humano a uma fábrica, com sua estrutura e com sua parte funcional. O livro I trata dos ossos. O II descreve os músculos e os ligamentos. O livro III descreve o aparelho circulatório, enquanto que o IV dedica-se ao sistema nervoso periférico. Já o V refere-se aos órgãos abdominais e genitais e o VI aos órgãos da cavidade torácica. Finaliza ao descrever no livro VII a anatomia do cérebro. Prova a não-existência da rete mirabilis e desfaz os dogmas oriundos da anatomia comparada de Galeno.
Pouco depois, W. Harvey (1628) com o seu De Motu Cordis consegue a dinamização da Fabrica vesaliana através do fabuloso avanço propiciado pelo estudo da fisiologia humana.A compreensão da doença baseava-se ainda na Teoria Humoral de Hipócrates.
G.B. Morgagni (1682-1771) conseguiu avançar. Durante todos seus anos produtivos, pacientemente, Morgagni realizou quinhentas necrópsias e comparou os achados com os sintomas apresentados pelo paciente antes de falecer. Comunicado pelos colegas, visitava todos os pacientes que se aproximavam da morte. Realizava uma longa e minuciosa observação clínica. Posteriormente, tentava relacionar os sintomas descritos com os achados anatomicos.
Em 1761 publica De Sedibus et Causis Morborus per Anatoman Indagatis estabelecendo uma relação unívoca entre os achados clínicos e o comprometimento orgânico. A causa das doenças que já não estava mais na vontade dos deuses, deixava de estar no desequilíbrio dos líquidos do corpo. O livro original, escrito em latim, pode ser lido ou impresso integralmente no books.google.com.br:
Já não era mais difusa e sim localizada numa determinada parte ou órgão. Ou seja, os tratamentos baseados na patologia humoral começavam a ficar para trás. Se bem que perduraram ainda por muito tempo. Ainda no século passado, na Europa, havia aquários destinados à criação de sanguessugas - anelídeo do grupo dos Hirudíneos muito apreciado pela capacidade de chupar o sangue sem causar dor e produzir uma substância anticoagulante. Vendiam-se aproximadamente um milhão por ano em Paris e sete milhões em Londres da espécie Hirudo medicinalis.
À medida em que a causa das doenças se localizava em algum órgão, o interesse pela observação, pelo conhecimento de sinais e de sintomas aumentou. A clínica médica alcança o papel principal no cenário médico.
L. Auembruggerr (1722-1809) publica Inventum Novum, no qual descreve o método de percussão direta do tórax. Em verdade, transpunha para o exame do doente o método usado por seu pai para distinguir o nível de vinho contido em uma barrica. J.N. Corvisart (1755-1821) teve conhecimento desta ainda obscura obra e divulgou-a em Paris. O método de percussão se mostrou espetacularmente fecundo em mãos dos clínicos franceses.
T.H. Laennec (1781-1826) transformou e completou a história da medicina clínica (3).
Sua obra principal Traitè de L'Auscultation Mediate (1819) constituiu a base da prática médica até o início de nosso século.
O livro se encontra no books.google.com.br.
Graças, em parte, a outro clínico talentoso, Josef Skoda, Viena sucedeu Paris como o centro médico do mundo. Skoda consolidou os resultados alcançados pela escola francesa e colocou o diagnóstico físico em uma firme base científica até mesmo usando as leis da física para explicar os achados da percussão e da auscultação.
A idéia da doença como uma enfermidade específica, com sinais e sintomas próprios, com localização e tratamento individualizado, passa a se tornar senso comum no meio médico. Acrescida de inúmeros outros conhecimentos como os oriundos da patologia, histologia e da microbiologia, a ciência médica conhece os aspectos fundamentais do corpo humano e seu funcionamento. A primeira parte da medicina científica - a biológica ou somática - estava estruturada e pronta para ser desenvolvida com os descobrimentos que não param mais de se suceder.
Psicológica
Entretanto, nem todas as doenças eram físicas. Em muitas não havia lesão, nem sequer alterações fisiológicas significativas. Os médicos são levados a reconhecer o poder das emoções. Começa a segunda parte da medicina científica - a psicológica. Muitos nomes surgem como Kraepelin, Charcot, Bleuler, mas foi Sigmund Freud (1856-1939) quem mais contribuiu.
O homem sofre mais um golpe em seu narcisismo. Sofrera o primeiro com Copérnico (1543) ao ver que o planeta que habita não era o centro do universo. Sofrera o segundo com Darwin (1859) ao reconhecer-se membro da escala animal - não era a imagem e semelhança de Deus. Agora, com o inconsciente dinâmico de Freud, percebe não ser senhor absoluto nem de suas próprias emoções, ações e pensamentos.
Sociológica
Se não bastassem Copérnico, Darwin e Freud, surgem pensadores como Marx, Engels e tantos outros, a nos levar a um quarto golpe em nosso narcisismo. Nada se passa isoladamente. A forma como dada sociedade se organiza influi decisivamente no indivíduo. Não só em suas condições materiais, mas também em sua cultura, em sua forma de ver o mundo, em sua concepção de vida, em sua saúde. Vivemos em um mesmo planeta e nossas vidas individuais estão em muito na dependência da forma como a humanidade se organiza em sociedade. O médico precisa conhecer não só o corpo e a mente mas também a sociedade em que vive seu paciente e ele próprio. Surge a terceira parte da medicina científica, a sociológica.
Para maior conhecimento da história e da evolução da medicina, sugiro:
BECKER, ERNST - A Negação da Morte - Ed. Nova Fronteira, RJ., 1976.
BURNS, EDWARD MCNALL - História de Civilização Ocidental - Globo - 1976.
CID, F. - Breve História de Las Ciencias Medicas - Ed. Espaxs Barcelona, 1978.
DELP, MAHLON H. e MANNING, ROBERT - Exame Clinico de Major - Interamericana - Rio de Janeiro, 1976.
FREUD, S. - A História do Movomento O Psicanalítico - Imago, Rio de Janeiro, 1980.
GARRISON, FIELDING H. - História de La Medicina - Interamericana - 4a. edição - México, 1966.
KLEIN, MELANIE - CONTRIBUIÇÕES À PSICANÁLISE - Ed. Mestre Jou - São Paulo, 1970.
LOPES, OTACÍLIO DE CARVALHO - A MEDICINA NO TEMPO - Ed. Univ. São Paulo, 1970.
LAYONS, ALBERT S. & PETRUCELLI, R. JOSEPH - HISTORY OF MEDICINE - Abradale Press, Harry N. Abrams, Inc., Publishers, New York, 1987.
BOOKS.GOGLE.COM.BR
MUSEU HISTORIA MEDICINA DO RS http://www.muhm.org.br
CAPACIDADES OU FUNÇÕES MENTAIS
ATENÇÃO
São duas as qualidades fundamentais da atenção: 1. Vigilância: capacidade de dirigir a atenção a um novo objeto/estímulo; ou seja, de prestar atenção aos novos estímulos do meio; 2. Tenacidade: capacidade de manter a atenção voltada para um estímulo, fato ou tarefa; é a capacidade de concentração. Nesta aula, por exemplo, nós estamos sendo tenazes, ou seja, estamos conseguindo concentrar nossa atenção sobre o conteúdo, ou seja, o estudo das funções mentais. Porém, quando entra alguém novo na sala, nos percebemos, ou seja, estamos também vigilantes aos novos estímulos.
As alterações são: hipo ou hipervigilância, hipo ou hipertenacidade. Há pacientes que, por exemplo, estando num quadro maníaco, com a mente acelerada, apresentam-se hipervigilantes e hipotenazes. Ou seja, vão pulando de um estímulo para outro muito rapidamente. Sua conversa poderia ser mais ou menos assim: "Professor, essa atenção que o senhor fala não se refere a das placas de sinalização? Atenção, animais na pista! Eu nunca gostei muito de animais, aliás, sou um sujeito urbano. Animais só em zoológico ou no cinema. O senhor viu o Clube da Luta? O ser humano também é um animal. Filme, filme mesmo eu gostei do Sexto Sentido. Gosto mais ainda é do Shoping onde está o cinema. As mulheres que andam por lá... O senhor tinha de ver. O senhor só anda no hospital, não é? Se bem que o ensino agora é mais ambulatorial. Eu gosto mais de aula prática do que de aula teórica...".
SENSOPERCEPÇÃO
Trata-se da capacidade mental de sentir e perceber o meio. Sensação + percepção. Sensação: o trajeto que vai desde a recepção sensorial do estímulo até sua chegada à célula cortical. Percepção: a transformação que esse estímulo sofre ao converter-se em fenômeno psíquico. A percepção é o fenômeno psíquico pelo qual a sensação faz-se consciente. Duas alterações qualitativas nesta função são muito importantes: ilusão e alucinação. A primeiro ocorre na presença de um estímulo/objeto externo. A segunda ocorre na ausência de um estímulo/objeto externo. Ilusão é, portanto, a percepção distorcidade de um estímulo/objeto. Alucinação é a percepção de um estímulo/objeto na ausência dele. Um exemplo de ilusão: o paciente diz que em meio ao barulho do motor do ônibus ouve vozes que o acusam de frouxo. Outro paciente, exemplo de alucinação, afirma que ouve vozes que o acusam de ser homossexual esteja aonde estiver, ou seja, sem estímulo externo nenhum. As alucinações e as ilusões serão auditivas, olfativas, gustativas, visuais, táteis e cinestésicas ou motoras. Neste último tipo, o paciente crê efetuar movimentos, sente-se erguido ou que lhe estão levantando um membro, por exemplo.
MEMÓRIA
Memória é a capacidade de fixar, conservar, evocar e reconhecer um estímulo. Duas destas etapas devem ser bem observadas: a fixação e a evocação. Os distúrbios da memória podem ser divididos em quantitativos e qualitativos.
Quantitativos: hipermnésia, dismnésia, hipo e amnésia.
A hipermnésia a princípio é uma boa qualidade. Porém, nem sempre. O paranóide apresenta uma hipermnésia seletiva: acumula tudo que é detalhe que possa lhe servir de apoio a idéia delirante de que é, por exemplo, vítima de uma conspiração.
Na dismnésia o paciente esquece alguns fatos de forma total, outros de forma parcial e outros não esquece. Como o derramar de tinta sobre a areia: impregna totalmente algumas partículas, parcialmente a outras e não atinge as demais.
Na hipomnésia e na amnesia, encontramos ou uma diminuição ou a perda total da memória. Devemos observar se é um problema na fixação ou na evocação. Ou se é tanto numa como noutra. Hipo ou amnésia de fixação ou anterógrada: o paciente não consegue lembrar de fatos recentes embora refira-se com precisão a fatos ocorridos no passado, até mesmo em sua infância. Desde o momento que ele teve prejudicada a capacidade de fixar ele não lembra. Antes disso lembra tudo. Em geral indica a presença de quadros cerebrais orgânicos, como a demência, por exemplo. Um tipo especial é a amnésia lacunar. O paciente não fixa um determinado período. Por exemplo, bebeu muito e não lembra onde deixou o carro, o que fez. Nunca irá lembrar. Hipo ou amnésia de evocação ou retrógrada: neste caso, o paciente fixou tudo normalmente, mas não consegue evocar. Indica, em geral, a presença de problemas emocionais que lhe impedem de evocar certas lembranças ansiogênicas.
Qualitativos:já visto ("dejà vu"), nunca visto, ilusão de memória e alucinação de memória.
Dejà vu, como o nome diz, implica na sensação de já se ter vivênciado algo que, em verdade, está a ocorrer pela primeira vez. Ocorre quando a situação presente encontra uma relação associativa com uma experiência anterior inconsciente reprimida.
Nunca visto é o contrário: o paciente crê nunca ter visto algo que, em realidade, já vivenciou. A situação fixada na memória foi intensamente reprimida por estar ligada a associações de conteúdo muito desagradável ao indivíduo.
Na ilusão de memória vemos a evocação deformada de um fato, influenciada por suas emoções. Em grau menor: o pênalti a favor de nosso time não marcado. Em grau maior: na paranóia, para corroborar interpretação delirante.
Na alucinação de memória, também chamada de confabulação, o paciente evoca algo que nunca fixou. Preenche o vazio da memória por história imaginada as quais conta como verdade. Vi, certa vez, um médico, numa atitude inadequada, dizer para um paciente hospitalizado: "Então, lhe liberei para passar o fim de semana em casa descançando e o senhor foi para uma pescaria!" O paciente, que não lembrava por que não fixava, em dúvida, preencheu o vazio contanto uma imaginária pescaria, ele que nem havia saído do hospital.
(Leia EM MUITOS TEXTOS o artigo FILME - AMNÉSIA)
ORIENTAÇÃO
A orientação funcionando adequadamente nos permite em cada momento de nossa vida, ter consciência da situação rela em que nos encontramos. É o processo pelo qual captamos nossa identificação e o ambiente em que nos encontramos. Depende faz funções: atenção, sensopercepção, da memória e da consciência.
· Autopsíquica: Refere-se a própria pessoa. Saber seu nome, idade, local onde mora, profissão, etc.
· Alopsíquica: Tempo (ano, mês, dia, turno do dia) e espaço (lugar onde se encontra).
Portanto, o indivíduo normal está auto e alopsiquicamente orientado.
CONSCIÊNCIA
Chamamos de consciência a capacidade de perceber o cenário em torno de si e em perceber que se está dentro do cenário. Con + scientia. Do latim: reunião de conhecimentos. Consiste na percepção/conhecimento que um organismo tem de si mesmo e daquilo que o cerca. A capacidade de tornar-se ciente do cenário e de que se faz parte dele. No sono sem sonhos nossa consciência está inativa. Ao acordarmos vamos nos dando conta do cenário e de que estamos nele. Assemelha-se ao momento em que se ilumina um palco. Além do sono sem sonhos, a consciência está inativa em anestesia geral, no estado de coma e em certas doenças que lesam o cérebro.
Pode ocorrer: (1) Diminuição da consciência; (2) Ausência total de consciência; (3) Estreitamento de consciência.
No estreitamento na consciência seu campo diminui, se restringe a determinada direção; por exempo, o boxeador "grogue" que pode se defender e dar golpes, seguir as regras do pugilismo, mas é incapaz de qualquer outra coisa, inclusive retirar-se para seu campo. Na hipnose, a consciência se restringe à voz do hipnotizador.
A consciência pode também ir diminuindo, sendo rebaixada gradualmente até o completo obscurecimento. Graus de obscurecimento: obnubilação, confusão, estupor e coma.
· Obnubilação: Estão prejudicadas as funções atenção, sensopercepção e memória. É necessário sacudir o paciente, falar alto e várias vezes, para que consiga entender nossa pergunta.
· Confusão: É um grau mais acentuado que a obnubilação, incluindo também prejuízo na orientação.
· Estupor: Aqui, além das funções já citadas nos outros graus, está prejudicada a função pensamento. O paciente está imóvel, parece nem sequer conseguir pensar.
· Coma: É a abolição completa da consciência. Esse quadro deve ser diferenciado da Sindrome do Encarceramento (Locked-in Syndrome) que resulta de uma lesão semelhante a causada pelo coma. Porém, como a localização exata da lesão é diferente, não há perda da consciência. A lesão ocorre na parte anterior do tronco cereb ral e não na parte posterior. E como as vias que levam sinais motores a todo o corpo se situam, com uma única exceção, na parte anterior do tronco cerebral, os derrames que acarretam a Sindrome do Encarceramento destroem essas vias e assim impedem toda a possibilidade de movimento, com excão das vias que controlam o movimento ocular vertical e o piscar de olhos., pois elas percorrem separadamente a região posterior do corpo. A pessoa está consciente e apenas tem esses movimentos para se comunicar. A propósito, assista o filme O Escafandro e a Borboleta.
A consciência pode ser dividida também em:
(A) Básica ou central ou simples;
(B) Ampliada.
Na consciência básica ilumina-se o cenário e não se coloca nele nossa memória. Ou seja, é apenas o aqui agora. O indivíduo percebe que ele está no cenário. Por "ele" me refirou ao seu self, ao seu eu interior, a sua alma, ao seu espírito. Não importa o nome que vamos dar. Como a memória não é trazida para o cenário, esse self só é percebido como presente mas não se sabe nada de seu passado e de seu futuro. O self interage com os objetos presentes no cenário, mas não interage com sua própria memória.
Na consciência ampliada, a memória é trazida para o cenário, para o "palco iluminado". Meu self torna-se autobíográfico. Sei do meu passado e do meu futuro. Sim meu futuro está na memória, lá está armazenado o que eu planejei fazer amanhã, nos próximos anos, etc.
Certas doenças do cérebro, provocam a perda da consciência ampliada. No Alzheimer, por exemplo, o indivíduo perde ela. Só vive no aqui agora. Ilumina o palco, percebe-se nele, porém não traz para ele nem o passado nem o futuro. O self não é mais autobiográfico. Mais adiante, pode perder a noção de self. Vive apenas como um organismo que não tem eu interior.
(leia mais nos textos: "Consciência" e "Fantasma da máquina")
PENSAMENTO
No início, tudo se resumia a instinto e hábito.
No processo de evolução, o cérebro consegue representar na mente um objeto. A esta representação se segue outra e assim sucessivamente. Por associação as representações acabam uma chamando outra. Aos poucos, superpondo-se aos instintos e aos hábitos, o cérebro desenvolve uma nova capacidade, a capacidade de pensar.
O pensamento primitivo, portanto, consiste basicamente na sucessão de objetos representados no cérebro que vão fluindo uns encadeados nos outros.
A associações se processam na mente por:
· Lei da contiguidade espacial: duas ou mais idéias se associam porque correspondem à fatos ou estímulos recebidos no mesmo lugar. Se nos recordamos do céu, pensamos logo em estrelas. A lembrança da escola é acompanhada da imagem de alguns colegas.
· Lei da contiguidade temporal: duas ou mais idéias se associam porque correspondem a fatos e estímulos recebidos no mesmo momento. Por exemplo, raio com trovão.
· Lei da semelhança externa: duas ou mais idéias se associam porque correspondem a fatos ou estímulos que se parecem. Uma baleia nos faz pensar num golfinho. Na antiga mesopotanea tentava-se curar a icterícia de um enfermo atando ao leito do mesmo um galo de cor amarela para que atraísse sobre si o amarelo do doente.
· Lei da semelhança interna: duas ou mais idéias se associam porque correspondem a fatos ou estímulos recebidos que tem para o indivíduo o mesmo valor intrínseco ou despertam o mesmo sentimento. Lobo e onça, ambos despertam medo, ambos são agrupados em nosso cérebro como animais selvagens perigosos.
Associando por contiguidade e por semelhança vamos agrupando algumas representações, separando outras, vamos organizando-as em nossa mente, vamos pensando.
O conteúdo do pensamento primitivo se restringia aos elementos presentes captados pelos sentidos naquele momento (aqui e agora): a fruta que estava no galho a sua frente, o cheiro de carniça, etc. Ou seja, o pensamento era exclusivamente concreto.
Porém, as associações gradativamente vão sendo incorporadas à memória e a elas se recorre mais adiante. Ou seja, aos poucos, do pensamento exclusivamente concreto na base do aqui e agora, se desprende o pensamento abstrato. Esta forma de pensar vai além do que está sendo captado naquele momento pelos órgãos dos sentidos, opera incorporando elementos não presentes no campo da percepção. Volta no tempo, associa com representações armazenadas na memória vividas em tempos passados, surgindo no processo de pensar a dimensão temporal. Através do pensamento abstrato é possível nos desvincularmos totalmente dos elementos que estão sendo captados naquele momento. É como se viajássemos para outros espaços e outros tempos.
Em medicina, estudamos o pensamento observando suas três áreas:
A – PRODUÇÃO OU FORMA DE PENSAMENTO
Em outras palavras: como se produz este pensamento, que forma ele adquire? Lógica? Mágica? Lógica se baseada na realidade. Mágica se baseada nas nossas fantasias e imaginações.
A lógica, inclusive, é a denominação dada a parte da filosofia que estuda os meios de se chegar ao conhecimento verdadeiro. O pensamento humano, óbviamente, é um ato natural, espontâneo, dispersivo. Os filósofos, por sua vez, procuraram desenvolver uma organização na forma de pensar que permitisse ao ser humana conhecer mais e melhor a realidade do que ocorria em sua forma expontânea de pensar. Ou seja, desenvolveram o pensar científico. Os filósofos se perguntaram: "Se com nosso pensar expontâneo já conseguimos conhecer bastante a realidade que nos cerca, organizando, disciplinando nossa forma de pensar não obteremos muito mais conhecimento?" Ou seja, deveríamos desenvolver um método (meta = através de; odos = caminho; portanto, método = caminho através do qual se chega a um objetivo). O método científico de pensar consiste em organizar e aprimorar ao máximo qualidades já existentes no pensamento humano porém utilizadas de forma dispersiva. Ou seja, organizar e aprimorar a parte lógica de nosso pensar, aquela que se liga na realidade. Estas qualidades são:
· Definição: Consiste em colocar em palavras a essência de uma coisa (ser, objeto, idéia). É um recurso de expressão que utilizamos para transmitir o que é que queremos dar a entender quando empregamos uma palavra ou nos referimos a um objeto ou ser. A todo instante estamos nos colocando frente a definições: "O que é isso?" "O que é aquilo?" "O que você quis realmente me dizer?" Ou seja, estamos constantemente definindo. Lembremos Platão: "A palavra precisa concordar com o fato".
· Classificação: Consiste em distribuir os seres, as coisas, os objetos, os fatos ou fenômenos em acordo com suas semelhanças e diferenças.
· Análise: É a decomposição de um todo em suas partes. Como quase tudo é muito complexo, para se entender algo é necessário discriminar, dividir, isolar as dificuldades para resolvê-las. O espírito analítico volta-se para a diferença entre os objetos, é detalhista e busca a exatidão.
· Síntese: É a reconstituição do todo decomposto pela análise. Busca uma visão do conjunto e apoia-se nas semelhanças entre os seres, fatos, fenômenos e idéias. Análise e síntese são processos inversos mas complementares e estão na base de todos os métodos científicos.
· Indução: Processo que vai do particular para o geral, do conhecido para o desconhecido, dos fatos para as leis, do efeito para as causas, de várias verdades particulares chega-se a uma verdade geral ou lei científica, de uma amostragem válida estende-se o resultado a toda uma população por inferência, por ilação. Por exemplo: uma empresa vai lucrar mais patrocinando o time de futebol do Corínthinas ou o do Internacional? A empresa prefere vender mais para os paulistas ou para os gaúchos? Qual o clube tem maior torcida? Qual das torcidas tem maior poder aquisitivo? Qual das torcidas se interessaria mais pelos produtos da empresa? Qual clube aparece mais na mídia? Enfim, o processo vai da observação de fatos particulares até chegar a verdade geral. Uma "pérola" do pensamento indutivo: em 1666 Newton intui que do galho enfraquecido a maça é puxada para a Terra que é maior que a maça; a Lua é puxada para a Terra que é maior que a Lua. Conclusão: os corpos maiores atraem os menores. Depois, conclui por uma lei mais simplificada: os corpos se atraem.
· Dedução: O processo mais comum que vai da generalização para a especificação. Por exemplo: "Todo o brasileiro entende de futebol. Jorge Alberto é brasileiro. Jorge Alberto entende de futebol". Estamos tão habituados à dedução que muitas vezes pulamos a argumentação e vamos direto a conclusão. Cito como exemplo a pessoa que vai ser entrevistada tendo em vista obter um emprego. Minutos antes sente-se um pouco tonta. Imediatamente vai a lancheria próxima e toma um refrigerante. É possível que nem tenha tido consciência do processo que fez. Se perguntado, talvez responda que sentiu vontade de tomar um refrigerante. Seu raciocíneo, em verdade, foi complexo e essencialmente dedutivo: "Sinto-me um pouco tonto. Uma vez experimentei sensação parecida e conclui estar com hipoglicemia. Devo estar com hipoglicemia de novo. Quem está com hipoglicemia deve ingerir açúcar. Tenho poucos minutos para entrevista. Um refrigerante é algo com açúcar que posso encontrar e beber rapidamente".
No processo de descoberta de uma lei natural, dirigimo-nos do particular para o geral: indução. Obtida a lei, ao aplicá-la, dirigimo-nos do geral para o particular: dedução. Por exemplo, L. Auembruggerr (1722-1809) publicou um livro ao qual deu o nome de Inventum Novum. O invento que descreve é o método de percussão direta do tórax. Observara na infância seu pai batendo nas barricas de vinho para concluir pelo som mais abafado o nível de vinho contido. Por indução conclui que sempre que houver líquido num recipiente fechado, o som da percussão será mais abafado do que onde houver ar (do particular para o geral). Por dedução conclui que o mesmo se passaria com coleções de líquido na cavidade toráxica de seus pacientes (do geral para o particular). Transpôs assim para o exame do doente o método usado por seu pai com as barricas. J.N. Corvisart (1755-1821) teve conhecimento desta ainda obscura obra e divulgou-a em Paris e o método de percussão se mostrou espetacularmente fecundo em mãos dos clínicos franceses.
Graças a capacidade de pensar com lógico que adquirimos juízo. Juízo consiste na capacidade de comparar os fatos, as idéias, comprender suas conseqüências, tirar conclusões. É um trabalho de síntese, de compreensão e de julgamento do que considera certo ou não. Juízo da realidade: o processo mental mediante ao qual somos capazes de distinguir o que pertence a nossa realidade interna o que pertence a realidade externa. Na psicose, o paciente perde esta capacidade e considera seus pensamentos, fantasias, imaginações e sonhos como sendo reais. Juízo subjetivo: quando dirigido ao próprio indivíduo, é a autocrítica. Juízo objetivo: quando dirigido ao mundo externo.
Portanto ao observarmos a forma ou produção do pensamento de nosso paciente, estaremos sempre atentos a questão: lógico x mágico. Qual deles predonima? Quando predomina o mágico, estamos diante de um sintoma. Por exemplo, em psiquiatria se chama de autista aquele que apresenta autismo: está tão voltado para seus pensamentos fantasiosos que anda sem juízo da realidade. Por exemplo, entra cantando na sala e, indiferente se ali se processa uma reunião ou uma palestra, continua cantando.
B – CURSO DO PENSAMENTO
Quando o pensamento se expressa por meio da linguagem obsevamos um constante encadeamento de uma idéia com a que a precede. Normalmente há uma coordenação coerente e lógica das idéias afins e passa-se inintirruptamente e sem desvios da idéia inicial à final. Quando isto não ocorre, significa a existência de algum distúrbio.
· Fuga de Idéias: Há um aumento da atividade associativa e um desvio rápido de uma idéia à outra a ponto de não se chegar a concluir nenhuma. Encontra-se associada a alteração da atenção: hipervigilância, hipotenacidade. Por exemplo, o indivíduo começa a nos contar o enredo de um filme que acabara de ver que envolvia uma fuga em alta velocidade. A partir daí ele passa a falar da velocidade na fórmula 1, depois no trânsito de São Paulo. Parte para os problemas de violência em São Paulo. Segue com a violência humana, a bomba atômica, os átomos, a inércia, o bom descanço numa praia deserta, o peixe assado, o vinho, a produção de uva em Bento Gonçalves... Nunca chega ao final do filme.
· Desagregação: Diferente da fuga de idéias, na qual ainda se conservam as conexões normais, apesar da mudança constante antes da conclusão, na desagregação parece não haver nenhum fio de ligação. Ocorre uma salada de palavras. Exemplo: "jantei hoje, o carro desceu o edifício, o Paraguai é guai, nadam as pedras, foto vai, foto vem, veneno com jabutica, deus é grande".
· Bloqueio do pensamento: O curso do pensamento cessa bruscamente. Algumas vezes a interpretação é só momentânea, noutras é definitiva e começa outro pensamento completamente diferente.
· Inibição do pensamento: Tanto o início como o curso do pensamento são muito lentos. O paciente fala muito devagar, baixo, parece-nos que é muito difícil para ele pensar.
C – CONTEÚDO DO PENSAMENTO
· Idéias supervalorizadas: Idéias que tem carga afetiva mais forte tendem a dominar. A importância de uma idéia está diretamente relacionada com a importância interna de tal crença. O indivíduo torna-se cego para todo o resto.
· Idéia delirante (delírio): Uma idéia ou conjunto de idéias erradas, não aceitas pelo juízo normal da realidade. Características: 1. Falta de consciência do transtorno; 2. Irredutibilidade; 3. Tendência a difusão. Delírio sistematizado: interpretação total, há um discurso global delirante. Delírio não sistematizado: pequenos fragmentos delirantes, não engloba o todo. Uma idéia delirante pode ser de: grandeza, persecutória, auto-acusação, influência, referência, mística, ciúme, invenção e outras. Veja o filme K-Pax: idéia delirante de grandeza.
· Idéias obsessivas: São idéias não desejadas, não compreendidas e que se rechaçadas voltam a mente contra a vontade do indivíduo.
· Idéias fóbicas: coisas, objetos e situações que normamelmente não são perigosoas passam a ser coloridas com idéias de que são perigosas.
· Idéias auto ou heteroagressivas: O médico sempre estará atento a existência de tais conteúdos no pensamento de seu paciente pelo risco de suicídio ou de homicídio.
LINGUAGEM
É o modo de expressar-se. É o conjunto de sinais convencionais que utiliza o homem para expressar seus pensamentos e sentimentos. Tomando a linguagem como meio de expressão, ela pode ser: oral, escrita, mímica.
Na psicopatologia da linguagem oral, encontramos as seguintes alterações principais:
· Taquilalia ou verborréia: Aceleração da velocidade de expressão ou aceleração associativa. Característica dos estados de excitação.
· Bradilalia: Diminuição da velocidade de expressão por lentidão associativa. Por exemplo, na depressão.
· Mutismo: inibição voluntária ou semi-voluntária da palavra falada. Em certos casos, por exemplo, de depressão grave: não fala porque está certo da inutilidade de tentar qualquer tipo de comunicação, sua vida já acabou. No mutismo do esquizofrênico, o não falar se deve ao total desinteresse pelo mundo exterior totalmente mergulhado que está em suas fantasias.
· Ecololalia: Repetição como um eco das últimas palavras do interlocutor.
· Estereotipia verbal: Repetição automática de uma frase, palavra, sílaba ou som.
· Dislalia: defeito orgânico ou funcional da fala devido a mal formações ou inervação imperfeita da boca e dos órgãos de fonação; observa-se mais comumente na infância. Rotacismo: dificuldade em pronunciar o r. Landacismo: dificuldade de pronunciar o l. Sigmatismo: dificuldade em pronunciar o s.
· Disfemias: Desordens de emissão da palavra de causa não orgânica. Inclui-se aqui a tartamudez.
Na patologia da linguagem mímica, observamos:
· Hipermímica: Aumento dos movimentos da expressão facial.
· Hipomímica: Diminuição da expressão facial.
· Amímica: Imobilidade facial absoluta.
· Paramímica: Há uma impropriedade mímica; a mímica não traduz o estado afetivo do indivíduo.
A patologia da linguagem escrita, não apresenta maior importância na prática médica habitual.
INTELIGÊNCIA
É a capacidade de aproveitar a sua própria experiência prévia para superar obstáculos (resolver problemas) e alcançar seus objetivos. Na maioria dos casos, na própria forma do paciente nos comunicar como lida com sua vida, nos percebemos se sua inteligência é mediana ou se é gravemente disturbada. Entretanto, há casos em que necessitamos encaminhá-lo a realização de um teste de inteligência, que vai nos revelar seu QI (quociente de inteligência).
Estes testes não são totalmente precisos, muitos fatores podem limitar o desempenho do paciente no teste: bagagem socio-cultural, idioma, dificuldades motoras, sensorias e de comunicação que possa apresentar. Numa fórmula simplificada, poderiamos dizer que o resultado final é medido pela equação: I = idade mental/idade cronológica x 100.
O estudo da inteligência pode ser dividido em áreas, as chamadas sete (7) inteligências: I. Corporal/esportiva; II. Visual/espacial; III. Lógico/matemática; IV. Lingüística; V. Musical; VI – Interpessoal; VII – Intrapessoal ou intrapsíquica.
Para a relação médico paciente é de grande interesse a observação das duas últimas. A inteligência interpessoal consiste na capacidade de lidar com as pessoas:
1. Colocar-se no lugar delas;
2. Imaginar o que elas sentem;
3. Antever suas reações;
4. Observar sua inteligência;
5. Observar sua afetividade e sua agressividade(destrutividade);
6. Seu nível de maturidade;
7. Seus sentimentos e suas intenções em relação a ela mesma e aos outros.
A inteligência intrapsíquica consiste na capacidade de observar/lidar consigo mesmo:
1. Perceber os próprios sentimentos;
2. Avaliar seu próprio nível de inteligência;
3. Avaliar seu próprio nível de maturidade;
4. Perceber seus pontos fracos;
5. Sua afetividade, sua agressividade (destrutividade);
6. Seus projetos/sonhos.
AFETO
Afeto, sentimento, emoção, humor, são termos utilizados para a descrição desta função mental que participa e influi em toda a vida mental. Como vamos optar entre duas ou mais boas opções? Qual restaurante vamos? Qual cor vamos escolher se ambas são bonitas? O afeto é que decide. Se tivermos nosso afeto bloqueado, ficamos paralisados. Doença neurológica... Portanto, é uma importante função que influi em nossa atitude geral de aceitação ou rejeição de vínculos pessoais, de envolvimento ou não em determinada atividade, assim por diante.
Na psicopatologia da afetividade, encontramos:
· Afetos prazeirosos: Quando excessivos, como é o caso da euforia, pode ter origens em certas patologias; quadros maníacos, uso de drogas estimulantes.
· Afetos depressivos: Pode variar em grau, desde uma pequena tristeza até uma melancolia profunda.
· Afetos inadequados: A manifestação afetiva do paciente não combina com o que é esperado naquela situação. Por exemplo, no velório de alguém que lhe é significativamente importante, o indivíduo se mostra afetivamente indiferente ou até mesmo, alegre.
· Afetos ambivalentes: Sentimentos contraditórios, simultâneos em relação a uma mesma pessoa ou área de interesse.
· Medo, ansiedade, pânico: Nós precisamos do sentimento do medo, um alerta frente aos perigos desta vida. Porém, às vezes, este medo é desnecessário. Convivemos com uma permanente ansiedade. Ou temos crises de grande ansiedade sem motivo aparente, chamada de pânico.
CONDUTA
Sob este sub-título, estudamos as seguintes alterações:
· Hiperatividade: O paciente apresenta uma atividade exagerada. Na infância, encontramos crianças que são hipervigilantes, hipotenazes e hiperativas em quadros chamados de hipercinéticos.
· Hipoatividade: A atividade diminuida é comum em quadros depressivos.
· Conduta heteroagressiva: Quando a agressão se volta para outras pessoas, podendo chegar ao homicídio.
· Conduta autoagressiva: A agressão volta-se para si, podendo chegar ao suicídio.
· Compulsão: impulso irrestível de executar certo ato. É a conseqüência na conduta da alteração do pensamento chamada de obsessão. Apresenta, portanto, as mesmas característica desta.
· Estereotipias: Constante repetição de certas atividades. Os movimentos estereotipados são também chamados de maneirismos.
· Negativismo: Resistência do paciente em fazer o que se pede a ele, ou até mesmo, fazer o contrário do que se pede a ele.
· Catalepsia: Constante imobilidade numa posição qualquer. Um tipo de catalepsia é a flexibilidade cérea na qual as articulações do paciente podem ser estendidas sofrendo a resistência semelhante a da cera e permanecem na posição que a deixarmos mesmo que muito incômoda.
(Jorge Alberto Salton)
Noções sobre o desenvolvimento da personalidade
Vivências infantis
Aprendizado geneticamente facilitado.
Escrito por: Jorge Alberto Salton
Este tema é muito amplo, impossível de ser esgotado em algumas aulas, talvez nem em um curso inteiro. São muitas as teorias que tentam responder a pergunta: quem é o ser humano? Portanto, apenas explicarei algumas noções. Em aula aprofundarei um pouco mais.
O próprio termo ‘personalidade’ apresenta inúmeras definições diferentes. No caso, optamos pela definição de Allport: "Personalidade é o que o indivíduo realmente é". Ou seja, é o jeito do indivíduo se relacionar com os outros e consigo mesmo. Numa expressão popular: "é o jeitão dele".
Comecemos com a fórmula de Freud: P = H (G + IU + p) + VI. H=hereditário; G=genético; IU=intrauterino; p=parto; VI=vivências infantis.
A teoria psicanalítica de Freud dedicou-se a dissecar as vivências infantis, sua influência na formação da personalidade do ser humano e no desenvolvimento de transtornos mentais.
A vida intrauterina pode determinar inclusive a preferência sexual/afetiva hetero ou homossexual do ser humano. O aporte de hormônios no feto influencia na formação de um cérebro masculino ou feminino.
A medicina estuda as conseqüências de um bom ou mau nascimento (parto/cesariana) na saúde geral, inclusive mental, do indivíduo.
A influência dos genes
Os genes, por sua vez, se constituem em assunto do momento. Segundo sociobiologistas como Edward O. Wilson e outros, herdamos traços neurobiológicos que nos fazem ver o mundo de certa maneira e aprender certos comportamentos de preferência a outros.
Martin Seligman e outros falam em aprendizado preparado ou facilitado: animais e seres humanos estão inatamente preparados para aprender certos comportamentos e predispostos a rejeitar outros.
O medo de cobras entre os primatas serve de exemplo. Certos macacos emitem um alerta anticobra. São competentes herpetologistas instintivos, pois a reação, que parece ser inata, limita-se a cobras venenosas. Outros macacos acorrem ao chamado e, juntos, vigiam a cobra até certificarem-se de seu afastamento.
Os seres humanos também possuem uma aversão inata a cobras que, à semelhança do chimpanzé, aumenta na adolescência. Aprendemos a temer as cobras mais facilmente do que aprendemos a permanecer indiferentes ou até mesmo a se afeiçoar a elas: trata-se de um aprendizado geneticamente facilitado.
Hipótese semelhante já havia sido levantada por Carl Gustav Jung ao desenvolver os conceitos de inconsciente coletivo e de arquétipos. Jung, suiço de nascimento, aproximou-se de Freud em 1906 e manteve com ele uma relação intelectual fecunda até 1914. Inclusive, quando a Associação Internacional de Psicanálise foi fundada em 1910, Jung, a pedido de Freud, tornou-se seu primeiro presidente. É comum uma personalidade forte como a de Freud atrair e depois repelir outras igualmente fortes. As causas do rompimento entre eles certamente foram complexas. Uma das razões, segundo Jung, se deveu ao pansexualismo de Freud: "A razão imediata foi que Freud... identificou seu método com sua teoria sexual, o que eu considerei inadmissível".
A idéia de inconsciente coletivo desenvolvida por Jung abrange o desenvolvimento evolutivo de nossa espécie. Consiste no depósito de traços de memória herdados do passado ancestral do homem, um passado que inclui não somente a história racial do homem e de uma espécie separada, mas também seus ancestrais pré-humanos e animais. Todos os seres humanos tem, mais ou menos, o mesmo inconsciente coletivo. As memórias, as representações mentais não são herdadas como tais, o que herdamos é a possibilidade de reviver experiências das gerações passadas. Por exemplo, já que os seres humanos sempre tiveram mães, cada criança nasce com a predisposição para perceber a mãe e reagir frente a ela. O conhecimento da mãe, adquirido individualmente, consiste na realização de uma potencialidade herdada. Não se assemelha a idéia de aprendizado facilitado?
Jung chamou um dos componentes do inconsciente coletivo de arquétipo. Um arquétipo é um depósito permanente de uma experiência que foi constantemente repetida durante muitas gerações. Por exemplo, o arquétipo mãe.
O homem é impelido à ação por seus arquétipos. Por exemplo, a energia seria um arquétipo. O homem esteve exposto, através de sua existência, em inumeráveis ocasiões, às grandes forças naturais – terremotos, tempestades, furacões, incêndios nas florestas, etc. Dessas experiências surge um fascínio. O arquétipo energia explicaria a facilidade com que a criança se sente atraída por brincar com o fogo, a atração do adolescente pela alta velocidade, o adulto sempre a buscar uma tecnologia que lhe permita comandar e controlar mais força, mais energia.
A psicologia evolucionista também vê a conduta humana pressionada por determinantes inconscientes, chama-os de genéticos e pensa que eles aparecem, desaparecem e se modificam em acordo com as leis da seleção natural descritas por Charles Darwin e Alfred Wallace.
A seleção natural é governada pela competição entre os genes para serem representados na geração seguinte. Nossa espécie viveu mais de noventa por cento de sua existência em condições primitivas. Os homens andavam atrás da caça, copulavam com o maior número de fêmeas que podiam, matavam-se uns aos outros. As mulheres ou estavam grávidas ou com filhos pequenos no colo.
Os homens, quanto mais mulheres engravidassem mais possibilidades teriam de perpetuar seus genes. Às mulheres de nada adiantaria terem muitos machos. Devido aos nove meses de gravidez só poderiam ter um número limitado de filhos. A elas interessavam estratégias úteis à sobrevivência de sua pequena prole. É por isto, dizem os psicólogos evolucionistas, que tendiam a valorizar mais a confiabilidade, a estabilidade e o poder do que a beleza do parceiro.
Nas agências de namoros as mulheres lêem os formulários, enquanto os homens olham as fotos. Nos formulários verão a estabilidade, a confiabilidade e o poder do homem (qualidades necessárias de um companheiro útil à sobrevivência da pequena prole da mulher).
Os homens dão mais valor que as mulheres à juventude e aparência bela: qual melhor garantia de boa saúde e, em conseqüência de mais fertilidade e de melhores genes?
Clark e Hatfield, psicólogos norte-americanos, contrataram homens e mulheres atraentes para abordarem estranhos do sexo oposto em alguns campus universitários. Forçavam uma aproximação e diziam algo assim: "Tenho notado você aqui no campus. Acho você muito atraente". Ato contínuo, faziam as seguintes três perguntas: (a) "Gostaria de sair comigo esta noite?" (b) "Gostaria de ir ao meu apartamento esta noite?" (c) "Gostaria de ir para a cama comigo esta noite?". Metade das mulheres consentiu em sair à noite. Seis por cento das mulheres consentiu em ir ao apartamento do auxiliar de pesquisa. Setenta e cinco por cento dos homens - contra nenhuma das mulheres - , consentiu em ir para a cama com a auxiliar de pesquisa naquela noite.
Por que ter um caso? Para as mulheres o outro é, pelo menos na sua fantasia, de algum modo superior/melhor que o marido (mais apto a ajudá-la na sobrevivência da pequena prole). E para os homens, por que ter um caso? Simplesmente porque é uma outra mulher.
Como regra, em todas as culturas se repetem essas observações. Uma mulher ter relações sexuais com outro homem é sempre uma ameaça aos interesses genéticos do homem, pois isso pode lográ-lo, levando-o a trabalhar para os genes de um concorrente. Ao contrário, para a mulher, não necessariamente constitui uma ameaça a seus interesses genéticos. O filho ilegítimo desse homem é problema da outra mulher. Resultado: os homens ficam mais transtornados com a idéia da sua mulher ser sexualmente infiel do que emocionalmente infiel. Quantas vezes já ouvi em meu consultório: "Doutor, ela teve uma paixão por outro cara. Nada demais, não houve sexo". Já para as mulheres é o contrário: "Ele teve um caso, mais foi só sexo". Dói nas mulheres é seu companheiro gostar de outra. A estabilidade afetiva para cuidar da prole não pode ser quebrada.
Para os psicólogos evolucionistas os homens ao se mostrarem poderosos atraem as mulheres, sempre preocupadas em ter um companheiro em condições de auxiliá-la na sobrevivência de sua pequena prole. Primitivos habitantes da costa canadense do Pacífico competem entre si pelo tamanho dos banquetes que oferecem. O anfitrião literalmente despeja sobre os convidados cestos de frutas e pilhas de cobertores. O convidado-concorrente vai embora humilhado e em seu banquete dá as mesmas coisas e, além disso, faz uma grande fogueira e queima uma outra porção destas coisas.
A influência das vivências infantis
Freud acreditava que a criança é o pai do homem. Para ele, aos cinco anos de idade a personalidade já forma a base de sua estrutura. As pessoas significativas nestes primeiros anos se constituem nas figuras de identificação mais importantes.
A criança instintivamente vai em busca da realização de seus desejos e toma por modelo pessoas que lhe parecem mais capazes do que ela de alcançar tal realização. Identifica-se com os pais, ou quem faz esta função, porque eles lhe parecem onipotentes pelo menos nos primeiros anos. Aos poucos, vai descobrindo e se identificando com outras pessoas. A maior parte deste processo de identificação se faz de forma inconsciente.
O estudo das vivências infantis gerou um conteúdo muito amplo e interessante. A seguir, passarei a comentar apenas um ou outro sub-tema sem outra pretensão do que a de despertar-lhes o interesse pelo estudo desta área do conhecimento humano.
Mecanismos de defesa
Mesmo crescendo, conseguindo boas identificações e sendo, muitas vezes, bem sucedida quanto à realização de seus desejos, a frustração é inevitável. É condição humana não conseguir satisfazer plenamente seus desejos e, em conseqüência ver-se invadido por sentimentos desagradáveis tipo frustração, inveja, raiva. Frente a isto, o ego defende-se utilizando os chamados mecanismos de defesa. Entre outros:
a. Repressão: empurrar os conteúdos desagradáveis para o "fundo" do inconsciente;
b. Projeção: as "coisas ruins" não estão dentro da pessoa e sim fora em alguém; em vez de "minha consciência me perturba", "ele me persegue"; em vez de "eu estou tomado por sentimentos de raiva", "ele me ataca".
c. Fixação: no curso do desenvolvimento normal, a personalidade passa por estágios bem definidos até alcançar a maturidade; a pessoa pode fixar-se em um estágio por que o seguinte lhe desperta intoleráveis frustrações e ansiedades.
d. Regressão: a pessoa tende a regredir ao estágio em que havia se fixado anteriormente; uma criança que foi excessivamente dependende procurará voltar a esta situação quando frente a dificuldades.
Complexo de Édipo
Para Freud, todo o ser humano vivencia um complexo de sentimentos ao qual ele denominou de Complexo de Édipo. Freud utilizou-se de uma lenda descrita por Sófocles – de Édipo que matou Laio e casou com Jocasta, sem saber que o primeiro era seu pai e a segunda sua mãe – para denominar um fenômeno psíquico vivenciado de forma inconsciente na infância, composto por sentimentos amorosos dirigidos ao genitor do sexo oposto e agressivo ao genitor do mesmo sexo.
Segundo a lenda, Laio, rei de Tebas, foi avisado por um oráculo que se fosse permitido que seu filho recém nascido crescesse haveria perigo para seu trono e sua vida. Laio entregou a criança a um pastor e deu ordens para matá-la. O pastor não teve coragem de fazê-lo com as próprias mãos. Amarrou a criança pelos pés e deixou-a dependurada no tronco de uma árvore. O menino foi encontrado por um camponês que o levou a casa de seu patrão que o adotou e colocou-lhe o nome de Édipo ou Pé-Inchado.
Passados muitos anos, estando Laio a caminho de Delfos, acompanhado de um só criado, deparou numa passagem estreita, um jovem conduzindo uma charrete. Como o jovem se recusou a obedecer suas ordens e a deixá-lo passar por primeiro, o criado matou um dos cavalos. Irado, o jovem matou o criado e Laio. Esse jovem era Édipo que acabara de matar o próprio pai.
Algum tempo depois, a cidade de Tebas foi afligida por um monstro, Esfinge, que tinha o corpo de leão, mas a parte superior era de mulher. A Esfinge ficava debruçada em cima de uma rocha e parava todos os viajantes que cruzavam a estrada propondo-lhes a resolução de uma adivinha. Aqueles que errassem seriam mortos. Quando Édipo se deparou com a proposta, prontamente aceitou o desafio. A Esfinge perguntou: "Que animal pela manhã anda de quatro pés, ao meio-dia com dois e à noite com três?" Édipo respondeu: "O homem que na infância engatinha, na juventude anda ereto e na velhice caminha com a ajuda de uma bengala". A Esfinge ficou tão irritada ao ver seu enigma resolvido que se atirou da rocha e morreu. A gratidão do povo por ter sido libertado desse perigo, fez com que fosse transformado no rei ocupando a vaga deixada vaga pela morte de Laio. Édipo aceita e casa com a rainha, Jocasta, sua mãe biológica. Mais adiante, quando Tebas foi atingida pela fome e pela peste, o oráculo revelou o duplo crime de Édipo: matar o pai e casar com a mãe. Jocasta suicidou-se e Édipo arrancou seus próprios olhos e sai a andar sem rumo amparado apenas por suas filhas.
Segundo Freud, o Complexo de Édipo se processa entre os três e os seis anos na chamada fase edípica. Tanto o menino quanto a menina amam a mãe porque ela satisfaz as suas necessidades básicas, ressentindo-se contra o pai porque ele é visto como rival nas afeições da mãe. Tais sentimentos persistem no menino e mudam na menina.
O menino imagina que o pai, seu rival, vai entrar no conflito e procurará castigá-lo. O medo da punição paterna circunscreve-se aos órgãos genitais, pois estes são a fonte dos desejos incestuosos. O menino receia que o pai, por ciúme, vá tirar-lhe os órgãos genitais. O medo da castração leva o menino a reprimir o desejo sexual em relação à mãe, bem como a hostilidade em relação ao pai. Essa situação conduz o menino a identificar-se com o pai. Identificando-se com o pai, obtém uma satisfação vicária dos impulsos sexuais em relação à mãe. Seu sentimento erótico, perigoso, converte-se em tenra afeição para com a mãe.
A repressão do Complexo de Édipo permite que o superego atinja o ponto final do seu desenvolvimento. O superego é a segurança contra o incesto e a agressão.
A menina, por sua vez, troca seu amor original pela mãe por outra pessoa, o pai. Isso se deve, em parte, ao desapontamento que sofre ao descobrir que o menino possui um órgão sexual protuberante, o pênis, ao passo que ela tem apenas uma cavidade. Tal traumática descoberta produz várias conseqüências. A menina atribui à mãe a culpa pela sua condição de "castrada", o que enfraquece seu amor por ela. A menina transfere seu amor ao pai porque ele possuio órgão valorizado. Contudo, seu amor pelo pai, bem como por outros homens, aparece mesclado de inveja porque eles possuem aquilo que falta a ela. A inveja do pênis corresponde ao medo de castração no menino, sendo ambos chamados Complexo de Castração. A menina imagina ter perdido algo de valor e o menino receia perder. A menina também resolve seu Complexo de Édipo identificando-se com a mãe, numa tentativa de reparar os ataques que em fantasia realizou contra ela.
A resolução adequada do Complexo de Édipo, resultando num esforço positivo na correta identificação quanto ao gênero masculino ou feminino, depende em muito da fase anterior, pré-edípica.
O núcleo primitivo de identificação com o gênero, é normalmente completado entre dois e meio e três anos de idade. Portanto, num período relativamente breve, a criança adquire o senso de identificação quanto ao gênero que poderá ou não ser compatível com o de seu corpo biológico (quando não compatível: transexualismo). Este núcleo inicial vai influir na adequada ou inadequada resolução do Complexo de Édipo.
Recuando mais, estudos recentes confirmam que já no útero devido a uma exposição diferenciada a hormônios como a testosterona, o cérebro já começa a revelar diferenças masculinas e femininas.
O Complexo de Édipo vem sendo criticado pelos psicólogos evolucionistas. Acreditam eles que a proibição do incesto não se deve a esse fenômeno descrito por Freud e sim a um aprendizado facilitado pela pressão genética.
Vamos explicar esta hipótese a partir da pergunta: porque todos os organismos biológicos reproduzem-se sexualmente? Eles poderiam simplesmente se replicarem. Mas não, eles "preferem" trocar a metade de seus genes. E por que os organismos trocam a metade de seus genes? Resposta: quem assim não o fez, não sobreviveu.
O sexo constitui uma defesa contra parasitas e contra microorganismos causadores de doenças. Os germes desenvolvem estratégias para infiltrar-se nas células e apoderar-se das matérias primas celulares e para fazer-se passar por elemento do próprio organismo escapando de seu sistema imune. Sejam quais forem as "fechaduras" moleculares que tiverem evoluído no corpo, os agentes patogênicos podem desenvolver chaves para abrí-las. Ora, se um organismo é assexual, quando agentes patogênicos arrombam o cofre de seu corpo, também terão arrombado os cofres dos filhos desse organismo. A reprodução sexual é um modo de mudar as fechaduras uma vez a cada geração. Trocando metade dos genes por uma metade diferente, um organismo dá à sua prole uma vantagem inicial na corrida contra os germes locais. Suas fechaduras moleculares tem uma combinação diferente, e assim os germes tem de começar do zero, dando tempo ao novo ser de tornar-se mais forte que os invasores. Portanto, quem assim não o fez, não sobreviveu.
Pois bem, o incesto, por sua vez, também reduz a aptidão da prole. Todos nós portamos o equivalente a um ou dois genes recessivos letais. Quando pai e filha, mãe e filho, irmão e irmã acasalam-se é grande a probabilidade e terem uma prole prejudicada. A repugnância pelo sexo com um irmão é tão intensa em vertebrados móveis de vida longas que é uma boa candidata a ser uma adaptação.
Os seres vivos são replicadores que evoluem pela seleção natural, ao longo de períodos de tempo imensamente longos.
A medida que os replicadores se replicam, erros aleatórios de cópia às vezes emergem. Os seres que surgem do erro e que apresentam capacidades mais favoráveis à sobrevivência no meio melhoram a taxa de sobrevivência e reprodução do replicador e tenderão a acumular-se no decorrer das gerações.
É compreensivel que nos humanos, pelo mesmo motivo, tenha evoluído uma emoção de repulsa a ter relações sexuais com um membro da família. Pois bem, Westermarck colecionou uma série de evidências nesse sentido no que passou a ser conhecido como Efeito Westermarck: a convivência quando os dois ou pelo menos um é pequeno, determina a repulsa sexual entre um homem e uma mulher.
Em kibutz meninos e meninas da mesma idade compartilhavam a moradia, indo para lá pouco depois de nascer e ali vivendo até o final da adolescência, sendo criados juntos. Quando se tornavam adultos raramente se acasalavam, embora isso não fosse desincentivado.
Em algumas partes da China, os pais adotavam uma noiva para o filho quando ela ainda era criança. Quando cresciam não sentiam atração mútua e os casamentos fracassavam mais do que os outros casamentos.
Os pais que abusam sexualmente das filhas tendem a ter passado menos tempo com elas quando eram pequenas.
Esta teoria de Westermarck começa a eclipsar o Complexo de Édipo de Freud. Seus defensores, inclusive, afirmam que ela está contida na própria lenda. Édipo casou sim com Jocasta e teve quatro filhos com ela, sua mãe biológica. Mas, é compreensível: Édipo nunca convivera com a mãe.
Freud declarou que a repulsa à idéia de sexo com mãe, pai, irmãos, essa emoção acentuada é ela própria a prova de um desejo inconsciente. A psicologia evolucionista critica este argumento dizendo que se o tomassemos como verdade deveríamos concluir que: as pessoas tem um desejo inconsciente de comer fezes de cachorro; de enfiar agulhas nos olhos e assim por diante.
Auto-estima
Para Winnicott, o primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe, sobretudo o seu olhar. Ao olhar-se no espelho do rosto materno, o bebê vê-se a si mesmo. É grande a responsabilidade da mãe real. É neste espelho que o bebê forma uma opinião estimada ou não de si mesmo. É o início da construção da auto-estima.
Narciso, segundo a lenda, rejeitou o amor de Eco e de outras pretendentes porque ao beber água num lago viu sua imagem refletida e se apaixonou por ela. A paixão foi tão grande que ele não mais conseguiu se afastar e acabou sua vida aí.
Pois bem, todos passamos no início da vida por uma necessária fase narcisista. Precisamos nos acharmos o maior e o melhor inclusive para aliviar a esmagadora sensação de que não somos nada perto da grandiosidade do mundo. Somos os menores e os piores, no sentido de que nada sabemos fazer. A fantasia do contrário vem nos salvar: somos os maiores, os melhores, somos como Narciso.
Os pais reforçam este indispensável narcisismo ao olhar seu nenê como o ser mais bonito que já existiu sobre a face da terra. Vamos crescendo, conhecendo um pouco mais a vida, ficando um pouquinho mais fortes, tendo outras fontes de prazer e vamos deixando na lembrança esta fase chamada de narcisismo primário. Está bem, não somos o Narciso, mas alguém é. Ou seja, estamos prontos a idealizar alguém, a nos apaixonarmos não mais por nós mesmos mas por este ser que idealizamos, pelo Narciso. Grudamos o olho em alguém: ali está o ser mais maravilhoso que existe. Tenho de conquistá-lo para mim. Esta fase é chamada de narcisimo secundário.
Com o amadurecimento podemos abrir mão também do narcisismo secundário. Não existe este ser fantástico, maravilhoso. As maravilhas desta vida não estão concentradas num único alguém, estão espraiadas por aí.
Mas são fases necessárias. A formação de nossa auto-estima começa assim, no olhar dos outros. Sou muito pequeno, não sei avaliar a ninguém, nem a mim mesmo. Como sou? Tenho algum valor? Bem, se me olham com admiração é porque valho alguma coisa, se me olham com desprezo, não valho nada.
As pessoas significativas em nossa infância e adolescência são o nosso espelho. Seu olhar é nosso espelho: "Espelho meu, existe alguém mais bonito do que eu?" Bem mais adiante na vida, alguns de nós, não todos, conseguem deixar de atribuir a função de espelho para os demais e resgatá-la em grande parte para si mesmo. Quero saber se tenho valor? Eu mesmo paro e me olho. Nesta fase nem as críticas, nem os elogios nos tocam tanto. Todavia, há que se manter a capacidade de observar o olhar dos outros sobre nós, sob risco de perdermos o contato e a adequação na forma como nos inserimos na sociedade em que vivemos.
Juca Pirama, lenda indígena contada em versos por Gonçalves Dias (1823-1864) trata com poesia e dramaticidade o tema da função espelho. Na época, quando um índio valente era aprisionado por outra tribo praticava-se o canibalismo. Ao ingerir sua carne simbolicamente incorporava-se suas qualidades. Ocorre que determinado índio ao cair preso, por ter o pai cego, pediu que não o matassem. De volta a tribo, seu pai revela-se indignado: "Tu choraste em presença da morte? Em presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois choraste, meu filho não és! Sê maldito, e sozinho na terra; Tu, cobarde, meu filho não és". Ou seja, o olhar da cultura indígena, esse espelho, refletia uma imagem de total desvalia desse pai. Com tamanha ferida em sua auto-estima, rejeita o filho. O filho, por sua vez, o que faz? Pega suas armas e investe sozinho contra a tribo Aimoré que o soltará. Conclusão é vencido, considerado valente e comido. Daí seu nome Juca Pirama que significa: aquele que merece morrer. Entre a vida e a autoestima, ditada pelo olhar do pai, não teve dúvida, optou pela segunda.
DISCURSO DE PARANINFO MEDICINA 2013
Prof. EDSON CECHIN
Olho para vocês e já sinto saudades!
Quero externar a todos que sou um homem feliz! Espero ter muito a realizar, penso poder ainda auxiliar e ajudar muitas pessoas. Ainda quero ver transformações sociais, ainda quero conhecer muitos lugares e se possível, muitos anos ainda viver. Mas hoje, o motivo maior de minha felicidade, é tê-los conhecido e ter participado desta conquista.
Seus rostos juvenis, dispostos e curiosos, suas mentes ágeis e perspicazes, me remetem ao passado. Há 27 anos, formei-me médico nesta mesma escola, nesta mesma Universidade. Naquele longínquo 13 de dezembro, tive a honra de falar em nome da minha turma. Uma tremenda responsabilidade. Tempos difíceis aqueles, em que o país e todas as suas instituições, lentamente caminhavam em busca de relações mais democráticas. Ainda sou capaz de lembrar a apreensão de meus amigos mais próximos, de meus pais, que, preocupados com o teor da minha fala, chegaram a temer pela minha integridade física. No final da cerimônia, um forte temporal abateu-se sobre a cidade, impedindo que as pessoas saíssem do saudoso Cine Teatro Pampa. Para alguns mais apressados, era um castigo divino. Para outros, a oportunidade de um olhar mais próximo. A vida seguiu e muitas portas se fecharam. Contudo as portas da UPF continuaram abertas porque foi através de concurso, que ingressei na Universidade, agora como professor. Apenas uma pequena história, para aliviar a minha ansiedade.
E hoje, bem.. hoje olhem só o que vocês me aprontaram.
Recebo uma homenagem inigualável. Considero-me extremamente honrado com a escolha de meu nome para ser o Paraninfo de vocês. Digo isso porque nossa escola é dotada de ótimo corpo docente e muitos, senão todos, poderiam estar ocupando este lugar. Portanto, meu agradecimento se reveste de um grande orgulho e satisfação.
Senhor reitor, meu caro colega, professor e amigo Dr. AM posso lhes afirmar que estamos entregando à sociedade um especial grupo de novos médicos. Se ainda não estão prontos, e isso nós sabemos que leva tempo, tenho certeza que serão excelentes cidadãos: justos, compreensivos, dedicados, solidários e humanitários. Aprendi a vê-los assim. Tenho forte convicção sobre isso.
Mas, meus queridos novos colegas, meus afilhados, sobretudo, meus amigos, como paraninfo, vocês me outorgaram o direito de dizer-lhes algumas palavras nesta fantástica e linda tarde. Nessa cerimônia que ficará, indelevelmente, marcada na memória de cada um de vocês, ato que coroa uma longa caminhada, que significa que o sonho de uma profissão belíssima foi atingido. Significa também o encerramento do sexto ano. Sim, porque segunda-feira, meus caros, iniciará o sétimo ano!! Sério é assim mesmo! Quem abraça esta profissão...abraça uma causa!
Então, como paraninfo, quero deixar-lhes algumas reflexões.
Há poucos meses, recebi em meu consultório um senhor de 82 anos. Esse acompanhado da filha, disse-me que eu era sua última esperança. Declarou-se triste, deprimido, insone e que necessitava remédios. Relatou que havia vencido bravamente um linfoma há 10 anos atrás. Sofrera muito com a quimioterapia, mas vencera. Posteriormente, perdera sua companheira de mais de 60 anos. Recentemente havia recebido a notícia que a doença maligna havia retornado. Triste, com lágrimas nos olhos, com a voz trêmula falou que gostaria de viver um pouco mais. Havia coisas que ainda necessitava fazer. Temia ser derrotado desta vez. Sem saber muito o que falar, comovido com a intensidade de suas palavras e com seu esforço em se fazer entender, permaneci ouvindo. Pensei até mesmo que havia algum engano, que devia estar procurando um hematogista. Ele então, pediu licença a sua filha, dizendo que gostaria de falar a sós comigo. Assim, aproximou-se e disse que tinha um segredo o qual gostaria de contar à alguém e que, deveria ser alguém que ouvisse e não o ridicularizasse. Disse-me que sua paixão era a dança, que desde pequeno, na colônia, gostava de dançar, mas sozinho. Perguntou-me, num misto de vontade, timidez e vergonha se eu gostaria de ver a sua dança. Surpreso, mas curioso, assenti-lhe com a cabeça. O bom velhinho não sentiu firmeza na minha resposta e perguntou novamente. Claro que sim, respondi. Sorridente, com uma felicidade juvenil estampada em seu rosto maltratado pelo tempo, tirou seus sapatos e disse-me: Doutor coloca um forró no Youtube!!!! Incontinenti, obedeci. Posso lhes afirmar: extremamente coordenado, no ritmo e com uma coreografia ímpar. Após, extenuado, sentou, pediu-me água e chorou! Combinamos que voltaria para continuarmos a conversa
Aqui, meus queridos encontra-se o primeiro conselho. Fui tentado desde o início, baseado em sua queixa principal, prescrever-lhe antidepressivos. No momento pensei que ele necessitasse algo assim. Mas o que mostrou-me era que seus lamentos, seu sofrimento, seus segredos, sua vida estavam além dos medicamentos, além da sua queixa inicial e que, se basearmos o tratamento na queixa principal estaremos fadados ao erro, ao equívoco. Precisamos ouvir mais, saber ouvir. Se vocês efetivamente, descobrirem que não gostam ou não sabem ouvir, por favor, procurem outra profissão. Meu amigo dançarino ainda busca resgatar sua vida novamente ameaçada por uma doença grave, procura melhorar sua autoestima. Assim, ansioso, espero que volte para o novo número.
Certo dia, em uma enfermaria do Hospital de Clínicas, um supervisor/orientador solicitou minha ajuda. Pensei que se tratava em conter algum paciente agitado ou agressivo. Surpreendi-me quando ele, pacientemente, disse-me que estava confuso quanto ao quadro clínico da Sra. Tereza, e que gostaria que eu a acompanhasse por alguns dias e o auxiliasse a dirimir dúvidas. Diligentemente, mas muito assustado com tal tarefa, passei a acompanhá-la. Dias depois, apavorado, constatei que minhas impressões e formulações eram diferentes daquelas do meu professor (diga-se de passagem, excelente médico e pessoa). Mais apavorado ainda fiquei ao comunicar-lhe minhas ideias a respeito de Tereza. Humildemente e com ar aliviado, agradeceu-me e disse-me que temia ter perdido suas habilidades clínicas, mas que eu o ajudara muito, mostrando-lhe um outro caminho. Pois bem, em uma sessão de casos clínicos, ficamos sabendo que ambos estávamos equivocados.
Portanto, assim como meu professor, a quem sou eternamente grato por mostrar-me que é possível ser humilde sem rastejar, espero que vocês tenham a humildade em reconhecer quando estiverem errados e que saibam solicitar ajuda quando necessário.
O terceiro caso que lhes apresento, ocorreu num dia, terrivelmente quente do verão da nossa capital. Coube a mim, fazer o atendimento na emergência e proceder à internação de um homem em surto psicótico. Tratava-se de um médico cirurgião geral com 35 anos de idade e que há 10, sofria de uma grave doença chamada esquizofrenia. Era difícil ver um homem com uma carreira promissora, ter seu futuro vergastado por uma doença psicótica devastadora. Os relatos eram de que se tratava de um cirurgião extremamente habilidoso e competente. Era difícil, mas eu tinha que atendê-lo, e tinha de tentar ajudá-lo. Tratei-o de forma igual aos outros, sem distinção, dispensando a ele o mesmo cuidado que dispensava aos outros. Estava convencido de estar sendo justo, imparcial e neutro. Após longo período de internação, recebeu alta. No nosso último encontro agradeceu-me por auxiliá-lo, por ajudá-lo a retomar um pensamento realista, mas, tinha uma queixa a fazer. Pensei: dei-lhe o melhor, estive sempre ao seu lado, tratei-lhe com dedicação, fui neutro como ensinavam os melhores livros (sim, ainda líamos os textos em livros), procurei os tratamentos mais eficazes e menos invasivos, sua família estava esperançosa, do que será que ele iria se queixar? Tinha expectativa que fosse da comida. Mas não era! Um pouco constrangido, e já em pé, esperei pela sua queixa. Aproximou-se de mim e num forte abraço, soluçando algumas palavras disse que eu não precisava ter sido tão distante, tão neutro, tão objetivo, tão científico e...tão arrogante! Complementou dizendo:
“Eu sei que sou maluco e preciso de medicação, mas atrás dessas lentes, também bate um coração. Só queria ser um pouco mais próximo”.
Do alto da minha prepotência de iniciante, sorri amarelado e me despedi. Nunca mais o vi. Soube alguns anos depois que havia falecido. Jamais mais o esqueci!
Tempos depois, dei-me conta que sim, podemos ser mais afetivos, podemos ser mais naturais e que isso não significa afastar-se das bases científicas e muito menos tratar os pacientes melosamente. Com mentes ágeis e privilegiadas, espero que vocês se dispam desta aura de prepotência e arrogância que ronda a profissão médica e que, cedo descubram, como disse nosso colega paciente, que: “atrás daqueles óculos também bate um coração.
Pois bem, meus queridos amigos e afilhados, inúmeras são as chances de aprendermos com nossos pacientes e com a própria vida.
Portanto, não as desperdicem!
Saber muito não os torna inteligentes. A inteligência se traduz na forma como se recolhe, julga, maneja e, sobretudo, onde e como se aplica essa informação
Vocês exercerão a medicina numa época de evolução tecnológica fantástica. Exercerão uma profissão desejada por muitos e alcançada, com muito esforço, por poucos.
Infelizmente, exercerão a medicina numa época em que os médicos muitas vezes, são, erroneamente, considerados os “vilões” de um sistema de saúde público e privado desgastado, vítima de oportunistas e de políticas públicas pouco eficazes. Sabemos que saúde não se faz apenas com a presença do médico: é preciso estrutura de pessoal, estrutura física adequada e boas condições para que todos os profissionais da área possam atuar com o máximo de competência.
Mesmo sabendo disso, vocês persistiram. Acreditaram, esforçaram-se, lutaram e conquistaram a condição de atuar como médicos. Sabemos todos, o quanto foi sofrido. Quantas noites insones, quantas festas perdidas, quanto afastamento do convívio com amigos e familiares. Mas vocês venceram.
Eu, meus colegas de homenagem, enfim, nós da Faculdade de Medicina e a UPF, temos a certeza de suas capacidades e também de sucesso na profissão escolhida. Vocês cursaram uma faculdade fortemente estruturada, com corpo docente em permanente evolução, em permanente esforço para oferecer um ensino de excelência, um ensino digno e adequado para o nosso tempo. Uma faculdade que forma médicos de qualidade há quase 40 anos, e que temos certeza que vocês serão. Médicos que exercem dignamente sua profissão e exercem suas atividades em todo esse nosso imenso país ou mesmo em diversos locais do mundo. Cada um de vocês escolherá um rumo diferente. Onde quer que estejam, certamente honrarão não só seus próprios nomes, mas também, o nome desta Universidade que hoje os forma. Nós, daqui, estaremos assistindo o sucesso de cada um de vocês.
Para finalizar, gostaria, como padrinho, deixar-lhes alguns conselhos:
a) confiem muito em vocês, acreditem em suas capacidades, mas tenham a humildade em aceitar a sua falhas e aprendam com o insucesso;
b) sejam justos e combatam as injustiças os preconceitos e a indiferença;
c) troquem o medo, a intolerância e a vingança pela esperança;
d) sonhem muito e busquem, diariamente, a realização desses sonhos;
e) vivam intensamente cada dia de suas vidas, pois acreditem, a vida passa muito rapidamente;
f) divirtam-se bastante e jamais esqueçam as crianças que existem dentro de vocês;
g) cuidem bem e muito bem de suas famílias, pois nenhum sucesso profissional por mais magnífico que seja, supera o fracasso da vida pessoal ou familiar;
h) acreditem no que diziam seus avós e pais: alimentem-se bem e não andem desagasalhados!! Isso significa: cuidem bem da sua saúde, ela tem um valor inestimável para vocês e daqui para frente, para muitos outros;
i) amem muito, pois a vida sem amor... é muito sem graça;
j) por fim, jamais esqueçam daquelas palavras mágicas: por favor e muito obrigado.
Disse-lhes a poucos dias na aula da Saudade:
“O que somos, muito além do que parecemos, devemos aos outros, somos constituídos pelos outros, sem os outros não seríamos o que somos. Morreríamos se não contássemos com os outros”.
Reafirmo, o que sou devo muito aos meus alunos e em especial a vocês!
Como ando agasalhado e me alimento bem, espero ter sorte de viver muito ainda. E vou gostar muito de reencontrá-los, de reconhecê-los. Mesmo que seja olhando para fotografias e relembrando. Mas, felizmente, as últimas memórias que se vão, que são progressivamente apagadas de nossas mentes, são as memórias mais remotas e aquelas carregadas de bons sentimentos e boas emoções. Por isso arrisco, jamais os esquecerei.
Já com mais saudade do que no início, gostaria de deixar um forte abraço em cada um de vocês, e que tenham uma vida iluminada pela sabedoria, mas, principalmente, pelo bom senso.
Como conversar com uma pessoa que está fora da realidade, apresentando algum tipo de delírio ou idéia delirante?
Em 1942, Clèrembault, psiquiatra francês, descreveu o caso de uma paciente que tinha a absoluta certeza de que determinado homem de status social superior a amava mas que não podia revelar que a amava. O homem, vítima desta paixão patológica, nem sabia disto.
Im Jahre 1942 beschrieb Cèrembault, ein französischer Psychiater, den Fall einer Patientin, welche sich absolut sicher darüber war, dass sie von einem bestimmten Mann höheren sozialen Status als der ihrige geliebt wurde, welcher ihr seine Liebe jedoch nicht gestehen konnte. Der Mann, Opfer dieser pathologischen Leidenschaft, wusste davon jedoch überhaupt nichts.
Artigo de Jorge Salton publicado em Zero Hora.
Autor: Jorge Alberto Salton
Um número significativo de torcedores sofre periodicamente de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O desencadeante é uma derrota de seu time vivenciada como um evento excepcionalmente catastrófico. Uma derrota inesperada, incabível, geradora de perplexidade.
Escrito por Jorge Alberto Salton
Jorge Alberto Salton
Qual o acontecimento que mais desencadeia doenças em nós humanos?
Com o filme Uma Mente Brilhante o problema da esquizofrenia veio à tona. O matemático John Forbes Nash Jr, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1994, cuja biografia inspirou o filme, apresenta um quadro um pouco diferente do personagem representado por Russel Crowe. Goldsman, o roteirista, trocou o tipo de alucinação e fez como se a doença tivesse surgido aos vinte anos e não aos trinta conforme aconteceu na realidade.
After the movie “A beautiful mind”, the problem with schizophrenia arose. The mathematician John Forbes Nash Jr., Nobel prize winner in Economy in 1994, whose biography inspired the film, which shows a slightly different picture of the character represented by Russell Crowe. Goldsman, the film casting director, changed the kind of hallucination and made as if the disease had appeared when Nash was 20 and not 30 years old, as in reality.
Avec le film A Beautiful Mind, le problème de la schizophrénie a refait surface. Le mathématicien John Nash Jr, vainqueur du Prix Nobel de l´Économie de 1994, dont la biographie a inspiré le film, présente une situation un peu différente du personnage représenté par Russel Crowe. Goldsman, le scénariste, a changé le type d´hallucination et a fait comme si la maladie était apparue à vingt ans et non pas à trente comme dans la réalité.
Anhand des Filmes „A Beautiful Mind“ wird das Problem der Schizophrenie erörtert. Der Mathematiker John Forbes Nash Jr., im Jahre 1994 Preisträger des Nobelpreises für Wirtschaft, von dessen Biographie der Film inspiriert wurde, weist ein etwas anderes Persönlichkeitsbild auf, welches von Russel Crowe dargestellt wird. Goldsman, der Drehbuchautor, veränderte die Art der Halluzination und die Story im Film so, als ob die Krankheit im 20. und nicht im 30. Lebensjahr, wie in Wirklichkeit, zum Vorschein kam.
O filme Amnésia (Memento) do diretor Christopher Nolan, realizado no ano 2000, revela de forma artística duas alterações da memória: amnésia e paramnésia. A partir de história escrita por Jonathan Nolan, Christopher faz um filme muito inteligente.
A Classificação Internacional das Doenças coloca sob a denominação Transtornos Delirantes Persistentes quadros nos quais delírios de longa duração constituem a única ou a mais importante característica clínica e os quais não podem ser classificados como orgânicos, esquizofrênicos ou afetivos. Uma idéia delirante ou delírio consiste numa falsa crença, não corrigida pela confrontação com a realidade que tende a se expandir no interior do indivíduo e ocupar um espaço muito grande em seu pensamento.
La Classification Internationale des Maladies met sous la dénomination Troubles Délirants Persistants, des cas dans lesquels les délires de longue durée constituent l´unique ou la plus importante caractéristique clinique et ne peuvent pas être classifiés comme organiques, schizophréniques ou affectifs. Une idée délirante ou un délire consiste en une fausse croyance, non corrigée par la confrontation avec la réalité, qui tend à s´étendre à l´intérieur de l´individu et à occuper un espace très important dans sa pensée.
Die Internationale Klassifikation der Krankheiten bezeichnet als dauerhafte delirierende Störungen jene Krankheitsbilder, in denen langanhaltende Delirien die einzigste bzw. die bedeutendste klinische Charakteristik darstellen und welche nicht als organisch, schizophren oder affektiv eingestuft werden können. Eine delirierende Vorstellung bzw. ein Delirium setzt sich aus einem falschen Glauben zusammen, der in Gegenüberstellung mit der Realität nicht korrigiert wurde und so versucht sich im Inneren des Individuums auszubreiten um in dessen Gedankenwelt einen nicht unbeachtlich großen Raum einzunehmen.
Publicado em ZERO HORA
ASSIM COMO OS PÁSSAROS DO AMANHECER reune dois documentários já exibidos em vários congressos e escolas médicas do pais: FEDBACK POSITIVO e MIRANTE STRZELECKI.
FEEDBACK POSITIVO: O MAL É FALAR MUITO NO MAL
Procuro contar aos meus alunos os bons modelos e os melhores momentos revelados por médicos atuais e passados – sou professor de relação médico-paciente há trinta anos. Não é assim que se faz com o futebol? Se priorizássemos a divulgação não dos “melhores momentos” e sim dos piores continuaria ele sendo o esporte que mais admiramos?
Pesquisadores já fizeram levantamentos – Martin Seligman, Katherine Dahlsgaard, entre outros – sobre quais atributos pessoais consideramos dignos, éticos, formadores de um bom caráter: 1. Capacidade de estabelecer relacionamentos honestos, leais e tolerantes; 2. Ter boa empatia; 3. Gostar, amar as pessoas e a vida; 4. Agir de forma construtiva e querer sempre fazer o que é certo; 5. Ser inteligente e capaz sem deixar de ser humilde; 6. Revelar senso de dever e senso de justiça; 7. Ser um otimista e não um crítico.
Admiramos quem possui algumas das qualidades referidas e também aqueles que, não as possuindo, revelam vontade de tê-las e se esforçam para tanto.
Melhoramos com os bons exemplos, é lugar comum, mas, para tanto, precisamos que eles cheguem até nós. Quando muito se fala no mal, sobra pouco espaço para o bem. O hábito de muito criticar, de muito apontar os aspectos negativos gera desesperança e nada mais.
São os próprios políticos, citando-os como exemplo, que contribuem para a imagem exageradamente negativa que possuem: só falam mal uns dos outros. Quando debatem na imprensa, não reconhecem boas qualidades no oponente.
Pergunto: por que os escritores das nossas novelas enchem-nas com personagens de mau caráter? Não se trata de propaganda as avessas do ser humano? E a propaganda não é a “alma” do negócio?
Se ao passar para meus alunos a “novela da medicina” eu priorizar os exemplos ruins, ao terminar a aula eles, e eu, veremos reforçadas nossas próprias maldades. Pois, o bem e o mal, outro lugar comum, não convivem dentro de nós?Ao contrário, como é aquietador escutar: “São muitos os homens bons”. “São inúmeras as boas mulheres”. E como faz bem ouvir, de vez em quando que seja, que nós também somos bons.
Há muito sabemos que os bons exemplos nos fazem melhorar. Agora, há, inclusive, comprovação científica.
Dan Ariely, pesquisador norte-americano, perguntou-se: “O que nos leva a fazer o certo?” E através de pesquisas chegou a algumas constatações. Cada um de nós tem um nível X de “capacidade” para fazer o errado. Há um Fator Pessoal de Enganação (FPE). O FPE aumenta ou diminui dependendo de como vemos alguém do nosso grupo agir. E também de como vemos nós mesmos agir. Quando temos um código de ética e nos recordamos dele, temos a tendência a agir melhor.
Outra questão básica é a capacidade de empatia. Se eu não tenho capacidade de empatia, por que vou agir bem com os outros?
As histórias contadas no documentário revelam, acima de tudo, capacidade de empatia. E fazem com que todos nos reunamos com o que há de mais humano em nossos conhecidos e em nós mesmos. E isso faz um bem...
AMBULATÓRIO DAS FALSAS CRENÇAS
Jorge Alberto Salton
Já em 1998 o médico Alan Berkenwald publicou no Annals of Internal Medicina, sob o título em “Em nome da medicina”, artigo sobre o número impressionante de terapias não científicas oferecidas a sociedade. Desde então, a chamada “medicina alternativa” ganhou corpo, organização e capacidade de divulgação na mídia. Hoje, inclusive, passa a disputar espaço já junto aos estudantes de medicina.
Se uma dessas terapias alternativas conseguisse a partir de pesquisas adequadas provar eficiência, a medicina científica passaria também a empregá-la.
Quem pratica tais terapias tem a vantagem de, em geral, receber diretamente do cliente, de forma particular, e não por convênios. Não tem sobre si o rígido Código de Ética Médica e também corre risco muito menor de sofrer processos.
Existem extremos, desde tratamentos tipo “terapias de vidas passadas” até tratamentos mais próximos da medicina tradicional e que, por força do grupo que a pratica, conseguem inclusive espaço dentro das associações médicas.
Propala-se que nos atendimentos é indispensável a “arte” de quem atende. A resposta é positiva se o procedimento se faz tendo como centro uma técnica embasada no método científico.
François Jacob, Prêmio Nobel de Medicina de 1965 escreveu: “O que há de comum – entre ciência e arte – é o fato de que no começo de tudo há um esforço de imaginação. Dele tanto depende a ciência quanto a poesia, só que o cientista é obrigado a confrontar a realidade imaginada com a realidade em si, enquanto o poeta pode fazer qualquer coisa”.
A invasão do espaço destinado a ciência, obriga entidades médicas e faculdades de medicina a periodicamente retomar a discussão da questão e a fazê-la de forma criativa. Atualmente, citando como exemplo, circula no meio médico o longa-metragem Ambulatório das Falsas Crenças que trata da luta dos profissionais para se manterem dentro do método científico e resistirem ao canto de sereia da pseudociência.
Platão personifica a ciência ao dizer: “A palavra tem de concordar com o fato”. Já a pseudociência é muito bem representada pelo personagem de Nelson Rodrigues que descaradamente declara: “Se os fatos estão contra mim (minhas crenças), azar dos fatos.
São muitos os encontros em ENCONTROS EM BERLIM. Em muitos deles, há uma relação analógica entre o cenário e o interior dos personagens.
Assim acontece no encontro de Martin, o médico, com Berlim, ex-paciente, encontro que se faz via celular. No primeiro diálogo, Berlim revela fantasias destrutivas. O cenário? O Memorial do Holocausto: um mosaico formado por 2711 cubos de concreto, de dimensões diferentes, numa área próxima ao Portão de Brandemburgo. Lápides de um cemitério de anônimos? Num primeiro momento transmite uma sensação de vazio e desesperança. Mas o local, obrigatoriamente nos leva a pensar sobre como agir frente a ausência total de humanidade da qual é capaz o ser humano. E é o que faz Martin, ao telefonar para um colega e solicitar que atenda Berlim.
Mais adiante, o diálogo de Berlim revela dubiedade. Diz que seu desejo agressivo é humano para em seguida acrescentar a pergunta que faz a si mesmo: “Ou desumano?” A cena segue com a visão de um pedaço do Muro de Berlim visto de dentro do pátio do que era a terrível Gestapo. Na seqüência, vê-se saindo de trás do muro um imenso balão colorido que sobe em direção aos céus.
No último diálogo, Berlim revela o quanto quer viver num mundo “gente com gente” e como se esforça para conseguir e o quanto essa boa tentativa o emociona. O cenário em que se passa o telefonema é espetacularmente belo tanto do ponto de vista visual como no sentimento que desperta. Trata-se do Treptower Park, mais especificamente o colossal monumento construído pelos soviéticos entre 1946 e 1949. Na sua entrada, vê-se um soldado ajoelhado. Na seqüência, um número considerável de painéis que iniciam retratando os horrores da guerra e culminam com a vida pacífica dos civis após o final das hostilidades. No alto, um monumento imenso no qual um soldado em vez de arma tem uma criança no colo. Ao começar a caminhada ao longo dos painéis, sentimos a dor da frieza destrutiva de que é capaz nossa espécie. Ao chegarmos ao grande monumento, nosso interior está transformado: há calor, paz, uma alegria tranqüila, muito tranqüila. O espetáculo não está só frente a nossos olhos, está dentro de nós.
Outra relação analógica: quando Martin lembra as palavras do filósofo que discorre sobre Sartre e a liberdade que nós humanos temos para construir nossa existência e a imensa responsabilidade gerada em nós por essa possibilidade. As cenas começam dentro do pátio do QG nazista na Segunda Guerra. Depois, seguem numa caminhada ao longo do rio Spree e terminam com a visão da Torre Telespargel que alcança 365 metros, construída que foi em 1969. A propósito, o filme começa com imagens da cidade vistas lá do alto. Nelas, predomina a beleza construída, mas vê-se também a destruição atrás das ruínas preservadas de um prédio bombardeado na guerra. Martin poderá direcionar o restante de sua vida por um rumo ou pelo outro.
Berlim é uma das cidades que mais se presta para cenário de um filme que fala dos sentimentos tanto dos ruins como dos bons. Da presença e da ausência da empatia e da compaixão.
Outra cidade é Dresden.
Mas... filme, é necessário, antes de tudo, vê-lo. Roger Ebert, o famoso crítico norte-americano escreveu: “Vivemos numa caixa de espaço e tempo. Os filmes nos permitem desvendar outras mentes”. (E desvendar outros compartimentos de nossas próprias mentes).
ENCONTROS EM BERLIM é uma modesta homenagem a Akiro Kurosawa e seu filme VIVER produzido em 1952. Watanabe, um homem que trabalhou como burocrata por trinta anos na prefeitura de Tóquio e que está com uma doença terminal diz, num bar, para um estranho: “Eu não posso morrer, pois não sei para que vivi durante todos esses anos”. Roger Ebert revia Viver a cada cinco anos: “Acredito – escreveu – que este seja um dos poucos filmes capazes de inspirar alguém a conduzir uma vida um pouco diferente”. Em VIVER, Watanabe é o paciente que se questiona, em ENCONTROS EM BERLIM é Martin, o médico.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar. A personalidade é considerada alterada quando apresenta desvios importantes do modo como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, sente, pensa e se relaciona com os outros. O transtorno - Transtorno Específico de Personalidade - aparece já na infância ou na adolescência. Entretanto, o diagnóstico nunca é dado antes dos 16 ou 17 anos de idade. São vários os Transtornos Específicos de Personalidade - leia no site o texto PERSONALIDADE DOENTE.
Para receber o diagnóstico de PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL o indivíduo tem de ter pelo menos dezoito anos e já ter apresentado algum distúrbio de conduta antes dos quinze anos. Distúrbio de conduta no sentido de violar normas ou regras sociais importantes e adequadas à idade. Podemos dividir em: agressão à pessoas e animais, destruição de propriedade, furto ou séria violação de regras.
School of Psychiatry, University of New South Wales, Sydney, Australia. phil.mitchell@unsw.edu.au
Sometimes dramatically changing vogues in diagnostic practice in psychiatry resemble the volatility of international share markets. One such quickly shifting diagnostic area has been that of bipolar disorder (BD). Historically regarded as a relatively uncommon condition until recent decades, the construct of BD underwent a major expansion in the 1990s and 2000s with promulgation of the concept of the soft bipolar spectrum disorder, from which the recent research focus on subthreshold BD presentations was derived. Related to this has been renewed interest in treatments for BD from the pharmaceutical industry. The increasing rates of diagnosis have largely related to BD II, for which there has been a dramatic broadening ofdiagnostic criteria. This article critically reviews research data, both for broadening the diagnostic criteria for BD and, conversely, for the growing evidence of overdiagnosis in clinical practice. Why does this debate matter? I would suggest that there are many valid reasons to be concerned about overdiagnosis: first, the potential for overtreatment or inappropriate treatment of such patients with mood stabilizing treatments, including antipsychotics; second, the potential for diagnostic oversimplification, with consequent diagnostic deskilling and loss of credibility for the psychiatric profession; and third, the potential major impact on etiologic research for this condition. Psychiatry should not uncritically accept the shift to overdiagnosis, which has developed a rapid momentum in recent decades, in both clinical and academic circles. We must ensure, as a profession, that any change in diagnostic practice is underpinned by rigorous and critical research inquiry.
Acompanho pessoas em suas tragédias pessoais há mais de vinte e cinco anos. A perda maior, não há dúvida, é a morte. Porém, não a própria morte e sim a morte de alguém que queremos muito e que, se não fosse o acidente ou a doença, teria ainda muitos anos pela frente. Não há sofrimento maior do que o de uma mãe ou de um pai que perde um filho. Inclusive, escrevi uma novela a respeito: Àrvore dos Sussurros. O filósofo Spinoza (1634-1677) afirmou: “O homem livre no que menos pensa é na morte”. Mas nenhum de nós está livre da tragédia. Todos estamos sujeitos a ser obrigados a voltar nosso pensamento para o fenômeno da morte.
J´accompagne des personnes dans leurs tragédies personnelles depuis plus de vingt-cinq ans. La plus grande perte, il n´y a aucun doute, c´est la mort. Non pas sa propre mort mais la mort de quelqu´un que nous aimons beaucoup et qui, sans l´accident ou la maladie, aurait encore eu de nombreuses années devant lui. Il n´y a pas de plus grande souffrance que celle d´une mère ou d´un père qui perd un enfant. J´ai d´ailleurs écrit une nouvelle à ce sujet: L´arbre des Murmures. Le philosophe Spinoza (1634-1677) a affirmé : « Ce à quoi l´homme libre pense le moins est la mort ». Mais personne d´entre nous n´est à l´abri de la tragédie. Nous sommes tous sujets à tourner notre pensée vers le phénomène de la mort.
Seit mehr als fünfundzwanzig Jahren begleite ich Personen durch ihre persönlichen Tragödien hindurch. Der größte Verlust wird dabei zweifelsohne durch den Tod dargestellt. Es ist jedoch nicht der Tod an sich, sondern vielmehr der Tod von jemand bestimmten, den wir besonders mögen und der, wenn nicht ein Unfall bzw. eine Krankheit dazwischengekommen wäre, noch über viele Jahre lang unter uns verweilt hätte. Es gibt kein größeres Leiden als das einer Mutter oder eines Vaters beim Verlust eines Kindes. Zu diesem Thema habe ich inklusive eine Geschichte geschrieben: „Baum des Flüsterns“. Durch den Philosophen Spinoza (1634-1677) wurde bereits bestätigt: „Ein freier Mann denkt am wenigsten an den Tod.“ Niemand unter uns ist jedoch vor dieser Tragik gefeit. Wir alle können dazu ausgesetzt werden unsere Gedankenwelt dem Phänomen Tod zuwenden zu müssen.
As depressões são doenças que afligem aproximadamente 10 % da população, estima o Ministério da Saúde. Numa cidade de 100.000 habitantes, 10.000 pessoas sofrem, sofreram ou vão sofrer de depressão. A depressão acomete adultos, crianças e velhos. Acredita-se que 60% destas pessoas ou não se tratam ou fazem tratamentos errados. Fato lastimável, porque hoje com os modernos tratamentos as pessoas melhoram e não precisam ficar cronicamente sofrendo.
According to the Health Ministry Department, depression is a disease that affects nearly 10% of the population.
Les dépressions sont des maladies qui affligent approximativement 10% de la population, estime le Ministère de la Santé.
Depressionen sind Krankheiten, welche laut Angaben des Gesundheitsministeriums auf annähernd 10% der Bevölkerung fallen.
Secondo il Ministero della Salute almeno 10% della popolazione ha questa malattia .
TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO
WEITERBEHANDLUNG
Provavelmente bem mais que 10% das mulheres desenvolvem um tipo de depressão após um parto ou cesariana. Não estou me referindo a um quadro de tristeza passageira e de falta de confiança na capacidade de cuidar do filho chamado de “blues” e que acomete de 50 à 80% das mulheres. Este não requer tratamento e em uma semana tende a desaparecer.
Il est probable que bien plus de 10% des femmes développent un type de dépression après un accouchement ou une césarienne. Je ne me réfère pas à une situation de tristesse passagère et de manque de confiance en ce qui concerne la capacité à prendre soin de l´enfant, qui est appelé « blues » et qui touche 50 à 80% des femmes. Cette situation ne requiert pas de traitement et tend à disparaître en une semaine.
Je me réfère à une maladie dépressive qui peut être légère, modérée ou grave. Elle peut être unipolaire ou bipolaire, ou bien elle peut rendre la femme psychotique, c´est-à-dire être en dehors de la réalité, dans une situation appelée de psychose puerpéral.
Les symptômes de la dépression unipolaire sont entre autres: tristesse, découragement, problèmes de sommeil, perte d´intérêt pour presque tout, insécurité, anxiété. L´anxiété, les symptômes de peur et de phobies sont communs dans la dépression unipolaire post-partum. La mère se préoccupe de son enfant de façon excessive. Il y a certains cas dans lesquels la mère ne peut même pas voir l´enfant, elle a la sensation de ne pas l´aimer ou bien elle a peur de pouvoir le blesser ou même le tuer. Lorsqu´il s´agit d´une dépression unipolaire grave, la femme a des difficultés de raisonnement, sa pensée devient très négative. Il y a un risque de suicide et d´infanticide. La vie et le monde causent tant de souffrance, il sont si mauvais qu´il vaut mieux en fuire et emmener l´enfant avec soi pour éviter qu´il ne souffre lui aussi. La dépression unipolaire peut donc devenir psychotique lorsque la femme présente des délires et des hallucinations.
La dépression bipolaire, situation dans laquelle la personne peut à la fois se montrer déprimée et accélérée, triste et euphorique, se manifeste en général les trois premiers jours après l´accouchement, commençant subitement. Quand la dépression devient psychotique, la gravité est énorme.
Wahrscheinlich entwickeln mehr als 10% aller Frauen nach der Entbindung bzw. dem Kaiserschnitt eine Art von Depression. Dabei beziehe ich mich nicht auf das Krankheitsbild von vorrübergehendem Trübsal und fehlenden Vertrauens in die eigene Kapazität sich um sein Kind zu sorgen, auch „Blues“ genannt, welches 50 bis 80% der Frauen befällt. Dieses bedarf keinerlei Behandlung und neigt dazu nach einer Woche zu verschwinden.
Autor: Jorge Salton
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
A personalidade é considerada alterada quando apresenta desvios importantes do modo como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, sente, pensa e se relaciona com os outros. O transtorno - Transtorno Específico de Personalidade -aparece já na infância ou na adolescência. Entretanto, o diagnóstico nunca é dado antes dos 16 ou 17 anos de idade.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar.
Personalidade pode ser conceituada como o conjunto de características que definem uma pessoa. Em palavras mais simples: o jeito da pessoa, o jeitão dela. Sua maneira de ser, de agir, de se relacionar. A personalidade é considerada alterada quando apresenta desvios importantes do modo como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, sente, pensa e se relaciona com os outros. O transtorno - Transtorno Específico de Personalidade - aparece já na infância ou na adolescência. Entretanto, o diagnóstico nunca é dado antes dos 16 ou 17 anos de idade. São vários os Transtornos Específicos de Personalidade - leia no site o texto PERSONALIDADE DOENTE.
Para receber o diagnóstico de PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL o indivíduo tem de ter pelo menos dezoito anos e já ter apresentado algum distúrbio de conduta antes dos quinze anos. Distúrbio de conduta no sentido de violar normas ou regras sociais importantes e adequadas à idade. Podemos dividir em: agressão à pessoas e animais, destruição de propriedade, furto ou séria violação de regras.
Transtornos Somatoformes, Síndrome de Münchausem e Simulação
A Classificação Internacional das Doenças reserva o código F63.0 para o jogo. Atividade habitualmente saudável, o jogo torna-se patológico quando se repete de forma persistente e, a despeito de conseqüências sociais adversas tais como empobrecimento e comprometimento das relações familiares, continua. O problema pode aparecer de forma episódica: por dias e dias o indivíduo não sai da frente do jogo esquecendo de todo o resto.
Por muitos anos participei ativamente de escolas de futebol e coordenei uma liga regional de futebol de campo para crianças e adolescentes. Chegamos a ter 1.200 jovens participando. Devido a isto, sou consultado sobre os prós e contras da competição nesta fase da vida. As oito perguntas mais freqüentes são:
Estresse
Consiste na atração sexual por crianças com idade pré-puberal ou no início da puberdade, geralmente com 13 anos ou menos. Alguns pedófilos se sentem atraídos por meninos, outros por meninas e outros por ambos.
É uma doença quase que exclusivamente encontrada em homens. Na Classificação Internacional das Doenças, décima revisão (CID-10), está colocada dentre os Transtornos de Preferência Sexual. O indivíduo deve ter no mínimo 16 anos e ser pelo menos 5 anos mais velho que a vítima. Aqueles que sentem atração pelo sexo feminino geralmente preferem crianças de 10 anos. Aqueles atraídos por menimos preferem crianças um pouco mais de idade. A vítima mais comum é a menina.
Alguns pedófilos sentem atração também por adultos, outros só sentem atração por crianças. Podem limitar suas atividades a seus próprios filhos, por filhos adotivos ou parentes, ou vitimar crianças de fora de suas famílias. Alguns chegam a casar com uma mulher por ela ter filhos atraentes.
Esta doença começa em geral na adolescência, embora há casos que só se iniciaram na meia-idade. O curso é crônico e as recidivas são freqüentes. Poucos procuram tratamento e o prognóstico varia muito. As chances de recuperação são melhores quando os desejos pedófilos permanecem apenas no mundo da fantasia.
Quando o indivíduo já ultrapassou a barreira de seu controle interior e praticou um ato pedófilo, o prognóstico se torna mais sombrio. Um pedófilo que mata uma criança seja por sadismo seja para esconder seu crime será para sempre perigoso a sociedade. Permaneça na cadeia o tempo que for, quando de volta as ruas o perigo de voltar a praticar o ato é enorme. No presídio, poderá ter um comportamento exemplar. Lá está longe de crianças, único estimulo para agir criminosamente. Porém, quando nas ruas...
Muitos pessoas com esse problema tem uma crítica e desejam sinceramente não praticá-lo. A propóstio, vale muito a pena assistir o filme O Lenhador.
(Jorge Alberto Salton)
Trata-se de um distúrbio que tem início em geral no final da adolescência ou no início da idade adulta. Consiste em episódios de compulsão para comer. Por exemplo, dentro de duas horas a pessoa come sem parar. Ela tem a sensação de falta de controle sobre o comportamento alimentar. Ela se auto-avalia tendo por base seu peso. Muitas vezes, após comer provoca o vômito ou usa laxantes e diuréticos. O paciente avalia de forma errônea sua aparência corporal. Por exemplo, após uma refeição adequada, o paciente olha-se no espelho e acredita que está muito mais gorda.
Il s´agit d´un trouble qui commence en général à la fin de l´adolescence ou au début de l´âge adulte. Ce sont des périodes de besoin maladif d´absorber de grandes quantités de nourriture. Par exemple, la personne va manger sans s´arrêter pendant deux heures. Elle a la sensation de manque de contrôle sur son comportement alimentaire. Elle s´auto-évalue, ayant pour base son poids. Souvent, après avoir manger, elle provoque le vomissement ou prend des laxatifs et des diurétiques. Elle évalue de façon erronée son apparence corporelle. Par exemple, après un repas approprié, elle va se regarder dans un miroir et va penser qu´elle est beaucoup plus grosse.
Hierbei handelt es sich um eine Störung, welche im Allgemeinen am Ende der Jugendzeit bzw. beim Eintritt ins Erwachsenenalter seinen Anfang nimmt. Sie drückt sich in Momenten aus, in welchen ein Zwang zum Essen vorliegt. Zum Beispiel isst die jeweilige Person dabei zwei Stunden lang ohne Unterbrechung. Sie hat dabei ein Empfinden fehlender Kontrolle über ihre Essgewohnheiten. Auf ihr eigenes Gewicht basiert, schätzt sie sich selbst ein. Oftmals löst sie nach dem Essen einen Brechreiz aus oder nimmt abführende und harntreibende Mittel ein. Der Patient schätzt sein körperliches Erscheinungsbild auf irrtümliche Weise ein. Nach einer angebrachten Mahlzeit sieht sich der Patient zum Beispiel im Spiegel an und glaubt dann, dass er nun noch mehr zugenommen habe.
Síndrome caracterizada por movimento motor involuntário, recorrente, com produção vocal ou não, que tem início súbito e sem motivo aparente: piscar de olhos, movimentos bruscos do pescoço, pigarros, latidos, fungados. Os sintomas iniciam na infância em geral entre os dois e os doze anos.
FOBIA SOCIAL
Phobie Sociale
GESELLSCHAFTSPHOBIE
Fobia Sociale
Apesar de parentes próximos, o ato de fofocar é diferente do ato de caluniar. Fofocar significa intrigar. Caluniar consiste em difamar fazendo acusações falsas ou atribuindo falsamente a alguém fato definido como crime. Na calúnia, portanto, há violência maior.
A agressão física já é claramente identificada como negativa ao convívio entre as pessoas. Há consenso no sentido da necessidade de se conter e coibir os agressores. Nossa cultura está prestes a identificar também na calúnia uma agressão que pode e deve ser coibida e contida. Mas ainda não chegamos lá. Ainda procuramos negar e esconder este fenômeno quando dele somos vítimas. Sentimos vergonha de ser caluniados quando vergonha seria adequado sentir aquele que gera a falsa acusação. Por vezes, até mesmo nos submetemos ao caluniador do grupo em que convivemos.
The act of calumniating is different than gossiping, although closer in meaning. To gossip means to provoke intrigue/ to hatch plots. To calumniate is to speak ill of someone, making false accusations or to blame someone for a crime, therefore there is more violence in the act of calumniating. Physical aggression is clearly identified as the avoidance of conviviality among people. There is a consensus towards the need in refrain and restrain aggressors.
Bien qu´ils soient proches, le commérage est différent de la calomnie. Le commérage signifie quelque chose qui intrigue. La calomnie consiste à diffamer en faisant de fausses accusations ou en attribuant faussement à quelqu´un un fait défini de crime. Il y a donc une plus grande violence dans la calomnie.
Obwohl dicht verwandt, ist Geschwätz nicht dasselbe wie Verleumdung. Geschwätz bedeutet Intrigen schüren. Die Verleumdung besteht darin andere mittels falscher Beschuldigungen bzw. der falschen Zuschreibung einer als Straftat bezeichneten Handlung zu diffamieren. In der Verleumdung liegt daher eine größere Gewaltanwendung vor.
L’atto di pettegolare è diverso dall’atto di calunniare, benché siano parenti vicini. Pettegolare significa intrigare. Calunniare significa diffamare: intaccare la buona fama di qualcuno diffondendo maldicenze sul suo conto. Dunque nella calunnia la violenza è maggiore.
MANEJANDO CONFLITOS DE RELACIONAMENTO DESENVOLVENDO INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL
En gérant les conflits relationnels.
UMGANG MIT BEZIEHUNGSKONFLIKTEN ENTWICKLUNG VON ZWISCHENMENSCHLICHER INTELLIGENZ
O rio Passo Fundo já teve um ponte construída a imagem e semelhança das pontes de Paris e com pedras fixadas por cimento vindo da Inglaterra. Difícil de acreditar? Muitas coisas referentes ao passado de nosso rio são difíceis de acreditar. A começar que nele deslizava-se de canoa, dava-se alguns mergulhos e um que outro peixe se pescava.
AGITAÇÃO MILITAR E POLÍTICA
Armando Annes tomou posse em 21 de outubro de 1932 recebendo o cargo do intendente anterior, Henrique Scarpellini Ghezi que, por sinal, fora vice-intendente de Armando Annes no período 1924-1928. Entregou o cargo em 3 de dezembro de 1934 para o novo intendente, Maximiliamo de Almeida que, era seu vice.
Pela primeira vez Passo Fundo elege diretamente, como voto do povo, um prefeito. Sobre essa administração veja VÍDEOS: ADMINSITRADOR (1) e ADMINISTRADOR (2) e O VELHO-NOVO. Na foto, vemos Armando Annes (de óculos) sendo cumprimentado pela vitória nas urnas por César Santos, médico que mais tarde seria também eleito prefeito de Passo Fundo.
A exposição de slides em anexo consiste em aproximadamente duzentos postais trazidos por Armando Araújo Annes da Europa. Retratam a Europa do início do século XX. Como na época só havia fotografia em preto e branco, os postais coloridos são pinturas magnificas sobre partes de inúmeras cidades. Infelizmente, alguns destes locais foram danificados posteriormente ou na Primeira ou na Segunda Guerra Mundial. O último postal é, na verdade, uma foto atual do prédio onde residiu Armando Annes na França. Ele está de pé e ainda hoje é habitado. Pelo Google podemos "passear" pela sua rua.
Em 11 de fevereiro de 1925, o intendente Aramando Annes regulamentou o trânsito de automóveis no município.
RISCO-BENEFÍCIO DO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR
*Jorge Alberto Salton
Há hoje uma overdiagnosis do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) (OVERTAB) como bem demonstra o psiquiatra australiano Philip Mitchel em artigo recente no Can J Psychiatry (1). Tal modismo pode estar acarretando prescrição excessiva e indevida de certos medicamentos, entre eles a lamotrigina.
Recentes artigos de revisão sobre a lamotrigina aponta para a sua nula ou baixa eficácia no TAB. Casos são publicados nos quais o uso desse anticonvulsivamente acarretou síndromes graves que podem levar ao óbito: Steven-Johnson, Lyell, insuficiência hepática aguda.
EFICÁCIA
A lamotrigina surgiu para a psiquiatria após artigo de Calabrese JR et all (2). A substancia fora comparada com placebo e não com substancia já reconhecida como eficaz no quadro. Na Escala de Hamilton (medida primária de eficácia) o efeito da lamotrigina no TAB fora equivalente ao do placebo. Os autores, entretanto, encontraram vantagem na Escala de Montogomery-Asberg (medida secundária de eficácia). Contra suas próprias evidências, surpreendentemente, os autores a recomendaram afirmando que a lamotrigina em monoterapia é um tratamento eficaz e bem tolerado para a depressão bipolar.
Ao contrário desse artigo, revisão publicada em 2011 conclui que: “there are no grounds for recommending its use in manic or mixed states, in rapidly-cyclin bipolar I ou in unipolar depression”(3).
Revisão ainda mais recente, publicada agora em 2013, também não encontra a eficácia sugerida inicialmente e propõe que as novas Diretrizes rebaixem sua colocação: “We did not perform a systematic search of articles dealing with the use of LTG in BD because we wanted to discuss the role and position of LTG in recent therapy guidelines on BD, and to recapitulate its changing position throughout time based on newer publications used in the development of treatment guidelines. Results of our study emphasize the changing position of LTG in international therapy guidelines”(4).
EFEITOS COLATERAIS GRAVES
É do conhecimento de todos que a lamotrigina pode desencadear rash cutâneo que pode evoluir para a Sindrome Steven-Johnson e para a necrólise epidérmica ou síndrome de Lyell. Entretanto, dizia-se que o efeito colateral apareceria no início do uso e depois não mais. E que se deveria introduzi-la aumentando 25 mg a cada 14 dias e assim esse feito perigoso raramente ocorreria. (A propósito, quantos colegas introduzem assim tão lentamente a lamotrigina? E o paciente pode esperar tanto tempo para chegar aos 200 mg e assim ter o suposto efeito terapêutico desejado?) Entretanto, já há relato de rash cutâneo tardio severo com a paciente fazendo uso da substância há oito meses (5).
E há um outro efeito que pode evoluir para a morte com uso da lamotrigina: insuficiência hepática aguda. Basta ver artigo de Nogara et all: uma mulher de 32 anos com o diagnostico de TAB fazia uso de carbolitium e foi lhe acrescentado lamotrigina. Após 35 dias de uso com lamotrigina (estava com 50 mg) baixou na emergencia com vômitos, alteração do nível de consciência, evoluindo para disfunção hepática aguda e óbito (6).
MODISMOS E SEUS MALES
Podemos usar um medicamento com efeitos colaterais perigosos se realmente o paciente apresenta uma doença grave e incapacitante e se os demais tratamentos menos perigosos não surtirem efeito. Situações-limite em que não temos melhor escolha. E, nos tempos de hoje, os riscos devem ser colocados ao paciente e aos seus familiares.
Por que vamos colocar em risco de morte o nosso paciente se há outra opção? Como ficará nosso futuro profissional (e pessoal!) caso o nosso paciente venha a falecer por uma medicação que não era indicada pelo diagnostico não ser o correto ou por sua nula ou baixa eficácia ou por haver uma medicação menos perigosa para tratar sua doença?
Em 1987 Akiskal e Mallya inciaram a divulgação do conceito de Espectro Bipolar. Após anos de divulgação, na minha opinião apressada e acrítica, a bipolaridade virou moda. Colegas de grande respeito como Philip Mitchel e João Romildo Bueno vem analisando criticamente esse conceito (7) (8).
O mal do diagnostico indevidamente expandido da doença bipolar é muito grande. Até hoje só está de fato comprovada a utilidade de alguns poucos medicamentos nos quadros bipolares das classificações oficiais. Muitas pessoas podem estar usando medicamentos desnecessariamente, talvez pelo resto de suas vidas.
Outro problema é a banalização do diagnóstico psiquiátrico com sua desqualificação e conseqüente descrença na profissão. Quando muitas pessoas distantes do núcleo da doença são colocadas nela, a pesquisa fica dificultada.
Essa expansão diagnóstica veio acompanhada de uma série de lançamentos da indústria farmacêutica. A população foi atraída para esse campo: a doença passou a ser romantizada e banalizada. Nos Estados Unidos, por exemplo, atores e outras figuras públicas passaram ser apresentados como bipolares e enaltecidos em suas habilidades e capacidades criativas; na verdade, a doença real caminha no sentido oposto.
O termo bipolar perdeu o significado médico. (Quando Internacional e Vitória empataram no inicio do Campeonato Brasileiro deste ano, a imprensa esportiva considerou que o time gaúcho havia jogado mal no primeiro tempo e bem no segundo e noticiou: “O time do Inter é bipolar”).
Essa expansão atingiu também a população infantil. Na última década, acredita-se que o diagnostico de bipolaridade na infância aumentou em cerca de quarenta vezes.
Creio que precisamos repensar. Aproveitar a discussão diagnóstica suscitada pela publicação da DSM-V e... repensar.
Referências Bibliográficas:
(1) Mitchel PB. Bipolar Disorder: The Shift to Overdiagnosis. Can J Psychiatrty 2012;57(11):659–665.
(2) Calabrese JR, Bowden CL, Sachs GS, Ascher JÁ, Monaghan E, Rudd GD. A double-blind placebo-controlled study of lamotrigine monotherapy in outpatients with bipolar I depression. Lamictal 602 Study Group. J Clin Psychiatry. 1999;60(2):79-88.
(3) Amann B, Born C, Crespo JM, Pomarol-Clotet E, McKenna P. Lamotrigine: when and where does it act in affective disorders? A systematic review. Psychopharmacol 2011 oct: 25(10):1289-94.
(4) Anja Trankner, Christian Sander and Peter Schonknecht A critical review of the recent literature and selected therapy guidelines since 2006 on the use of lamotrigine in bipolar disorder. Neuropsychiatr Dis Treat 2013:9:101-111.
(5) Ribeiro R, Rosa A e Maia T. Rash Cutâneo Tardio na terapêutica com Lamotrigina – A Propósito de um Caso Clínico Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca. 2005 Vol1N2.
(6) Nogara M et all. Insuficiência hepática aguda potencialmente induzida por lamotrigina: relato de caso. SBMD 2008 www.sbmd.org.br/Artigos.../relato_2_insuficiencia_hepatica_aguda.pdf (visitado 31/05/2013)
(7) Romildo Bueno J O “espectro” Bipolar. Psychitry on Line. Março 2009 - Vol.14 - Nº 3 (visitado em 31/05/2013).
(8) Romildo Bueno J Considerações a respeito da fragilidade das hipóteses em psiquiatria e em psicofarmacoterapia. Revista Debates em Psiquiatria, out 2012.
COMO SE JULGA A QUALIDADE DE UMA PESQUISA?
No final do texto, sempre haverá algum artigo sendo avaliado e criticado de acordo com os critérios antes expostos. Este texto nunca estará concluido. Sempre será acrescido de mais informações: a conta-gotas. Leia ao final recomendação de texto sobre como escrever uma resenha científica.
Para avaliar um artigo que descreve uma pesquisa científica, é necessário conhecimento na área e conhecimento de metodologia cientifica.
Vamos perguntar:
Os grupos foram randomizados?
Há grupo controle?
O grupo controle é active control ou placebo-controlled?
O experimento é cego?
Foi feita análise estatística adequada?
Discutiu-se os resultados encontrados?
Enfim, há uma chek-list. Para chegar lá, entretanto, vamos relembrar alguns conteúdos de metodologia. Método, igual a caminho. Vamos ver como é esse caminho.
PESQUISAS CLINICAS E SUAS FASES
Fase I – Segurança e não eficácia.
Requer em geral de 20 a 80 indivíduos.
Observar efeitos colaterais.
Determinar dose aseitável.
Observar metabolismo.
Observar biodisponibilidade.
Fase II – Segurança e eficácia.
Requer em geral 100 a 200 indivíduos.
Selecionar a substancia menos tóxica.
Selecionar a substancia mais eficaz.
Fase III - Avaliação em larga escala do tratamento.
Comparar a substância com o(s) tratamento(s) padrão disponível para a mesma condição. Ensaio clínico controlado envolvendo um número suficientemente grande de pacientes.
Fase IV - Fase de vigilância pós-comercialização (postmarketing surveillance).
Monitoramento de efeitos adversos e estudos adicionais, em larga escala, a longo prazo, de morbidade e mortalidade.
ESTUDO CLINICO CONTROLADO RANDOMIZADO
Compara o efeito de uma substância utilizando num grupo que a experimenta com outro chamado de grupo controle. Os grupos são formados aleatoriamente através da técnica da randomização. São chamados de estudos comparativos.
Controle. É necessário comparar a experiência de um grupo de pacientes sob o novo tratamento com um grupo de pacientes semelhantes que recebam o tratamento convencional (controle positivo ou active control); a base de comparação. Caso não haja nenhum tratamento convencional de real valor, pode ser apropriado usar um grupo controle que receba apenas placebo (controle negativo ou placebo-controlled). Vieira e Hossne alertam: “A industria farmacêutica prefere que a base de comparação sejua um grupo controle submetido a placebo, porque assim pode concluir que o medicamento que produz é melhor do que placebo, em lugar de arriscar-se a concluir que está produzindo um medicamento menos eficiente do que o da concorrente” (p. 56, Metodologia Científica para a Área da Saúde; editor Campus).
Placebo. Substância de aparência, forma e administração semelhante ao tratamento que está sendo avaliado, porém sem ter o princípio ativo do mesmo.
Há ainda o efeito placebo, oriundo das expectativas positivas que foram criadas. E o efeito nocebo, oriundo das expectativas negativas que foram criadas. O uso de placebo só é aceito quando para a doença estudada ainda não há nenhum tratamento reconhecidamente eficaz. Caso contrario, a comparação deverá ser feito com o tratamento mais efetivo que existe no momento da pesquisa.
Randomização. A pesquisa com distribuição casual do tratamento em teste nos grupos formados são chamadas de Experimentos Clínicos Casualizados. Em inglês: Randomized Clinical Trials – RCT. A formação casual ou randomizada dos grupos pode ser feita de diferentes maneiras:
Simples - Por exemplo, os ímpares vão para o tratamento e os pares para o controle; os participantes são colocados nos grupos de estudo sem etapas intermediárias.
Randomização em blocos (block randomization) – São criados blocos de número fixo de indivíduos, de igual tamanho, dentro dos quais são distribuídos os tratamentos em questão, bloco por bloco.
Randomização pareada - Cria-se pares de participantes e a alocação aleatória é feita no interior do par, de tal forma que um indivíduo receba o tratamento em estudo e o outro o controle;
Randomização por minimização – Para minimizar as diferenças, que podem ter ficado ao se fazer a randomização simples. Através do auxílio da informática se cataloga toda e qualquer variável e vai se corrigindo os grupos procurando assemelhá-los ao máximo.
Randomização estratificada – Cria-se estratos e a alocação aleatória é feita dentro de cada estrato.
Retrospectivo ou Prospectivo. Nos estudos retrospectivos, os indivíduos são seguidos dos efeitos para a causa. Por exemplo: um grupo de pessoas com problemas respiratórios e outro saudável; qual grupo fuma mais? Nos estudos prospectivos, os indivíduos são seguidos da causa para o efeito; para frente. Acompanha-se um grupo de fumantes e um de não-fumantes por determinado tempo. Qual grupo passou a apresentar mais problemas respiratórios?
TAMANHO DA AMOSTRA
A amostra requer um tamanho x para que o resultado possa ser extrapolado para toda a população e não só para aquela pessoas participantes daquela pesquisa. Isso requer um tratamento estatístico adequado. Quando o número de participantes precisa ser muito grande, a saída é se fazer o chamado ensaio multicêntrico. Como diz o nome, envolve muitos centros de captação de indivíduos para a pesquisa.
VIESES OU BIAS
Viés de observação. Como os dados estão sendo captados? Há mais precisão com a avaliação cega ou mascaramento / blinding. Técnica duplo-cego: nem o paciente nem os responsáveis pela seu tratamento e nem os avaliadores sabem a medicação que ele está recebendo. Os três tipos de participantes estão cegos quanto à condição do tratamento; em geral, quem trata é quem avalia, em vez de triplo-cego, virou hábito chamar duplo-cego.
Há que se evitar o efeito Hawthorne: a tendência das pessoas de mudarem seu comportamento porque são alvos de interesse e atenção especial. Quando não sabem que estão no alvo, o comportamento delas permanece natural. Outro problema: o pesquisador entusiasmado por um novo tratamento; seu entusiasmo pode contaminar o pesquisado.
Viés de publicação: são mais publicadas as pesquisas que dão resultados positivos. E isso é um grande problema.
ENSAIO SEQUÊNCIAL OU CROSS-OVER
As vezes, a avaliação é feita de forma seqüencial no mesmo paciente: cada paciente da pesquisa receberá mais do que um tratamento. No trabalho do médico no seu dia-a-dia com seus pacientes a avaliação seqüencial é quase rotina.
REVISÃO SISTEMATICA E META-ANÁLISE
Na revisão, o autor revê os artigos que encontra ou os artigos que considera importante. Mas não precisa especificar ao leitor os critérios de escolha. Na revisao sistematica o autor procura encontrar todos os artigos ou determina os criterios de selecao dos artigos. Por exemplo, so optou por artigos de pesquisas randomizadas duplo cegas. Os critérios de inclusão e de exclusão dos artigos devem ser especificados. E também de qual lista de referência eles foram buscados, Medline, por exemplo. E esperado que se inclua apenas estudos prospectivos e estudos casualizados, randomizados. Esses estudos sao submetidos a analises estatisticas e entao sao chamados de meta-analises. Na meta-análise, se os resultados dos estudos examinados não diferem muito, são adotados procedimentos estatísticos para combinar todos os resultados e se chegar a um só valor. Assim se pode generalizar os resultados de vários estudos quantitativos existentes na literatura. As Cochrane Reviews se tornaram o padrao ouro para revisoes sistematicas. As revisões sistemáticas e as meta-análises são consideradas pesquisas secundárias. Já os ensaios clínicos e os estudos de casos são considerados pesquisas primárias.
ANALISANDO UM ARTIGO
ANÁLISE DO TÍTULO
.Relevância do assunto
.Originalidade
ANÁLISE DE RESUMO
.Desenho: observação / intervenção
.Fatores em estudo
.Desfecho
.Validade interna
.Força de associação
.Validade externa
ARTIGOS ANALISADOS COMO EXEMPLOS
UM
J Clin Psychiatry. 1999 Feb;60(2):79-88.
A double-blind placebo-controlled study of lamotrigine monotherapy in outpatients with bipolar I depression.
Calabrese JR, Bowden CL, Sachs GS, Ascher JA, Monaghan E, Rudd GD.
Abstract
BACKGROUND:
More treatment options for bipolar depression are needed. Currently available antidepressants may increase the risk of mania and rapid cycling, and mood stabilizers appear to be less effective in treating depression than mania. Preliminary data suggest that lamotrigine, an established antiepileptic drug, may be effective for both the depression and mania associated with bipolar disorder. This is the first controlled multicenter study evaluating lamotrigine monotherapy in the treatment of bipolar I depression.
METHODS:
Outpatients with bipolar I disorder experiencing a major depressive episode (DSM-IV, N = 195) received lamotrigine (50 or 200 mg/day) or placebo as monotherapy for 7 weeks. Psychiatric evaluations, including the Hamilton Rating Scale for Depression (HAM-D), the Montgomery-Asberg Depression Rating Scale (MADRS), Mania Rating Scale, and the Clinical Global Impressions scale for Severity (CGI-S) and Improvement (CGI-I) were completed at each weekly visit.
RESULTS:
Lamotrigine 200 mg/day demonstrated significant antidepressant efficacy on the 17-item HAM-D, HAM-D Item 1, MADRS, CGI-S, and CGI-I compared with placebo. Improvements were seen as early as week 3. Lamotrigine 50 mg/day also demonstrated efficacy compared with placebo on several measures. The proportions of patients exhibiting a response on CGI-I were 51%, 41%, and 26% for lamotrigine 200 mg/day, lamotrigine 50 mg/day, and placebo groups, respectively. Adverse events and other safety results were similar across treatment groups, except for a higher rate of headache in the lamotrigine groups.
CONCLUSION:
Lamotrigine monotherapy is an effective and well-tolerated treatment for bipolar depression.
CRÍTICA:
O grupo controle foi “placebo-controlled”.
As conclusões foram apressadas e incorretas pois não cabia a generalização.
DOIS
Chavant F, Favrelière S, Lafay-Chebassier C, Plazanet C, Pérault-Pochat MC Br J Clin Pharmacol. Memory disorders associated with consumption of drugs: updating through a case/noncase study in the French PharmacoVigilance Database. Dec. 2011: 72(6): 898-904.
Artigo escrito por François Chavant e colaboradores do Service de Pharmacologie clinique et Vigilances, Centre Régional de PharmacoVigilance et de Renseignement sur les Médicaments, Poitiers, France. Poitiers é uma cidade de cerca de 90 mil habitantes.
Os autores coletaram dados retirados do French Pharmaco Vigilance Database (FPVD). Esse banco de dados foi alimentado por relatórios enviados expontaneamente por profissionais da saúde. Eles comunicavam queixas referidas por pacientes em tratamento com medicamentos supostamente devido a eles: Adverse Drug Report (ADR). Se ativeram aos relatórios registrados entre 1 de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2009.
Dos 188.284 relatórios, haviam 519 com queixas sobre perda de memória. Não se incluíram aí casos de demência. Portanto, apenas 0,3% de todos os casos foram encontrados alusão a alteração na memória. Muitos dos relatórios não especificavam o tipo de alteração da memória. Porém a maioria dos casos foi referido como não grave e as alterações eram reversíveis. Provavelmente, eram amnésias transitórias.
Os autores referem apenas que os medicamentos foram considerados suspeitos de causar alteração na memória. Desses casos suspeitos, 76 casos referem uso de hipnóticos, 68 de anticonvulsivantes, 66 de ansiolíticos, 55 de antidepressivos e 29 de antipsicóticos. As substâncias mais referidas foram por ordem: zolpidem, topiramato, zoplicona, alprazolam e bromazepam.
Os resultados surpreederam os autores, pois eles achavam que os benzodiazepínicos provocariam mais alterações na memória que o zolpidem(Stilnox) e a zoplicona (Imovane).
CRÍTICA
1. Na hierarquia das evidências, um estudo transversal como este situa-se apenas acima de relato de caso.
2. Os dados coletados estavam sujeitos ao viés do conceito prévio que os pacientes tinham sobre o efeito de determinado medicamento na memória.
3. Os dados coletados estavam sujeitos ao viés do conceito prévio que os profissionais da saúde que coletaram as informações dos pacientes tinham sobre o efeito de determinado medicamento na memória.
4. Não há referência a que tipo de alteração da memória havia em todos os relatos.
5. Não há referência a doença que o paciente apresentava para a qual foi prescrita a medicação. Seria a doença a causa da alteração da memória?
6. Está relatado que em alguns casos quando a medicação foi retirada houve melhora na memória. A medicação foi retirada porque os sintomas da doença que o medicamento tratava haviam desaparecidos? A melhora na memória foi devida a melhora da doença que a causava?
7. Os casos foram definidos como todos aqueles em que havia queixa de alteração da memória. Os não-casos, todos aqueles em que não havia essa queixa. Dúvida: entre os não-casos havia pacientes que faziam uso dos medicamentos estudados e mesmo assim não apresentavam distúrbio da memória?
8. Portanto, a pesquisa consegue apenas confirmar que alguns pacientes e que alguns profissionais da saúde acreditam que determinados medicamentos podem prejudicar temporariamente a memória.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:
Greenhalgh T. Como ler artigos científicos: fundamentos da medicina baseada em evidências. 4ª ed. Porto Alegre. Artmed, 2013.
Pessoa, J. et all. Diretrizes básicas para elaboração de resenhas. Texto no site:
http://pt.scribd.com/doc/6689720/Modelo-de-Resenha
RESENHA
Resenha de um artigo científico, do capítulo de um livro ou de um livro inteiro não é seu resumo. No resumo, consta apenas e exclusivamente as idéias do autor lido.
A resenha também traz as idéias do autor lido mas vai além disso. A resenha traz idéias de outros autores sobre o tema e traz as idéias e as análises e as críticas de quem escreve a resenha.
Ela pode ser feita de duas maneiras: (A) Primeiro fazer um resumo completo das idéias do autor resenhado e, ao final, acrescentar as idéias de outros autores, as idéias, as análises e as críticas de quem está resenhando; (B) Alternar: uma parte do resumo das idéias do autor resenhado, um parte das idéias de outros autores, das idéias, das análises e das críticas de quem está resenhando.
Etapas.
1. Faça a leitura completa do texto do início ao fim e pergunte-se: 1.1. Do que trata o texto? 1.2. Qual a idéia, o conteúdo principal do texto? 1.3. Quais as idéias secundárias.
2. Leia novamente, sublinhando as partes do texto que mais lhe chamam a atenção.
3. Comece escrevendo seu texto, inclusive a Referência Bibliográfica do texto resenhado, segundo as normas da ABNT (Ver em: formatacaoabnt.blogspot.com )
4. Faça a capa.
5. Escreva sua resenha usando o verbo na terceira pessoa.
6. Faça citações do autor para fundamentar melhor.
7. Inclua as idéias, análises, críticas de outros autores.
8. Inclua as suas idéias, análises e críticas.
PSICOPATAS: CONHEÇA-OS E PROTEJA-SE
INTRODUÇÃO
A psicopatia é uma doença que traz muito sofrimento para aqueles que convivem com o doente. Seus sintomas mais visíveis são: falta de empatia, ausência de sentimentos morais – como remorso ou gratidão –, extrema facilidade para mentir e grande capacidade de manipulação.
O termo psicopata começou a ser usado para se referir a todos os chamados transtornos de personalidade. Posteriormente, ficou restrito ao transtorno de personalidade anti-social. E assim essa doença é denominada nas classificações das doenças mentais.
Alguns estudiosos do assunto, entretanto, preferem o nome psicopata por achar que esta denominação reúne todos os quadros. A denominação anti-social não abrigaria os casos mais graves.
Nas prisões masculinas, estima-se que de 15 a 20% dos prisioneiros sejam psicopatas. Na população em geral, estima-se que 2 a 3% dos homens e 1% das mulheres sejam psicopatas. Mas são estimativas muito imprecisas devido a dificuldade de se fazer uma pesquisa a respeito. Mas há consenso de que o problema que as sociedades enfrentam é bem maior, pois muitos indivíduos mesmo não se enquadrando no diagnóstico, apresentam alguns ou vários dos sintomas.
Há, portanto, variações na forma de apresentação desse fenômeno que denominamos psicopatia ou personalidade anti-social. Visto por outro ângulo, poderíamos dizer que há um continuum que vai da plena normalidade à psicopatia absoluta no que alguns estão denominando de “espectro psicopático”.
DIAGNÓSTICO
Classificações
Para receber o diagnóstico de psicopata ou personalidade anti-social os indivíduos devem preencher os critérios das classificações como a DSM (Disagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) americana e a CID (Classificação Internacional das Doenças) da Organização Mundial da Saúde. Em ambas, há alterações importantes na forma como o paciente se porta nas relações interpessoais, no seu afeto, no estilo de vida e no seu comportamento em relação às normas sociais: (1) Eloquentes e superficiais; (2) Egocêntrico e grandioso; (3) Ausência de empatia; (4) Enganador e manipulador; (5) Emoções superficiais; (6) Ausência de culpa e de remorso; (7) Impulsividade; (8) Controle comportamental pobre; (9) Necessidade de excitação; (10) Falta de responsabilidade; (11) Infância e adolescência com problemas de comportamento; (12) Comportamento adulto anti-social.
Escala de avaliação
É cada vez mais reconhecido mundialmente a escala de avaliação desenvolvida por Robert Hare, psicólogo canadense de Vancouver (1): PCL-R. ( Psychopathy Checklist - Revised).
Um checklist de 20 itens, com pontuação de zero a dois para cada item, num total de 40 pontos. Um resultado acima de 30 pontos traduziria um psicopata típico. Sua aplicação requer um treinamento. O teste vem com um manual explicativo. Sua versão validada no Brasil pela psiquiatra forense Hilda Morana está a venda na Casa do Psicólogo porém somente para psicólogos. Os 20 elementos que compõem a escala são: 1) loquacidade/charme superficial; 2) auto-estima inflada; 3) necessidade de estimulação/tendência ao tédio; 4) mentira patológica; 5) controle/manipulação; 6) falta de remorso ou culpa; 7) afeto superficial; 8) insensibilidade/falta de empatia; 9) estilo de vida parasitário; 10) frágil controle comportamental; 11) comportamento sexual promíscuo; 12) problemas comportamentais precoces; 13) falta de metas realísticas em longo prazo; 14) impulsividade; 15) irresponsabilidade; 16) falha em assumir responsabilidade; 17) muitos relacionamentos conjugais de curta duração; 18) delinqüência juvenil; 19) revogação de liberdade condicional; e 20) versatilidade criminal.
Os não criminosos em geral estão entre zero e doze pontos. Entre doze e vinte e três encontram-se pessoas que apresentam um transtorno parcial com alguns dos sintomas sendo mais proeminentes. Se pertencer à população carcerária, o risco de reincidência criminal após a libertação é baixo. Já quem está acima de vinte e três apresenta risco alto de reincidência. Mais ainda se estiver entre trinta e quarenta quando então o diagnóstico pode ser estabelecido como psicopata pleno.
DETALHANDO ALGUNS DOS SINTOMAS
Emoções superficiais
Robert Hare, cita as palavras de um psicopata: “Há emoções, um espectro inteiro delas, que eu conheço só de ouvir falar, das minhas leituras e da minha imaginação. Eu posso imaginar que estou sentindo essas emoções (e sei, portanto, o que elas são), mas eu não sinto” (2).
O medo, por exemplo, também é “raso”. Hare cita outro psicopata: “Quando eu assalto um banco, vejo que o caixa está tremendo ou nem consegue falar. Teve uma que vomitou no dinheiro todo. Ela devia estar bem bagunçada por dentro, mas eu não sei porquê” (3).
O medo nos ajuda: “Não faça isso e vai se arrepender”. Ou o contrário: “Faça isso e vai se arrepender”. Isso não acontece com quem é psicopata.
O psicopata pode usar o termo amor, mas não o sente da forma como quem tem empatia sente. É um amor exclusivamente possessivo. Ama sua mulher assim como ama seu carro. Quando a mulher não mais servir, se desfaz dela como se desfaz de um carro que não lhe serve mais.
Controle comportamental peculiar
Possuem um controle comportamental inicial pobre, mas em seguida conseguem se conter. Ofendem-se, ficam com raiva e tornam-se agressivos por coisas triviais a ponto de outros nem saberem o motivo. Porém, durante a própria ação hostil, eles recuperam o controle sobre seu comportamento: “Eu decido se vou bater muito ou pouco no cara”. Quem vivencia emoções profundas, tem mais dificuldade para recuperar o controle.
Tédio
Alguns psicopatas se entediam facilmente. Necessitam de contínua e excessiva excitação. Por isso, estão sempre procurando ações que os ponham no limite, e é também por isso que acabam quebrando regras.
Percepção da realidade
O processo de avaliar se algo deve ser feito ou não, de avaliar suas consequências, envolve o conhecimento intelectual e a percepção das emoções despertadas. Do ponto de vista intelectual, o psicopata em geral sabe que determinada conduta é condenável, mas, em seu sentir, ele não percebe quão errado é. Ele pode perceber que ele é diferente da maioria das pessoas e que isso é um problema, mas não se importa. Faz o que deseja, sem que isso passe por um filtro emocional.
Linguagem
Os dois hemisférios cerebrais, normalmente, possuem algumas funções especiais diferentes. A linguagem, comumente, é função do hemisfério esquerdo. Processos lingüísticos bilaterais são encontrados em determinados grupos, entre eles os psicopatas.
Ainda não se sabe bem as conseqüências disso. Entretanto, o psicopata costuma fazer colocações contraditórias e inconsistentes. Por exemplo: “Sei que posso ter enganado muita gente. Mas o fato é que a minha palavra vale ouro”. Também, dá para perceber que suas palavras não são vinculadas a emoções. É como se não enxergasse as cores. É como já disse alguém: “Eles entendem as palavras, mas não a música”.
Pesquisas corroboram isso. As palavras neutras - pedra, água, cadeira, etc. - fornecem menos informações do que as palavras que, para o normal das pessoas, estão ligadas a emoções - tristeza, aniversário, amor, morte, etc. As palavras emocionais tocam em nós, chamam mais nossa atenção do que as neutras.
Se você coloca uma pessoa frente a uma sucessão de palavras inteligíveis e não inteligíveis e pede para que a pessoa clic o mais rápido possível quando a palavra for inteligível, ocorre o seguinte: as palavras inteligíveis carregadas de emoção são clicadas mais rapidamente que as neutras, pois são mais “fortes”, nos chamam mais rapidamente a atenção. Para os psicopatas não. O tempo que levam para clicar nas palavras emocinais e nas neutras é o mesmo.
Por exemplo, as palavras de amor dos psicopatas são vazias e nada mais: não são capazes de lhes colorir com sentimentos verdadeiros.
A nossa voz interior – a voz da consciência – é normalmente carregada de sentimentos. E esse fato faz com que essa voz tenha muita força em nosso comportamento. Se ajo errado em acordo com o meu “discurso interior” sinto uma emoção negativa muito forte em relação a mim mesmo. Se ajo em acordo, a emoção positiva me faz muito bem. Já no psicopata a voz interior é desprovida de emoção e, então, é fraca, vazia, desimportante, sem força.
Os centros cerebrais que controlam a fala também controlam os gestos das mãos durante a fala. Quanto maior nossa dificuldade expressar em palavras, mais precisamos dos gestos. Os psicopatas quando tentam falar em sentimentos, usam gestos bem mais do que os não psicopatas.
O interior do psicopata é muito pobre. Por exemplo, quando nos interessamos por estudar os serial killers temos uma decepção: não há nada de interessante no seu interior. Emoções rasas, discurso intelectual vazio, que se contradiz. Não é o interior interessante de quem tem sentimentos. É difícil, por exemplo, montar um personagem psicopata que seja rico e interessante.
A questão é: mesmo com fala esvaziada e de pobre conteúdo por que o psicopata consegue nos seduzir? Pelo modo como o dizem e pelos botões emocionais que sabem apertar em nós: nossas fraquezas.
É o espetáculo e não o uso da linguagem que nos atrai. Boa aparência, carisma, torrente de palavras, distrações planejadas e, repito, a capacidade de tocar em nossas fraquezas.
“Se você tiver algum ponto fraco em sua constituição psicológica, o psicopata com certeza vai encontrá-lo e explorá-lo e, depois, você vai ficar sozinho, ferido e perplexo”, escreve Robert Hare (4).
ESPECTRO OU VARIAÇÕES
Sem sintomas
Quase todas as pessoas, ou todas, utilizam-se nas suas relações do instrumento da omissão de informações, da mentira e da hipocrisia. A chamada hipocrisia social, por exemplo, é utilizada no sentido de evitar problemas interpessoais. Se houvesse sempre sinceridade e transparência, se os pensamentos não fossem privados e sim públicos, se eles fossem lidos pelos outros, o convívio social seria prejudicado.
Alguns chamam de "mentira branca", no sentido de uma mentira que visa a paz seja acalmando uma pessoa - "não vai doer" - seja evitando que ela fique magoada - "não vou poder participar do teu aniversario por que nesta data estou com viagem marcada".
Segundo Dan Ariely, há um Fator Pessoal de Enganação (FPE) em todos. Melhor chamar de Fator Pessoal de Desonestidade (FPD). Cada um de nós tem já dentro de si um nível X de capacidade para trapacear, para fazer o errado. Uma linha tênue segundo a qual podemos nos beneficiar com a desonestidade sem prejudicar nossa autoimagem de indivíduos razoavelmente honestos. Porém, esse nível pode aumentar ou diminuir dependendo de fatores externos e de fatores internos. Fatores externos: a atitude tomada pelo nosso grupo ou por alguém de certa importância dentro de nosso grupo de fazer o certo ou de fazer o errado. Somos influenciados pelos outros a melhorar ou a piorar nosso FPD. Também somos influenciados por fatores internos: pela ética que internalizamos com base nos exemplos familiares, nos códigos que adotamos; quando nos lembramos deles, trapaceamos menos.
A desonestidade, portanto é motivada em grande parte, segundo Dan Ariely, pela margem de manobra da própria pessoa. Inclui aí a possibilidade de racionalizar uma explicação que a deixe bem com a sua autoimagem. A ação desonesta direta, roubar alguém assaltando é de dificil racionalização. Já o roubo do tipo "colarinho branco" é mais facil de ser racionalizado pelo indivíduo.
As pesquisas de Dan Ariely demonstram que a honestidade e a desonestidade estão, portanto, baseadas em uma mistura de dois tipos bastante diferentes de motivação: "Por um lado, queremos nos beneficiar da trapaça (essa é a motivação econômica racional), enquanto, por outro lado, queremos poder nos ver como seres humanos maravilhosos (essa é a motivação psicológica)" (5). Segundo suas observações, lembretes morais nos ajudam a evitar entrar num mundo de desonestidades.
O problema dos psicopatas, como veremos adiante, reside exatamente na ausência de sentimentos morais. Os fatores interiores que trabalham contra a desonestidade, estão neles ausentes. E em consequência, não há neles um limite, um nível X de desonestidade: o Fator Pessoal de Desonestidade (FPD) alcança o teto.
Ambiente indutor
Seguindo na linha dos bons ou maus exemplos enfatizada por Dan Ariely, há ambientes indutores de sintomas psicopáticos.
Em certos países, o ambiente político foi gradativamente sendo ocupado por pessoas com um nível alto do Fator Pessoal de Desonestidade (FPD) e também por pessoas com muitos sintomas de psicopatia. Em conseqüência, se tornou um ambiente fortemente indutor.
Quem entra nele sofre pressão externa para agir de forma semelhante e, se não tem internamente uma ética forte e segura acaba se contaminando. Ao se afastar do ambiente, a pessoa como o tempo volta a se portar do seu jeito prévio.
Em certos países, os presídios são divididos em alas, separando os psicopatas dos não psicopatas. Constataram que se um prisioneiro não psicopata convive com psicopatas, acaba imitando-os até como uma estratégia de sobrevivência. Após cumprir a pena, leva algum tempo até abandonar esse comportamento socialmente destrutivo e, nesse período, pode cometer crimes que não cometeria se não tivesse sido contaminado no presídio.
Graus: Leve – Moderado - Grave
Leve
Muitos indivíduos apresentam alguns sintomas de psicopatia – grau leve – e dificilmente chegam à violência física. Vivem no meio da sua comunidade, por isso alguns o chamam de “psicopatas comunitários”. São em geral inteligentes, são emocionalmente frios, mentirosos, não se importam com os sentimentos alheios, mas dissimulam se importar e são muito manipuladores. Vivem aproveitando-se da boa fé da família ou de um familiar ou ainda de um amigo. Recebe ajuda de toda a ordem e não retribui.
A familia e os amigos, por exemplo, só vão perceber essa forma dele se relacionar quando acontece algo muito chamativo. No filme Ginger & Rosa, duas meninas crescem juntas como grandes amigas. No final da adolescencia delas, o pai de Ginger engravida Rosa. Luke Cloud é o ator que representa com muita qualidade o papel de um psicopata que não promove violência física (se diz pacifista), mas promove devastadora violência psicológica e não sente remorso. Racionaliza sua conduta alegando que age por defender a autonomia do ser humano e ir contra a submissão a regras. Na época da segunda guerra ele havia se negado a entrar no exército inglês alegando ser pacifista. Londres sendo bombardeada e ele escapando da guerra com uma racionalização. E assim vivem tais psicopatas de racionalização a racionalização até que um dia é demais. Como se diz, finalmente "cai a ficha" e sua patologia é reconhecida.
Outro exemplo: um colega de trabalho oportunista, fingido. Se faz de vítima quando isso lhe for útil. Vive parasitando a empresa ou órgão público em que trabalha.
Moderada
Já o indivíduo psicopata de grau moderado a grave satisfaz quase ou todos os critérios do DSM e da CID para transtorno de personalidade anti-social.
Os de grau moderado, muitos deles, se tornam abusadores de drogas, do álcool, do jogo, dirigem de forma imprudente, são promíscuos e cometem atos de vandalismo. Podem também ser golpistas e estelionatários.
Grave
Os de grau grave, podem ser sádicos obtendo prazer em provocar ou presenciar o sofrimento físico e emocional de outra pessoa. Dentre estes, encontramos assassinos e serial killers.
Transtorno Global ou Parcial da Personalidade
Global
A psiquiatra Hilda Morana em suas pesquisas distinguiu dois subtipos (6)(7). No Global, o comprometimento da personalidade manifesta-se em uma ampla gama de situações sociais e pessoais. O psicopata necessariamente se enquadra no Global. Já o portador de personalidade anti-social pode se enquadrar também no subtipo parcial.
Parcial
A disfunção ocorre em situações específicas. Pode haver uma fator desencadeante. Quando envolvidos em crimes, são chamados de criminosos comuns.
Caráter ou Comportamento
Caráter
De acordo com a Escala Hare PCL-R na psicopatia pode predominar a alteração do caráter (Fator 1) ou do comportamento (Fator 2). No primeiro caso, estão muito presentes certas alterações da personalidade: superficialidade, falsidade, insensibilidade/crueldade, ausência de afeto, culpa, remorso e empatia.
Comportamento
No Fator 2, estão muito presentes alterações do comportamento: instabilidade, impulsividade, estilo de vida anti-social. Quando esta alteração predomina há chance de que a pessoa consiga alguma melhora, pois alguns desses sintomas como a impulsividade podem ser controlados com o uso de certos medicamentos, como os antidepressivos entre outros.
Passivos ou ativos
Os passivos parasitam e exploram as pessoas. Os ativos cometem crimes chocantes. Na maioria dos casos, o comportamento hostil têm por finalidade apenas tornar as coisas mais fáceis para eles sem se importar se isso vai causar sofrimento a alguém. Porém, alguns são psicopatas do tipo sádico. São os mais perigosos, sentem prazer com a dor alheia.
Subcriminosos
Muitos não chegam a cometer crimes, mas em praticamente todas as suas relações mentem e enganam. Alguns, como não se importam com as regras, conseguem mostrar algo diferente dos demais em atividades intelectuais como no teatro, no cinema, na música, por exemplo.
Convivência social
Tipo 1: Convive socialmente sem violência física
Características: 1. Sedutor, charme superficial. 2. Acentuado narcisismo, se acha importante, grandioso. 3. Mente patologicamente. 4. Esperto e manipulador. 5. Sem remorso ou culpa. 6. Emoções superficiais. 7. Insensibilidade e falta de empatia. 8. Não assume seus erros. Estes indivíduos convivem socialmente. Porém causam sofrimento as pessoas com as quais se relacionam seja no ambiente de trabalho, seja no ambiente familiar.
Tipo 2: Convive socialmente com violência física
Características: 1. Necessita de estímulos, a rotina lhe leva com facilidade ao tédio. 2. Vive parasitariamente sustentado por pessoas que ele manipula. 3. Impulsividade. 4. Irresponsável. São indivíduos que tem reações agressivas, violência impulsiva contra os outros podendo cometer assassinatos. Por outro lado, pela necessidade de adrenalina se colocam em risco e, pela impulsividade, frente a frustrações podem cometer suicídio.
Tipo 3: Praticamente sem convivência social
Características: 1. Baixa capacidade de controlar seu comportamento. 2. Versatilidade criminal. 3. Deliquencia juvenil. 4. Problemas comportamentais já na infância. Vivem às voltas com a justiça e muito freqüentam as prisões.
Circunstanciais
Poucos sintomas e como defesa
Escreveu Hare: “Para sobreviver, tanto física quanto psicologicamente, alguns indivíduos normais desenvolvem certo grau de insensibilidade em relação aos sentimentos e dificuldades de grupos específicos de pessoas. Médicos que têm muita empatia por seus pacientes, por exemplo, logo ficam emocionalmente oprimidos e, assim, podem perder parte de sua eficácia como profissionais. Para eles, a insensibilidade fica circunscrita, confinada a um grupo-alvo específico”. Uma atitude defensiva inconsciente do profissional da saúde exposto em demasia ao sofrimento a ponto de poder apresentar “fadiga por compaixão”(8).
Na síndrome de Burnout, comum em várias profissões, um dos sintomas é a indiferença. Tal sintoma vem sendo, por alguns, entendido como uma síndrome, a chamada John Wayne Syndrome. Uma referência ao célebre ator no seu papel de um cow-boy indiferente ao que passava a sua volta, sempre com o mesmo rosto levemente sorridente não importa se conversando em paz com um amigo ou levando tiros em meio a um conflito de morte. (Veja mais no curso deste site COMO GOSTAR DA PROFISSÃO).
Sintomas devido a treinamento
Continua Hare: “De modo similar, soldados, integrantes de gangues e terroristas podem ser treinados – de maneira muito eficaz, como a história tem mostrado repetidas vezes – para ver o inimigo como menos do que um humano, como um objeto sem vida interior. Os picopatas (plenos), no entanto, apresentam uma falta generalizada de empatia. São indiferentes aos direitos e ao sofrimento de estranhos e também aos dos próprios familiares. Quando mantém algum laço com esposa e filhos, isso acontece apenas porque consideram os membros da própria família como um bem que lhes pertence, como aparelhos de som e automóveis” (9).
Sintomas devido a obediência ou submissão
Nossa espécie tem uma facilidade para se submeter a um líder, a um guia e a obedecê-lo de forma acrítica. Adquirimos conhecimentos e habilidades para sobreviver seguindo o que nos dizem os pais, os professores, as turmas de amigos. Não há outra forma de aprender quando se é criança. Esse modelo pode com facilidade ser reativado na vida adulta. Stanley Milgram percebeu de forma dramática a extensão desse “defeito de fabricação” ao realizar na Universidade de Yale pesquisa com voluntários sobre a obediência à autoridade. O foco da pesquisa recaiu sobre cidadãos comuns que aceitaram colaborar voluntariamente. Entretanto, eles não sabiam do que realmente se tratava a pesquisa. Chegavam ao laboratório para participar aparentemente de um estudo sobre memória e aprendizado. Porém, entre eles, haviam atores contratados disfarçados de voluntários. Os atores eram escolhidos, aparentemente ao acaso, para o papel de aluno e os voluntários designados para função professor. Quando o aluno não memorizava o que devia, o voluntário seguindo a ordem do pesquisador, devia acionar um botão que “dava” choque elétrico no aluno. O ator simulava muita dor, queria sair fora da pesquisa. O pesquisador, a autoridade, exigia obediência do voluntario: “Continue a aplicar o choque!”, ordenava. A maioria obedecia a ponto do choque ser considerado mortal (10). (veja mais no curso FILOSOFAR AJUDA A VIVER)
Conclusão: não é difícil para nós humanos nos submetermos a um líder laico ou religioso psicopata.
Circunstancial com tendência prévia
Roberto Simon pergunta: “Muitos carrascos nazistas, após terem passado o dia exterminando mulheres, crianças e idosos, voltavam para casa e retomavam sua rotina confortável e normal no seio da família. Comiam bem, ouviam música erudita, liam bons livros, faziam amor com suas mulheres, abraçavam e brincavam com seus filhos. Como era possível que a mente desses carrascos conseguisse justapor, às atrocidades cometidas durante o dia, esse final de noite de paz no ambiente doméstico? Seria uma doença mental o que possibilitava essa dualidade?” (11). Continua Simon: “Mas será que todos os membros do partido nazista durante a Segunda Guerra Mundial eram psicopatas? – sim e não. Alguns líderes e chefes sádicos sem dúvida o eram, mas a maioria dos membros participantes das matanças eram cidadãos comuns, não psicopatas, que racionalizavam as atrocidades que cometiam por meio de mecanismos de falta de empatia, desvalorização e projeção de imagens” (12).
Um dado que aponta para a existência prévia de uma tendência à psicopatia é o fato de que tais indivíduos não viviam à noite em suas casas pesados dramas de consciência. Um individuo capaz de ter empatia e de sentir culpa exercendo uma “profissão” desse tipo, desenvolveria as chamadas doenças ocupacionais. (veja no site o curso COMO GOSTAR DA PROFISSÃO).
Circunstancial pela profissão facilitar
Certas atividades profissionais facilitam a atuação de um psicopata. Por exemplo, um psicopata pedófilo terá mais facilidade para alcançar seu objetivo perverso se trabalhar como professor de crianças.
Atividades em que a princípio há uma relação de confiança - advogado, contador, médico, padre, pastor, entre outras – também pode facilitar a atuação de um psicopata.
Jim Jones, para citar um exemplo, era um pastor com formação universitária. Nos anos cinquenta fundou a sua própria igreja: o Templo do Povo. Atuava em São Francisco e em Los Angeles. Em meados dos anos setenta, recaíram sobre ele suspeitas de atividades ilegais. Isso fez com que ele trocasse os Estados Unidos pela Guiana mudando-se com seus seguidores mais próximos para Jonestown.
No dia 18 de novembro de 1978, Leo Ryan, congressista norte-americano visitou Jonestown. Alguns fiéis quiseram retornar com ele aos Estados Unidos, não queriam mais ficar lá. Esse fato irritou Jim Jones. O congressista e mais três jornalistas que o acompanhavam correram até a pista onde estava o avião que os conduziria mas foram mortos a tiros por seguranças do pastor. Foi o início do horror. O pastor decidiu pelo suicídio-homicídio coletivo. Por meio da ingestão de veneno e dos tiros dados aos que tentavam fugir, 914 pessoas morreram, sendo 638 adultos e 276 crianças.
Esse homem psicopata, portador de um narcisismo maligno, frente à frustração de perceber que nem todos o achavam o maior e o melhor – inclusive seguidores desejavam abandoná-lo, deputados pretendiam denunciá-lo, jornalistas iriam “difamá-lo” – preferiu sair desta vida mostrando ao mundo o seu imenso e derradeiro destrutivo poder.
O padre Murphy, citando outro exemplo de religioso, parecia ser um santo. Padre da Arquidiocese de Milwaukee, tornou-se professor e depois diretor da Escola de St. John's para Surdos, em St. Francis. E teve essa promoção mesmo depois de os alunos terem revelado a responsáveis da igreja que o padre era pedófilo.
Em 1993, com mais e mais pessoas se queixando do comportamento de Murphy, o arcebispo Weakland contratou um assistente social especializado em tratar criminosos sexuais para avaliar o sacerdote. Após quatro dias de entrevistas, o assistente social disse que Murphy admitira os seus atos: molestara cerca de duzentos meninos surdos e não sentia qualquer remorso.
Murphy morreu aos setenta e dois anos e foi enterrado com as vestes de sacerdote. Pergunta-se: por que a igreja católica e autoridades policiais foram tão condescendentes com o psicopata pedófilo Murphy?
Há situações que envolvem apenas a relação entre duas pessoas. Por exemplo, médico e paciente. Um padre confessor e seu confessante. Como a relação psicopática tende a ser um padrão, muitas são as vítimas e muitas, em consequência, são as testemunhas. Quando um só, ou pouco mais que um paciente ou fiel, denuncia, pode haver a dúvida: houve mesmo uma atuação psicopática? Foi o profissional que atuou psicopaticamente ou foi o cliente ao inventar uma falsa acusação?
Na psiquiatria, dois casos controversos tiveram muita repercussão nos Estados Unidos: Jules Masserman e Bean-Bayog.
Jules Massermam que faleceu em 2013 aos oitenta e nove anos, foi Presidente da American Psychiatric Association e da American Academy of Psychoanalysis. Por formação, era neurologista e psiquiatra. A cantora e compositora Barbara Noel acusou-o de estupro enquanto ele utilizava a técnica do sono induzido por amobarbital de sódio. Quando Barbara Noel foi pela primeira vez ao Dr. Jules Masserman, ele previu que ela ficaria curada da sua ansiedade de desempenho dentro de dois anos. Mas, depois de seis meses, ele injetou um barbitúrico para ajudá-la "superar sua resistência à verdade" que a estava incomodando. Ele ministrou-lhe o amobarbital em sessões realizadas ao longo de vários anos. Até que, numa dessas vezes, conta Bárbara, despertou da sedação a tempo de perceber que acabara de ser estuprada pelo Dr. Jules, seu médico de confiança.
Jules Masserman negou todas as acusações de transgressão sexual feitas por Barbara e também por outras três ex-pacientes. Abdicou voluntariamente de sua licença médica e assinou um acordo de nunca mais praticar terapia nos Estados Unidos. Foi censurado e recebeu a suspensão da American Psychiatric Association.
Barbara Noel escreveu o livro intitulado Você Deve Estar Sonhando (13). Nele Noël revive sua batalha para levar o Dr. Masserman à justiça.
No caso de Margaret Bean-Bayog foram os familiares do paciente Paul Lozano que a processaram alegando erro médico e morte por imperícia: ele se suicidou dez meses após ter parado o tratamento com a psiquiatra.
Margaret Bean-Bayog, na época psiquiatra da Universidade de Harvard, havia usado um método não convencional de tratamento que levava a uma regressão severa. O tratamento teria induzido Paul, um estudante de medicina de Harvard, ao estado emocional de uma criança.
Acusaram, também, Bean-Bayog de cometer abuso sexual contra Paul. Foram encontradas fitas cassetes da terapeuta instruindo Lozano a repetir: “Eu sou sua mãe, e eu amo você e você me ama muito, muito”. Textos escritos com a caligrafia da psiquiatra descreviam as fantasias sexuais sadomasoquistas dela em resposta ao bombardeio de fantasias que Paul contava de torturar mulheres sexualmente. Nestes textos, constata-se que a psiquiatra havia consultado outros colegas a respeito do caso que atendia e das repercussões dele no seu próprio estado emocional.
Bean-Bayog tinha explicações para todos esses fatos. Fantasias registradas com sua letra eram transcrições de seus próprios sonhos - ela estaria tentando lidar com sentimentos contratransferenciais que o paciente havia despertado nela. Nunca teve a intenção de que o paciente as lesse. Paul, segundo ela, teria invadido seu consultório e roubado as cartas.
Para evitar o que chamou de “circo da mídia”, ela abdicou de sua licença médica e encerrou o caso fora do tribunal, pagando um milhão de dólares. Continuou a trabalhar apenas como psicoterapeuta, atividade que não exige que o profissional tenha licença para exercer a medicina.
Muitos colegas a defenderam. Citaram a grande dificuldade de tratar pacientes assim tão transtornados: tais casos levariam o profissional a tentar tratamentos não convencionais. Também, em sua defesa, alegaram que Paul se suicidou dez meses após o término do tratamento com Bean-Bayog quando já estava sobre os cuidados de outro psiquiatra.
Crimes especificos: estupro, por exemplo
Alguns psicopatas cometem crimes específicos. Ou, o mais provável, é que, entre seus crimes, um seja o mais grave e que por esse ele é preso e diagnosticado como psicopata. É certo que grande parte dos estupradores apresenta personalidade anti-social: não revelam empatia pela vítima e não revelam sentimento de culpa pelo que fizeram. Com base em seus graus de motivação, podem ser primariamente sexuais ou primariamente agressivos. Nos primeiros a agressão é para obter satisfação sexual. Nos segundos, a motivação maior é expressar raiva e sadismo contra outro ser humano.
(continua)
(CONTINUAÇÃO)
CAUSAS
As causas da psicopatia são pouco compreendidas. Não se pode afirmar que a psicopatia seja mais comum em certas famílias do que em outras. E nenhuma família está livre de ter um filho psicopata.
Entretanto há indícios fortes de que haja um componente biológico.
É doença congênita? Ou seja, doença que se adquire com o nascimento e se manifesta desde o mesmo e que pode ocorrer devido a um transtorno durante o desenvolvimento embrionário ou durante o parto ou a cesariana?
É doença genética? Ou seja, doença produzida por alterações do DNA?
Sabemos apenas que um psicopata nasce já com um cérebro diferente. Disfunções no lobo pré-frontal estão por trás da impulsividade e da dificuldade em controlar o próprio comportamento. Também os chamados neurônios espelho não estão ativos e, sem eles, é impossível para o indivíduo estabelecer relações empáticas. A falta de laços afetivos na infância pode ser a conseqüência de alguém que já nasce incapaz de estabelecer vínculos empáticos.
Mas as dúvidas estão aí para serem um dia esclarecidas. Por que determinada pessoa nasce com essas alterações no cérebro? Algo teria ocorrido na sua vida intrauterina? Danos neurológicos precoces por trauma, por exemplo? Alterações genéticas?(14)
As alterações genéticas que determinariam as deficiências cerebrais não precisariam necessariamente ter sido passadas dos pais para os filhos. Poderiam ser devido a mutações somáticas.
O ambiente também vai influir. Vivências infantis adversas irão modelar aquilo que já veio com o nascimento. O modo como a psicopatia evoluirá e o modo como se manifestará vai depender dessas vivências. Se quando criança experimentar um ambiente de carência e de violência, a psicopatia poderá se expressar com agressões físicas graves e assassinatos. Se encontrar um ambiente de baixo estresse, de afeto e de estímulo para o aprendizado, a psicopatia poderá aparecer na forma de crime de colarinho branco. Poderá ser um profissional bem instruído mas frio e manipulador.
Aqueles que acreditavam que a causa da psicopatia estava exclusivamente no ambiente, cunharam o termo sociopata para afirmar que a patologia estava na dependência de condições ruins de vida. Porém, ainda que vivêssemos num paraíso social, haveria psicopatia.
Os criminosos não psicopatas que vem de famílias problemáticas aparecem nos tribunais aos quinze anos. Os que vem de famílias estruturadas e afetivas, aparecem nos tribunais aos vinte e quatro anos, num exemplo. Já os criminosos psicopatas independente da qualidade de suas famílias, aparecem nos tribunais aos quatorze anos. Portanto, a competência de uma família não impede que já na adolescência um psicopata apresente problemas a sociedade.
A diferença está no tipo de problema. Familias violentas geram distúrbios ligados a violência. Familias tranqüilas e positivas, geram distúrbios mais sofisticados, crimes sem violência física.
Escreve Simon: “A suspensão da empatia é necessária para que alguém possa prejudicar intencionalmente outras pessoas e, na maioria das vezes, isso é acompanhado de mecanismos psicológicos de desvalorização e projeção de imagens. Os indivíduos que têm a intenção de cometer o mal, em primeiro lugar, desumanizam suas vítimas e, em seguida, projetam nelas seus próprios traços rejeitados e inaceitáveis e seus conflitos internos. Esses mesmos mecanismos estão envolvidos no preconceito e no uso do chamado bode expiatório” (15).
A propósito do título dado por Simon ao seu livro – “homens maus fazem o que homens bons sonham” -, ele confirma que muitas das atrocidades cometidas pelos “homens maus” não fazem parte da fantasia dos “homens bons”; apenas, ele desejou salientar que os “homens bons” também tem fantasias e desejos destrutivos mas tentam reconhecê-los, criticá-los, compreendê-los e contê-los. Existe uma enorme diferença entre pensar o mal e fazer o mal.
Simon salienta que sempre que se cometem atrocidades contra outros seres há: 1. Falta de empatia; 2. Projeção do que há de pior no interior de quem projeta (do que já se viu de pior na humanidade) sobre as vítimas. Ou seja, primeiro é necessário desumanizar: “eles não são gente”.
O psicopata, por sua vez, nunca vê o outro como gente e, portanto, não necessita dessa preparação prévia de projeção e desumanização para cometer um ato destrutivo contra o outro.
MULHERES
Psicopatas
Nas mulheres, a psicopatia se apresenta na forma leve ou moderada, raramente na forma grave. A crueldade, em geral, é menos impulsiva e mais moderada. Seus sintomas podem confundir-se com os sintomas das personalidades histriônica e bordelaine.
Mas mesmo raramente há serial killers mulheres. Exemplo: Marie Noe. Portadora da comorbidade Sindrome de Munchausen por procuração e psicopatia, esta norte-americana matou nove crianças, oito filhos biológicos seus e um adotivo.
Estas mulheres revelam frieza, agressividade ou insensibilidade sem que isso acarrete em culpa, arrependimento ou remorso. Muitas buscam poder e destaque social.
Algumas se contentam em ter o poder de controlar certas pessoas, sejam elas familiares ou amigos. Para tanto usam as ferramentas necessárias: podem ser sedutoras, mentirosas, fofoqueiras, caluniadoras. Algumas tem um histórico de relacionamentos breves ou casos superficiais ou vários casos ao mesmo tempo. Facilmente traem dependendo de seu interesse no momento.
Quando estabelecem relacionamentos estáveis é por interesse material: homens que lhes proporcionem um nível econômico e social que lhes permitem ter mais poder de alcançar o que desejarem alcançar.
Em geral, o sexo não passa de mais um dos instrumentos que usa para atingir seus objetivos: uma moeda de troca.
Quando apresentam sintomas de tipo histriônico e borderlaine, confundem quem procura fazer um diagnóstico. Semelhante a quem tem personalidade histriônica, procuram chamar a atenção sobre si. E como os bordelaines, podem ter comportamentos volúveis, as vezes irritados, com humor deprimido; podem também ter atitudes autodestrutivas quando contrariadas como auto mutilação, por exemplo.
Podem ser socialmente sedutoras e sociáveis, mas em casa, com os mais próximos, revelam um péssimo comportamento. Quando não conseguem o que querem, podem explodir ou se aquietar e organizar uma vingança calculada. É comum abuso de álcool e drogas. As mulheres psicopatas, em geral, praticam suas crueldades de forma mais dissimulada e menos impulsiva que os homens.
Mulheres que sentem atração por psicopatas
Com freqüência estarrecedora, um psicopata criminoso preso atrai mulheres que passam a desejá-lo como namorado ou marido. São mulheres que apresentam problemas de diversos tipos. Citando alguns: procuram “pegar carona” na notoriedade do criminoso; admiram o criminoso por achar que seu comportamento é uma expressão de masculinidade e virilidade de quem agita o país e não tem medo de nada; sentem-se incapazes de conseguir um outro relacionamento; acreditam que os crimes foram resultados de maus tratos sofridos pelo criminoso na infância e sentem pena dele; acreditam que podem recuperá-lo, numa causa digna de luta.
(leia o artigo HIBRISTOFILIA neste site em Muitos Textos: o fenômeno é explicado a partir da atração que Dzhokhar - o acusado do atentado em Boston que sobreviveu e está preso -está exercendo sobre as mulheres via internet)
Mulheres e homens podem manter o casamento com um(a) psicopata por se sentirem dependentes, ou possuírem baixa autoestima; outros por acharem que tem de ajudá-lo (a), que o casamento é para sempre, que um dia tudo vai melhorar; alguns são tolerantes em excesso e toleram até as atitudes psicopáticas. Outros, por razões objetivas: não querem deixar os filhos nas mãos de um(a) psicopata que poderá conseguir a guarda da criança. Mesmo não tendo a guarda, temem o que ocorrerá com os filhos nas horas que passarem com o(a) psicopata longe de seu olhar.
POLÍTICOS
LUTA PELO PODER
A luta pelo poder se faz através da força das armas ou através da política. Já se disse que política é a guerra continuada por outros meios. Para Maquiavel: “Os fins justificam os meios” (16). É fato que tanto na guerra como na política, em geral, há empatia pelos que estão do “meu lado” e insensibilidade em relação aos que estão do “outro lado”. Na luta pelo poder vale tudo?
O fato é que na disputa política pelo poder são comuns atitudes psicopáticas. Dos vinte itens da lista do PCL R de Robert Hare, a impressão que se tem é de que mais da metade deles fazem parte habitualmente do meio político: 1) loquacidade; 2) auto-estima inflada; 4) mentira patológica; 5) manipulação; 6) falta de remorso ou culpa; 7) afeto superficial; 8) insensibilidade/falta de empatia; 9) estilo de vida parasitário; 10) frágil controle comportamental; 13) falta de metas realísticas de longo prazo; 14) impulsividade; 15) irresponsabilidade; 16) falha em assumir responsabilidade.
A medida que as pessoas são mais informadas, elas podem perceber quais políticos apresentam mais ou menos desses sintomas listados e levar isso em conta na hora de depositar seu voto. No Brasil, as passeatas iniciadas em junho de 2013 sugerem que a população percebe e repudia a forma de funcionar de muitos políticos.
O PODER CORROMPE
Quantos líderes políticos mundiais chefiaram movimentos que originalmente eram muito construtivos mas que, pelo apego do líder ao poder, degeneraram e se tornaram altamente destrutivos?
“Todo poder tende a corromper. Mas o poder absoluto corrompe sempre”, afirmou Lord Acton historiador inglês do século 19. Conhecendo esse fato, a luta se faz pela divisão dos poderes e também pela capacidade da sociedade de exercer fiscalização sobre os que comandam os poderes.
A FAMA ATRAI SEGUIDORES
Quem consegue se tornar famoso, uma celebridade, atrai admiradores e até mesmo seguidores. Suas palavras são mais ouvidas e valorizadas. Muitas das frases, se examinadas em separado e desvinculadas da celebridade que a disse, serão percebidas como pobres lugares comuns.
Esse fenômeno se passa em todas as áreas, mas é bem visível no campo das religiões e mais ainda no campo da política. Certos homens públicos se tornam famosos, reúnem em torno de si um grande número de seguidores que não admitem nenhuma crítica a seu líder.
E se o famoso em questão tem um funcionamento psicopático – e os psicopatas buscam a fama – esse funcionamento é racionalizado ou negado e “nada pega no fulano”.
Há nos seres humanos essa limitação, a história bem demonstra: facilmente submetem-se a um líder que fala o que eles querem ouvir. Certa vez, um eleitor colocou num muro um pedido a políticos que na televisão debatiam em plena campanha eleitoral: “Chega de realidades, queremos fantasias”.
O conhecimento dessa limitação que está em maior ou menor grau dentro de todos nós, ajuda e muito a nos vacinarmos: a fama por si só, nada diz e nada é.
QUAL NÍVEL DE PSICOPATIA SERÁ TOLERÁVEL?
Qual nível de Fator Pessoal de Desonestidade (FPD) vamos tolerar em nossos representantes na política?
Dos vinte elementos que compõem o PCL –R, qual ponto de corte definirá nosso voto?
E se alguém diz: “Fulano é um pouco psicopata, mas ele está a serviço do meu partido e dos meus interesses”. Lembre-se: o psicopata está a serviço apenas dele mesmo.
O “ambiente político” pode ir mudando e deixando de ser indutor de comportamentos psicopáticos.
ENTREVISTANDO UM PSICOPATA
O Boletim do FBI de julho de 2012 traz como tema os psicopatas (17). Um dos capítulos é dedicado a orientar a como entrevistar um indivíduo do qual - pela ficha criminal ou outros fatos coletados - suspeita-se seja um psicopata.
O entrevistador deve, antes de tudo, tolerar determinados comportamentos do psicopata que normalmente não seriam tolerados: arrogância e a necessidade de se sentir no comando da entrevista. Não ir contra, apenas observar.
O psicopata vai tentar invadir o espaço do entrevistador: sentando na sua cadeira, aproximando-se fisicamente demais.
Entender que de nada adianta falar na gravidade do crime, no sofrimento das vítimas nem ameaçá-lo com as punições previstas na lei.
Estar ciente de que seguidamente ele vai desviar o assunto. Não agir com hostilidade nessa hora, ao contrário, dizer que ele está falando um tema muito interessante mas que será necessário voltar ao tema da entrevista.
Também de nada adianta tentar criar um vínculo empático “gente com gente” com ele falando, por exemplo, de aspectos da vida pessoal do entrevistador. Deve-se falar no psicopata, pois é só isso que de fato interessa a ele.
O entrevistado deve reconhecer as habilidades criminosas do sujeito que cometeu o crime em questão, citando fatos que corroborem essa afirmação. Inclusive, pode compará-lo com vantagem a outro criminoso divulgado pela mídia. O psicopata poderá querer confirmar sua grandiosidade e acabar expondo suas habilidades na realização do crime e, sem querer, confessando.
A entrevista deve ser dinâmica, já que o psicopata se entedia fácil. Por isso, pode ser bom mais do que um entrevistador estar participando. Pode-se mostrar fotos e outros objetos.
Outra possibilidade é o entrevistador tentar frustrar o psicopata. De que maneira? Levando o assunto para um campo em que ele é pouco capaz: as emoções. “Como você se sentiu quando soube que o FBI estava atrás de você? Como se sentiu quando foi preso?” As suas respostas serão pobres e não grandiloqüentes. Ele se perceberá frustrado.
Também, pode ser útil mais adiante na entrevista comentar as falhas intelectuais na realização do crime. Como o psicopata não tolera frustração, poderá se irritar e dizer que os entrevistadores não sabem do que estão falando, que só ele sabe como foi o crime e que não houve falhas.
Ou seja, em dois momentos o psicopata poderá, sem querer, confessar: pela vaidade narcisista de se ver como o maior e o melhor; ou pela raiva narcisista ao se ver frustrado por não estar sendo considerado o maior e o melhor e, bem ao contrário, um incapaz.
TRATAMENTO
Como apresentam quadro ego-sintônico, os psicopatas não sentem necessidade de se tratar. São pessoas com uma estrutura de personalidade forte, não são nada frágeis, são muito resistentes à influência externa. E inclusive, gostam de seu jeito de viver. É impossível, portanto, modificar sua estrutura de personalidade.
Entretanto, é possível tentar minimizar seus sintomas e assim diminuir seu comportamento danoso. A abordagem terá de ser no sentido de favorecer o psicopata. Demonstrar que determinadas mudanças vão lhe ajudar a se inserir melhor no meio em que vive.
Por exemplo, se predomina nele o Fator II do Hare, com a presença de forte impulsividade, alguns medicamentos como alguns antidepressivos e outros, poderão ajudá-lo a se comportar de modo menos impulsivo e assim ser favorecido.
É viável também ensiná-lo que algumas de suas ações e comportamentos não são úteis a seus próprios interesses. E ensiná-lo a usar seus pontos fortes e habilidades para alcançar seus objetivos de modo tolerável para a sociedade a ponto de não mais acabar preso.
Com a idade, alguns aparentemente melhoram. Aparentemente, pois não houve mudança interna. É provável que isso ocorra por já terem alcançado muito do que desejavam ou por já desejarem menos; é provável que o meio familiar já tenha se adaptado a eles e eles ao meio familiar; podem, por último, terem aprendido caminhos psicopáticos menos chamativos para alcançar o que desejam.
SEMI-IMPUTÁVEIS
O psicopata sabe o que faz e então pode ser imputada uma pena a ele? Ou ele, devido a doença, não sabe o que faz e então deve ser tratado num instituto psiquiátrico forense? A dúvida está na sua capacidade de usar o intelecto e a emoção. Quando tomamos uma decisão, fazemos ponderações intelectuais e emocionais. O psicopata, por sua vez, como não sente as emoções, decide intelectualmente. Por outro lado é fato que ele, intelectualmente, sabe que a sociedade considerada errado ou que considera crime o que ele está prestes a fazer e, mesmo assim ele o faz. Por isso, considera-se que ele é semi-imputável e em cada caso vai haver uma decisão. Se for no sentido de imputável, vai para um presídio comum. Se no sentido de inimputável, vai para um instituto psiquiátrico forense.
COMO PROTEGER-SE
Todos corremos risco de sofrer nas mãos de um psicopata. Robert Hare conta que também foi enganado.
Determinada pessoa convidou-o para ir à California dar uma palestra sobre suas pesquisas. Além das despesas, teria mais um pagamento. Após a palestra, almoçou e foi até um bar com o organizador que ficou de lhe enviar o pagamento pelo banco. O pagamento nunca chegou, e Hare não mais conseguiu contato com ele.
Mais tarde, ficou sabendo que o organizador tinha uma longa ficha criminal, já havia sido diagnosticado por vários psiquiatras como psicopata.
Hare confessa não ter notado nada no período em que passou com ele. Ou seja, ninguém, mas ninguém mesmo está livre de não perceber que a “seu lado” está um psicopata e sofrer as conseqüências disso.
Portanto, precisamos nos precaver. Algumas recomendações podem ser úteis:
1. A melhor defesa é o conhecimento da patologia: ter consciência de que ela existe e que o indivíduo que “está ao nosso lado” neste exato momento pode ser portador dela.
2. Características cativantes – presença arrebatadora, fluxo verbal detonado rapidamente, maneirismos hipnóticos – podem ser um truque que serve para distrair e impedir que se enxergue o interesse real.
3. Observe o conteúdo mental do indivíduo e não a forma como se apresenta: seu conteúdo é pobre e ele não é tão inteligente como tenta aparentar.
4. Observe a presença de elogios, bajulações, atenções e amabilidades exageradas; fique alerta quando afirma que os outros não o valorizam como deviam.
5. Cuidado com aquele que lhe oferece algo que parece ser bom demais.
6. Suspeite se ao perguntar sobre sua vida pessoal ele responder de forma vaga, evasiva ou inconsistente.
7. Observe o seu olhar penetrante: são os olhos de um predador sem emoção.
8. Fique mais atento em lugares de alto-risco: bares, boates, cruzeiros marítimos, aeroportos, entre outros.
9. Conheça a si mesmo e reconheça suas próprias carências e limitações. Alguns psicopatas são hábeis em descobrir nossos pontos fracos. Se você necessita de elogios autoafirmativos ele vai perceber e “suprir” sua carência. Se você é um pouco desonesto, ele vai lhe propor ganhos fáceis e duvidosos.
10. Na disputa pelo poder, você está em risco de ser vítima de comportamento psicopático por parte de algum adversário. E cuidado para não se contaminar e agir como ele e depois se culpar. E lembre-se: ele tem muita mais prática no uso dessas armas do que você. Defina de antemão o que vai considerar como certo e como errado em sua atitude durante a disputa.
11. Não gaste sua compaixão com eles. Só sofrem – e superficialmente – por eles mesmos.
12. Tenha empatia por essa pessoa que é você. A empatia dirigida somente para com os outros pode colocá-lo nas mãos desses predadores.
Referências:
1. Hare, R Manual Escala Hare PCL-R: Critérios para Pontuação de Psicopatia – revisados / Robert Hare. Versão brasileira: Hilda Morana. Casa do Psicólogo. 2011.
2. Hare, R Idem bibliografia; p. 67.
3. Hare, R Idem bibliografia; p. 68.
4. Hare, R Idem bibliografia; p. 154.
5. Dan Ariely. A Mais Pura Verdade Sobre A Desonestidade. p..207. Campus. 2012.
6. Morana, H (1999). Subtypes of antisocial personality disorder and the implications for forensic research: issues in personality disorder assessment. Int. Med. J. 6 p. 187-189
7. Morana, H & Mendes Filho, R. Transtornos de la Personalidad: Tratamiento e Rehabilitación. In: VII Congreso Uruguayo de Psiquiatria. Punta Del Este, Uruguay. Abril. 2000.
8. Hare, R Sem Consciência. pag. 59. Artmed. 2013.
9. Hare, R Idem bibliografia.
10. Milgram, S. Obediencia a Autoridade. Edição 1983. Francisco Alves Editora.
11. Simon R Homens Maus Fazem O Que Homens Bons Sonham. p. 29 Artmed. 2009.
12. Simon R Idem bibliografia; p. 41.
13. Noel B. You Must Be Dreaming. Watterson, Kathryn New York: Poseidon Press, 1992.
14. Viding, Essi; Blair, R. James R.; Moffitt, Terrie E.; Plomin, Robert (2005). "Evidence for substantial genetic risk for psychopathy in 7-year-olds". Journal of Child Psychology and Psychiatry 46 (6):592-7.
15. Simon R Idem bibliografia; p. 40.
16. Maquiavel N O Príncipe. DIFEL.
17. Mary Ellen O’Toole, Ph.D.; Matt Logan, Ph.D.; Sharon Smith, Ph.D. Looking Behind the Mask. Implications for Interviewing Psychopaths. Boletim FBI. http://www.fbi.gov/stats-services/publications/ law-enforcement-bulletin/july-2012/leb-july-2012
TIPOS DE CRIMINOSOS
CINCO TIPOS
Guido Palomba, conhecido psiquiatra forense de São Paulo e referência para os psiquiatras do país, nos oferece uma classificação ao mesmo tempo simples e completa que nos permite localizar todos os criminosos em apenas cinco tipos: impulsivos, ocasionais, habituais, fronteiriços e psicóticos. Recomendo a leitura de seu livro intitulado Loucura e Crime.
Impulsivos são os que cometem um crime num ato impulsivo. Por exemplo, se irritam no trânsito e agridem outro condutor.
Ocasionais são aqueles em que a “ocasião faz o ladrão”, como se costuma dizer. Na repartição em que trabalha alguém prepara um esquema de desvio de dinheiro e o convida a participar.
Habituais são os que vivem do crime. Por exemplo, sua profissão é assaltar bancos.
Fronteiriços são aqueles que estão na fronteira entre a sanidade e a psicose, que apresentam uma patologia escondida. Por exemplo, pedófilos, estupradores, cleptomaníacos. Os psicopatas ou portadores de personalidade anti-social também freqüentam este subtipo de criminosos.
Psicóticos são aqueles que confundem realizada com imaginação; não possuem noção do que estão fazendo.
CASOS
CRIME COMETIDO POR PSICOSE DEVIDO A ESQUIZOFRENIA
Durante um certo período, acompanhei alguns egressos do Instituto Psiquiatrico Forense de Porto Alegre que moravam em cidades próximas a minha. Minha função era manter os seus tratamentos e , assim o fazendo, evitar que voltassem a se tornar periculosos.
O Sr. Z, para citar um caso, ainda não tinha trinta anos, morava numa pequena propriedade agrícola com a esposa e dois filhos: seis e oito anos. Sempre fora um pouco desconfiado, porém essa sensação começou a aumentar muito a ponto dele não mais conseguir pregar o olho. À noite, rondava a propriedade com uma arma em punho: bandidos iriam atacá-lo. A esposa insistia para ele dormir, dizia que ele estava exagerando os perigos. Mais adiante, começou a enxergar vultos que nem a esposa nem as criança viam.
Em determinada noite a tragédia aconteceu. A esposa acordou assustada: não viu o marido na cama a seu lado e teve um mau pressentimento. Levantou as pressas e quando encontrou o marido ele estava no corredor com uma faca ensangüentada saindo do quarto do filho menor e dirigindo-se para o quarto do filho maior. A esposa consegue alcançá-lo quando a faca já cortara a pele do tórax do menino que restava vivo. Em desespero, luta com o marido, grita por ajuda dos vizinhos. Consegue bater a cabeça do marido na quina da porta fazendo ficar tonto.
Preso, o Sr. Z foi considerado como psicótico, portador de esquizofrenia paranóide. E, portanto, irresponsável pelo seu ato: inimputável. Para o Sr. Z o demônio havia incorporado nos seus filhos. Ele atacara o demônio.
O Sr. Z permaneceu muito tempo no Instituto Psiquiátrico Forense. Bem medicado, os sintomas paranóides desapareceram por completo. Cessou a sua periculosidade e assim ele pode retornar para casa desde que se mantivesse em tratamento e fosse periodicamente avaliado quanto a sua periculosidade por um psiquiatra.
A esposa e o filho que restara aceitaram-no de volta. Entenderam que ele cometera um ato por estar na ocasião muito doente. E também achavam que talvez fosse mesmo coisa do demônio, só que o demônio havia incorporado no corpo do Sr. Z e não no corpo dos filhos. Fora o demônio o responsável pela tragédia. Então, além do tratamento psiquiátrico, mantinham-no em “tratamento” religioso.
De nada adiantaria o Sr. Z ficar na cadeia. E, desde que sem sintomas devido ao uso continuo de medicamentos, de nada acrescentaria ele permanecer no Instituto Psiquiátrico Forense.
CRIME COMETIDO POR PSICOSE DEVIDO AO USO DE DROGAS
Guido Palomba relata o caso do Sr. P, um homem de trinta e três anos que matou o padrasto e a mãe. P começou a usar drogas aos treze anos. Foi internado algumas vezes. Porém, quando tinha alta recaia em seguida no uso de álcool e de drogas. Certa vez, comprou álcool de farmácia e injetou em suas veias. Noutra vez, aplicou em si três doses de LSD do tipo “black power”. Tentou o suicídio duas vezes: jogou-se do terceiro piso de um hospital e cortou com um pedaço de vidro o pescoço.
Nunca trabalhou, a mãe o sustentava.
Um dia, sem motivo aparente, chegou em casa drogado e matou com vários tiros o seu padrasto. A avaliação psiquiátrica constatou tratar-se de alguém com transtorno de personalidade anti-social (psicopata) e dependente de drogas. Preso, foi considera inimputável e foi lhe aplicada medida de segurança consistente em internação em Instituto Psiquiátrico Forense.
Num grave erro, após determinado tempo de internação – ele sem usar drogas conseguia aparentar bom comportamento - , foi solto e voltou a viver com a mãe.
Quando a mãe lhe negou dinheiro para comprar mais droga, P a matou a facadas. Disse: “Minha mãe era uma vagabunda, tinha um monte de homens. Ela me tratou mal frente a algumas visitas. Então, eu tomei uma injeção de éter e cheirei mais um pouco. Estava com muita raiva dela. Em duas ou três horas foi que eu planejei matá-la. Quando eu a encontrei dei-lhe um beijo de despedida na testa, e ela me deu um beijo no lábio. Aí eu falei para ela – ‘Que é isso?” – e ela falou – ‘Você não é homem?’-, e eu me enfureci e dei várias facadas. Eu queria acertar o coração mas eu estava de frente e em vez de acertar o lado esquerdo eu estava acertando o lado direito. Depois que percebi, passei a golpear direito”.
O uso de drogas afetou a bioquímica de seu cérebro, ele passou a apresentar momentos psicóticos. Pode ser enquadrado como semi-imputável e o juiz poderá optar ou pela prisão ou pelo Instituto Psiquiatrico Forense. Porém, a periculosidade de P jamais vai cessar. Não há nada que garanta que ele de volta as ruas não vá usar drogas e, como conseqüência, voltar a cometer assassinatos.
CRIME COMETIDO POR FRONTEIRIÇO PEDÓFILO
Guido Palomba relata o caso de um homem - que vou denominá-lo de Sr. C - de vinte e dois anos de idade que, após beber cachaça raptou uma menina de quatro anos, praticou estupro vaginal e anal e, estando ela desmaiada, cobriu-a com capim e pos fogo matando-a queimada. E, ato continuo, fugiu para outra cidade pelo temor de ser preso.
O exame psiquiátrico constatou que esse homem tinha desejos sexuais intensos por crianças pequenas e que quando bebia se tornava agressivo. Ele tinha noção do que havia feito, entendia o caráter criminoso do seu ato, diferente do psicótico, tanto é que tentou dar fim ao corpo da vítima e fugiu.
Por outro lado, é movido por um desejo doentio de tipo perverso que, quando bebe, não consegue conter.
O crime, portanto, tem base numa patologia, mas ele sabe discernir o que é crime e o que não é. Portanto, é semi-imputável. No caso em questão, o juiz vai determinar se ele deve ir para um Instituto Psiquiátrico Forense ou se deve ir para a cadeia.
Diferente do Sr. Z - psicose devido a esquizofrenia -, o Sr. P e o Sr. C, nunca terão cessadas neles a periculosidade. Sempre que nas ruas, serão perigosos.
MATADORES EM SÉRIE
Há três tipos de indivíduos que assassinam em série: (a) mentalmente normais; (b) psicótico; (c) fronteiriço.
São poucos os matadores em série que não apresentam doença mental. Aqui se encontrariam os assassinos de aluguel. Questiona-se hoje se todos eles não apresentariam psicopatia em grau variado. Ou seja, estariam enquadrados no tipo fronteiriço e não nos mentalmente normais. Pois, um matador profissional não psicopata, após dois ou três assassinatos abandonará a profissão consumido pelo remorso.
O matador em série psicótico não esconde os crimes. Em geral mata as pessoas em sequência e é preso. Não tendo noção do que está fazendo, não cria rota de fuga.
Os fronteiriços apresentam personalidade antisocial ou psicopatia. E podem também ter cormobidade com outra patologia como pedofilia ou estupro, por exemplo.
CASOS
MATADORES EM SÉRIE FRONTEIRIÇOS: PSICOPATAS, ESTUPRADORES E PEDÓFILOS.
Em Passo Fundo, tivemos, entre outros, dois casos gravíssimos.
1
Um ex-garçom construiu uma sequência de crimes de estupro, com morte inclusive. Em 1991 foi preso por crime de estupro. Em 1996 obteve a liberdade condicional. Em seguida a sua libertação, uma menina de cinco anos foi violentada e morta num terreno baldio no centro de Passo Fundo. O ex-garçom foi preso, confessou o crime e foi condenado a quarenta anos de prisão. Recorreu da sentença e em 1999, foi absolvido pelo Tribunal de Justiça do Estado por ter alegado em sua defesa que confessara o crime sob tortura.
Mudou-se para Santa Catarina e acabou novamente preso por ter cometido uma série de estupros na cidade. Indivíduos assim, com facilidade matam a vítima se as circunstancias levarem a isso tornando-se matadores em série.
2
Outro caso gravíssimo, é o de Adriano, conhecido como o serial killer de Passo Fundo. Preso em janeiro de 2004 confessou ter assassinado doze meninos com idades entre oito e treze anos.
Pessoas assim, sempre que estiverem nas ruas poderão matar. Sua periculosidade nunca vai cessar. Para se evitar mais vítimas, a única maneira é a prisão perpétua ou a pena de morte.
(Jorge Alberto Salton)
O atentado terrorista em Boston renova o interesse pela compreensão desse fenômeno a princípio bastante estranho, mas não incomum: a hibristofilia. Comportamento que ocorre predominantemente em mulheres e que consiste em se sentir atraído afetiva e/ou sexualmente por homens que cometem crimes.
Dzhokhar, o acusado do atentado terrorista em Boston que sobreviveu, já começa a atrair. Inseridas no movimento que cresce na internet - “Free the Jahar” - encontram-se também jovens mulheres que o descrevem como bonito, atraente e apaixonante.
Bem sabemos de criminosos que recebem centenas de cartas apaixonadas na cadeia e, inclusive, de alguns que iniciaram relacionamento amoroso com algumas de suas fãs.
A hibristofilia é vista em pessoas que estão próximas ao criminoso e em pessoas que, à distância, revelam um amor platônico por ele. O fenômeno pode se manifestar de forma passiva ou ativa. Passiva quando não há envolvimento direto no crime, mas há atitudes compassivas e indulgentes com o ocorrido. Ativa quando há a colaboração para ajudar o criminoso a que alcance seu objetivo e para que consiga escapar da punição.
Qual vulnerabilidade leva alguém, em geral mulher, a se submeter emocionalmente ao criminoso? Desejo maternal que faz sentir pena do que vai ocorrer agora com o ele? Desejo narcisista de pegar carona na “fama” do criminoso pela sua exposição na mídia? Desejo semelhante ao do criminoso, tipo “fez o que eu gostaria de fazer”? Ou então: “estando comigo, por mim, ele muda e se torna bom”? Ingênua onipotência?
A propósito, hýbris em grego significa “excesso”, “descomedimento”. Na tragédia grega, significava o orgulho e a arrogância do personagem, responsável por sua destruição.
Problema: quem está envolvido está cego – ingênua e onipotentemente cego - e só tem chance de escapar do criminoso com a ajuda de um parente, colega ou amigo que lhe chame à realidade.
Greenhalhgh, Trisha
COMO LER ARTIGOS CIENTÍFICOS Artmed. 2013.
Trisha Greenhalgh:
Professora of Primary Health Care
Centre for Health Sciences
Queen Mary, University of London Uk
Ruth Holland, editora de livros do British Medical Journal, foi quem na década de 1990 estimulou Trisha a escrever um livro sobre medicina baseada em evidências. Desde então é o que ela vem fazendo. Ruth morreu num desastre de trem no dia 8 de agosto de 1996. Trisha dedica seus livros a memória de Ruth. O presente livro é de 2013.
Resenha do livro, capítulo por capítulo.
Além da resenha do livro de Trisha, sugerimos ler mais três textos. PARA LER E CRITICAR UM ARTIGO CIENTÍFICO: nele verão que a fase IV de uma pesquisa depende do médico prescritor e esta é a fase decisiva. PUBMED e outro sobre LAÇOS DE CORRUPÇÃO. Este último, escrito a partir das denúncias feitas pela médica norte-americana Marcia Angell envolvendo a Indústria Farmacêutica e alguns profissionais da medicina, mostra a importância de se saber analisar criticamente a qualidade de um artigo científico.
POR QUE LER ARTIGOS CIENTÍFICOS?
Autores: Gustavo Alves, Leonardo Denti e Leonardo Rubin
No capítulo 01 do livro, Trisha Greenhalgh aborda a íntima relação entre a leitura de artigos científicos e a Medicina Baseada em Evidências (MBE). A autora demonstra, através da definição da MBE que o seu êxito depende basicamente da pesquisa, reunião e interpretação de dados que objetivem gerar novos conhecimentos. A partir do acesso a todos os dados pesquisados o médico deve utilizar-se de estimativas matemáticas do risco e benefício das novas abordagens médicas propostas que envolvem diagnóstico, investigação e tratamento das mais variadas patologias.
Segundo o professor Dave Sackett as principais etapas da MBE são:
1. Converter nossa necessidade de informações em questões que possam ser respondidas;
2. Rastrear, com máxima eficiência, as melhores evidências para responder a tais questões, as quais podem ser provenientes do exame clínico, do diagnóstico laboratorial, da literatura publicada ou de outras fontes;
3. Analisar criticamente as evidências para verificar a sua validade e a sua utilidade e implementar os resultados desta avaliação à prática clínica.
Trisha Greenhalgh defende: "Assim, a MBE exige não só que você leia artigos, mas também que leia os artigos certos no momento certo e, então, modifique o seu comportamento à luz do que descobriu". Ou seja, através da metanálise e da análise crítica dos casos clínicos é o que deve ser feito quando se está à frente de um artigo científico.
A autora também aborda as polêmicas que envolvem a Medicina Baseada em Evidências, segundo ela, os não adeptos da MBE utilizam-se da prerrogativa de que todos seus anos de experiência na medicina podem e devem ser utilizados como base na determinação de suas condutas médicas; enquanto o método defendido por Trisha determina que a constante atualização por meio da leitura de artigos é essencial para que haja coerência na propedêutica médica.
Ainda segundo a autora, existem várias abordagens que os profissionais utilizam para tomar suas decisões, as quais não são modelos da MBE:
A - Tomada de decisão por relato de caso, como, por exemplo, estudantes de medicina que utilizam a memorização do que estava errado com determinados pacientes e o que tinha acontecido a eles compilando informações essenciais para tratar pacientes com os mesmos sintomas;
B - Tomada de decisão por recortes de artigos, como, por exemplo, o artigo que dizia que todas as crianças com suspeita de infecção do trato urinário deveriam ser encaminhadas para a tomografia dos rins com suspeita de anormalidades congênitas: o médico não questiona a validade dos resultados encontrados nem procura outros artigos que possam abordar de forma diferente o mesmo problema;
C - Tomada de decisões à moda antiga: resultado do trabalho de alguns poucos célebres especialistas geralmente financiados por indústrias farmacêuticas;
D - Tomada de decisão por minimização de custos: a opção pelo mais barato.
A autora, com base nas ideias de Sackett, demonstra como deveria ser uma boa pergunta clínica: primeiro é necessário definir sobre como é um grupo de pacientes semelhantes a este, a seguir, deve-se identificar que tratamento ou terapia será utilizada para este paciente, e, por fim, definir o desfecho desejado (como, por exemplo, a redução da mortalidade e a melhor qualidade de vida).
Sendo assim, baseado no primeiro capítulo do livro “Por que ler artigos científicos?”, "Como Ler Artigos Científicos", fica evidente a grande importância da Medicina Baseada em Evidências no âmbito das ações médicas. Todavia, apenas a leitura de artigos aleatórios sem questionar suas verdadeiras intenções ou se o novo tratamento oferecido, por exemplo, foi devidamente testado em um grande número de pessoas, além de refletir sobre o que levou determinados indivíduos a realizar essa pesquisa, não condiz com as necessidades da MBE.
A autora cita argumentos muito concretos para corroborar a respeito da importância da leitura de artigos científicos, porém, sempre tendo como foco a Medicina Baseada em Evidências. Uma das principais colocações de Trisha é a de que o aspecto definidor da MBE é: "[...] o uso de números derivados da pesquisa sobre populações para informar decisões a respeito de indivíduos. [...]", ou seja, é preciso abordar o assunto da forma mais abrangente possível para que se possa conseguir dados precisos e confiáveis e, por fim, utilizá-los para definir a melhor forma de proceder. Portanto, Trisha Greenhalgh transmite de forma bastante clara os motivos pelos quais deve-se ler artigos científicos com frequência e, também, com cuidado e criticidade.
PESQUISANDO A LITERATURA
Autores: Amanda Link Macedo e Virgínia de Carli de Moura
No capítulo 2, Trisha Greenhalgh alerta que a atenção à saúde baseada em evidências, a qual todos os profissionais da área da saúde, principalmente médicos, são estimulados a praticar, exige que os mesmos tenham a habilidade de navegar na literatura de pesquisa.
Estudos sobre o comportamento dos médicos frente à busca de informação confirmam que os livros-textos e os contatos pessoais continuam a ser a fontes preferidas para informações clínicas, seguidas por artigos de periódicos. Com o desenvolvimento tecnológico nos últimos anos, o uso da internet como fonte de informação aumentou, em especial via PubMed/Medline, mas a sofisticação da busca e a eficiência ao encontrar respostas não cresceu no mesmo ritmo. De um lado está a necessidade dos profissionais em encontrar uma informação da melhor qualidade, do outro estão as “barreiras” com as quais deparam: falta de tempo, falta de instalações, falta de habilidades de pesquisa, falta de motivação e (a mais desafiadora), sobrecarga de informações.
A literatura médica pode ser comparada a uma “selva”, e a proliferação de informações a deixa ainda mais confusa. No entanto, esta “selva” vem sendo domesticada por meio de entradas de informação e sistemas de trânsito de alta velocidade. Saber como acessar estas maravilhas da navegação facilita e agiliza a prática da atenção à saúde baseada em evidencias.
Antes de sair loucamente por esta “selva” de informações, o pesquisador deve pensar o por quê de estar iniciando uma busca na literatura médica. Resumidamente, o profissional pode abordar a fonte de pesquisa com três finalidades e de três maneiras diferentes:
A - Informalmente, forma recreativa, procurando de forma superficial a fim de se manter atualizado. Na maioria das vezes, usa-se o periódico favorito.
B - Concentrado, procurando por respostas que possam ser confiadas e aplicadas diretamente ao paciente.
C - Pesquisando na literatura, revisar a literatura de forma detalhada, séria e ampla. Este tipo de busca fornece a base para elaborações de pesquisas e revisões.
A expressão nível sobre nível de evidência se refere ao grau de confiança de uma informação, o qual pode ser expresso através de uma pirâmide, em cujo top estariam as revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados.
A revisão sistemática é um estudo secundário que tem como objetivo reunir estudos semelhantes, avaliando-os numa analise estatística, a metanálise, quando isso é possível. Um exemplo de revisão sistemática são o Cochrane Reviwes (www.cochrane.org) , que se tornaram o padrão-ouro para as revisões sistemáticas.
Os recursos em ponto de atenção são mais parecidos com livros textos, porem baseados em evidências; o ClinicalEvidence e o DynaMed são exemplos.
As fontes pré-analisadas são um resumo junto com uma breve análise do artigo, alguns são gratuitos e outros podem ser disponibilizados por empresas, universidades.
Os recursos especializados são voltados para áreas especializadas, organizadas de forma a ajudar especialistas, porém também pode ser usada por médicos de clínica geral e também da atenção primária. Exemplos de recursos especializados são o Psychiatry Online (http://www.psychiatry online.com) voltado para a psiquiatria e o CardioSource (http://www.cardiosource.com) dirigido à cardiologia.
Não obstante, a maioria dos medicos não utiliza as fontes sintetizadas como fonte de pesquisa. Grande parte dos profissionais ainda prefere uma busca básica no Medline/PubMed para atender às suas necessidades de informações clínicas.
O PubMed (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) é o recurso da internet mais utilizado por médicos; é possível fazer uma pesquisa no PubMed utilizando umas ou duas palavras, e quando alguns termos de busca são adicionados, a pesquisa torna-se mias eficiente. O Medline funciona da mesma forma.
Além disso, existem ferramentas de busca primitiva, porém que fazem pesquisa em fontes sintetizadas, fontes pré-analisadas, fontes resumidas e em todos os domínios de perguntas clinicas do PubMed de modo simultâneo.
Além do mais, é possível pedir ajuda a outras pessoas. Existe uma organização internacional que possibilita troca de informações entre as pessoas: Chain (contacti, help, adviceandinformation). Funciona como uma rede on-line, que desejam participar e trocar informações, e seu uso é gratuito.
Por conseguinte, observa-se que há diversas formas de realizar pesquisas e manter-se atualizado. Aconselha-se que haja, primeiramente, um domínio das ferramentas de pesquisa de sites como o PubMed e o Medline, que atendem às necessidades de vários profissionais. Após ter domínio sobre esses sites, devemos procurar por outras fontes de pesquisa como as revisões sistemáticas.
CHEGANDO AO PONTO: DO QUE TRATA ESTE ARTIGO?
Autores: Diego Nascimento, Samuel Freitas, Renanl Antunes
No capítulo 03, a autora comenta que a maioria dos artigos científicos são de má qualidade.
Devemos observar se o estudo foi escrito na sequência: introdução, métodos, resultados e discussão. Devemos lembrar que o determinante para avaliar a qualidade de um artigo é o método.
As falhas mais comuns dos artigos são: (1) Não abordar aspectos importantes; (2) falta de originalidade; (3) não testar ou não realizar outras técnicas de comprovação; (4) erros na realização dos testes devido a amostragens pequenas e análises incorretas; (5) conclusões injustificadas e mal escritas.
É importante observar se o estudo (1) duplo-cego: pesquisadores e pacientes não sabem qual tratamento estão recebendo; (2) estudo cruzado ou crossover: tratamentos de intervenção e controle separados por um período sem tratamento; (3) estudos controlados por placebos que são comprimidos inativos idênticos ao original.
Observar se é estudo primário ou secundário. Os estudos primários podem ser realizados através de (a) experimentos laboratoriais – com animais ou voluntários-; (b) ensaios clínicos – intervenções em pacientes -: (c) levantamentos – epidemiologia e comportamento populacional. Já os estudos secundários são as revisões e as metanálises.
ECR
Um ensaio clínico - estudo primário - será randomizado (ECR) quando os participantes do ensaio forem divididos em grupos de forma aleatoria. Uma maneira de o fazer é jogar uma moeda para cima para dividir os grupo: pacientes, para os quais der cara, ficam no grupo 1, e no grupo 2 ficam os pacientes para os quais der coroa. Como, teoricamente, os grupos são iguais, qualquer mudança no desfecho é atribuída à intervenção do analisador.
Exemplo de ECR: cria-se, aleatoriamente, dois grupos de 50 pessoas tabagistas, portanto as 100 pessoas são “iguais”. A um dos grupos dá-se uma droga nova (intervenção) que, supostamente, cura a dependência a esse produto de uma forma melhor que uma já existente. Para o outro grupo dá-se a droga já existente. Observa-se ao longo do tempo o desfecho. Como os grupos são “iguais”, o desfecho dirá se a nova droga tem eficácia melhor, pior ou igual à existente.
Os ECRs podem ser:
Desnecessários – quando uma descoberta é claramente bem sucedida para um problema que, de outro modo, seria fatal
Não prático – quando o número de pacientes necessários para mostrar uma diferença significativa for muito elevado
Inadequado – quando for estudado o prognóstico de uma doença, pois é melhor o estudo de coorte
Estudo de Coorte
O objetivo de um estudo de coorte é verificar se indivíduos expostos a um determinado fator apresentam, em relação aos indivíduos não expostos (ou expostos em menor grau), uma maior propensão a desenvolver uma determinada doença. Geralmente, os fatores em questão são uma vacina, uma substância tóxica ou um medicamento. Exemplo de estudo de coorte: dividi-se um grupo de médicos em não fumantes, fumantes leves, fumantes moderados e fumantes pesados. Acompanha-se o desfecho ao longo de um período de tempo e usa-se a incidência de doenças específicas e não específicas e a morte como medidas para avaliar a influência do agente no surgimento dessas doenças ou na morte.
Estudo Caso-controle
Em um estudo de caso-controle, criam-se dois grupos. Um com pacientes que apresentam uma determinada doença e outro com pacientes semelhantes (geralmente parentes) que não apresentam a doença. O primeiro grupo é o “caso” e o outro grupo é o “controle”. Investiga-se a historia clínica de cada um dos indivíduos dos dois grupos e, assim, encontra-se, ou não, um possível fator de risco para a doença em questão.
Exemplo de estudo caso-controle: Criou-se um grupo de pacientes com câncer e outro com pacientes livres da doença. Investigou-se a história clínica de todos os pacientes e constatou-se que a maioria dos pacientes com câncer havia se submetido a tomografia entre os 4 e os 8 anos de idade. Dessa forma, associa-se o exame de tomografia na infância ao desenvolvimento de câncer posteriormente.
Estudos Transversais
Os estudos tranversais são estudos que servem basicamente para dados epidemiológicos, pois não se interessam com o seguimento dos pacientes envolvidos na pesquisa. Os dados são recolhidos em um único momento, a respeito de uma informação atual ou um dado retrospectivo, por exemplo: Você consome bebidas alcoólicas? Quantas vezes você foi ao médico no ultimo ano?
Relato de Caso
Mesmo sendo o menos graduado na escala de confiança de um texto científico, o relato de caso não deve ser menosprezado. A grande vantagem do relato de caso é que este pode ser elaborado em questão de dias, pois consiste na descrição de um caso clinico, normalmente um caso pouco comum, e das condutas tomadas. Ele é considerado uma evidencia científica fraca, mas deve se atentar que foram relatos de caso que trouxeram a tona o conhecido caso da Talidomida, por exemplo. A Síndrome de Muchausen se tornou conhecida pelo relato de caso publicado no Lancet em 1951.
A hierarquia das pesquisas:
1 - Revisões sistemáticas e metanálises
2 - Ensaios clínicos randomizados
3 - Estudos de coorte
4 - Estudos de caso-controle
5 - Estudos transversais
6 - Relatos de caso
Havendo erros metodológicos em um Ensaio clinico randomizado, por exemplo, as evidencias que ele traz podem ser consideradas inferiores a um estudo de Coorte bem delineado. Por isso esta ordem só pode ser totalmente considerada na comparação de estudos metodologicamente perfeitos.
Independente do tipo de estudo a ser realizado, é responsabilidade do pesquisador sempre atentar para a ética na pesquisa científica. O “consentimento informado” e o respeito pelo bem estar do paciente voluntário é essencial e vem sendo cada vez mais observado pelos comitês de ética. A grande maioria das revistas científicas não publica artigos que não tenham sido aprovados por um comitê de ética.
AVALIANDO A QUALIDADE METODOLÓGICA
Autores: Aline Suzin, Amanda Cassol, Eduardo Canova
No capítulo 4, Trisha Greenhalgh, expõe o que deve ser avaliado na metodologia de um artigo cientifico para que ele possa ser considerado válido. A autora considera que a melhor maneira de formar a base da sua decisão é através de seis perguntas: (1) o estudo foi original, (2) foi feito sobre quem, (3) foi bem delineado, (4) o viés sistemático foi evitado, (5) a avaliação foi submetida a mascaramento e (6) se foi suficientemente grande e continuado para tornar os resultados dignos de credibilidade.
No item “o estudo foi original”, é exposto que não é necessariamente preciso que a pesquisa seja sobre um assunto novo, mas que ele acrescente algo à literatura já estabelecida; por exemplo: um estudo ou maior, ou mais rigoroso, ou cuja amostra é de alguma forma diferente das anteriores ou responde a dúvidas ainda existentes.
Já no tópico “o estudo é sobre quem”, a autora aborda que é preciso esclarecer quem são os participantes do estudo. Expõe que se deve questionar como eles foram recrutados, quais foram incluídos e quais foram excluídos e em quais circunstâncias eles foram estudados; se essas circunstâncias não são idealizadas ou podem impedir a aplicabilidade dos achados.
No terceiro item, “o delineamento do estudo foi adequado”, é explicitado que se deve analisar como foi feita a análise do desfecho e sob que parâmetros, além de conhecer qual intervenção especifica estava sendo comparada.
Na pergunta “o viés sistemático foi evitado ou minimizado?”, é definido o que é o viés sistemático e que ele pode ser evitado através da maior semelhança possível entre os grupos analisados. A seguir ela cita, explica e exemplifica os diferentes tipos de estudos: ensaios clínicos randomizados, ensaios clínicos não randomizados, estudos de coorte e estudos de caso controle.
Já no quinto item, “a avaliação foi submetida a mascaramento?” a autora afirma que se deve ao máximo procurar manter o mascaramento a fim de que não haja vieses resultantes desta situação. Ela observa que é importante manter tanto os observadores quanto os participantes sob mascaramento a fim de evitar o viés de desempenho.
Ressalta que também é importante observar o tamanho da amostra, a duração e a totalidade do acompanhamento.
ESTATÍSTICA PARA QUEM NÃO É ESTATÍSTICO
Autoras: Bruna Lorentz, Laura Paz, Marina Pasqualini e
Stéphanie Niederauer
O capítulo 5 trata de como quem não é estatístico pode avaliar os testes estatísticos. Dessa forma, o assunto é abordado de maneira leve, demonstrando que o objetivo é fazer com que o leitor seja capaz de descrever em palavras o que o teste faz e em que circunstâncias ele não é válido ou apropriado. Algumas dicas são citadas com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor, como: se os pontos muito extremos no gráfico estão atrapalhando os cálculos e a compreensão, simplesmente apague-os; ou, ignore todos os participantes que não concluíram e os que não responderam à pesquisa, para que a análise somente envolva dados integrais.
Sempre que se faz um estudo e divide-se o experimento em grupo de intervenção e de controle, é necessário que ambos sejam similares em termos de distribuição de idade, de sexo e de variáveis a serem analisadas (tamanho do tumor, por exemplo). Dessa forma, os dados levantados serão mais verossímeis. Caso os grupos, tenham constituintes muito distintos, é possível adaptá-los/ fazer intervenções com o intuito de obter resultados mais próximos da realidade.
Os testes estatísticos médicos geralmente se classificam em paramétricos e não paramétricos. O primeiro assume que os dados foram retirados de uma forma particular de distribuição, como por exemplo: teste com duas amostras independentes. Já o segundo não assume que os dado foram retirados de uma forma particular de distribuição, como por exemplo: teste U de Manner – Whitney. Nesse caso, ambos testes comparam amostras independentes colhidas da mesma população, como a comparação da altura entre meninos e meninas da mesma turma.
Quando se joga uma moeda, pode haver a “fatalidade” de cair muitas vezes seguidas o mesmo lado, mas isso não significa que a chance do outro lado cair virado para cima seja nula. Da mesma forma deve ser encarado o teste científico: quando um estudo está obtendo dados favoráveis, não se deve excluir a possibilidade de que ele também possa trazer resultados negativos. Concluir que um experimento seja benéfico devido à evolução positiva desse, pode levar à conclusões falsas. Certa vez, fez-se um experimento sobre o uso de aspirina como prevenção de AVC. Os resultados mostraram que os homens tiveram melhor resposta que as mulheres, e por isso, optaram para o não uso desse medicamento em mulheres. Entretanto, estudos posteriores demonstraram que o efeito da aspirina também era benéfico nesse gênero e, portanto, o seu uso passou a ser efetivo.
Quando cada mensuração prévia é pareada com uma mensuração posterior diz-se que estes são dados pareados. Em relação a essas medidas, espera-se que dois valores pareados selecionados ao acaso estejam mais próximos um do outro que dois valores não pareados selecionados.
Outro aspecto a ser avaliado é a realização do teste bicaudal quando o efeito de uma intervenção pode ser negativo. O termo cauda refere-se aos extremos da distribuição e, de modo geral, sua análise estatística deve testar a hipótese de que tanto valores altos como baixos no conjunto de dados sejam devidos ao acaso. A menos que se tenham evidências muito convincentes de que a diferença somente pode ocorrer em uma direção, necessita-se de um teste bicaudal.
Um resultado que esteja a muitas ordens de magnitude além dos demais valores tem menor probabilidade de ser genuíno, mas pode sê-lo. Nesses casos corrigir estatisticamente os valores extremos é uma manobra estatística bastante sofisticada.
Os valores do coeficiente de correlação de Pearson (valor de r) não são válidos a menos que:
1. Os dados tenham uma distribuição normal. Caso contrário testes não paramétricos de correlação devem ser usados
2. As duas variáveis sejam estruturalmente independentes
3. Seja feito um único par de medida para cada participante
4. O valor r (coeficiente de correlação da amostra) seja acompanhado por um valor de p, que expressa qual a probabilidade de uma associação com essa magnitude ter surgido ao acaso, ou por um intervalo de confiança, que expressa a variação dentro da qual o verdadeiro valor de R (coeficiente de correlação de toda população) provavelmente se situe.
Ademais, é importante avaliar se foram feitas suposições sobre a natureza e a da direção da causalidade, em outras palavras, a presença de uma associação entre A e B não diz nada sobre a presença ou a direção da causalidade. Para demonstrar que A causou B (e não B causou A nem que A é B foram ambos causados por C) é necessário mais de um coeficiente de correlação.
O valor “p” significa a probabilidade de que um desfecho qualquer tenha ocorrido ao acaso. A comunidade científica atribui um valor de p menor que 0,05 ou menor que 5% como estaticamente significativo e um valor de p menor que 0,01 ou menor que 1% como estatisticamente muito significativo. Portanto, se um resultado de pesquisa se encontra na variação estatisticamente significativa, isto é, possui um p entre 0,01 e 0,05, os autores devem rejeitar a hipótese nula (a hipótese de que não há diferença real entre dois grupos). Do contrário, um valor de p que não esteja na faixa significativa indica que ou não existe diferença entre os grupos (hipótese nula é aceita) ou que há poucos participantes para demonstrar se essa diferença realmente existe.
Além disso, o valor de p tem outra limitação, por isso, é necessário a abordagem de intervalos de confiança. Um intervalo de confiança pode ser calculado com base no resultado de testes estatísticos como o teste t, valor de r, redução do rico absoluto, etc. Por exemplo, se um mesmo ensaio clínico fosse repetido centenas de vezes, não seria possível obter-se o mesmo resultado cada vez. Porém, em média, um nível de diferença ou ausência de diferença seria obtido entre os dois extremos do ensaio. Ou seja, se o intervalo de confiança de 95% for calculado para os resultados do ensaio, há uma chance de 95% de que a diferença “real” esteja entre os dois limites do ensaio.
Quanto maior o ensaio clínico (quanto mais resultados de diversos estudos forem agregados), mais estreito será o intervalo de confiança, o que indica uma maior confiabilidade de uma estimativa.
O objeto de estudo é a interpretação de efeitos que são expressados nos artigos. Ao compreender alguns aspectos básicos, como cálculos simples de alguns componentes estatísticos - redução do risco relativo (RRR), redução de risco absoluto (RRA) e número de pacientes necessário a tratar (NNT) - o leitor será capaz de interpretar mais facilmente os dados do artigo e tirar suas próprias conclusões sobre ele.
Apesar de a estatística apresentar-se de forma intimidadora, a compreensão de seus aspectos mais básicos permite que o leitor possa analisar pesquisas e, ao final da leitura, consiga aplicar e relacionar o que leu ao seu cotidiano. Esses mecanismos ajudam o leitor a tirar suas próprias conclusões a respeito dos artigos, sem a interferência de uma pessoa especializada, fazendo com que a interpretação dos dados seja o mais pessoal possível, sem tantos interesses subentendidos e contribua para uma melhor prática médica.
ARTIGOS QUE RELATAM ENSAIOS DE TRATAMENTOS MEDICAMENTOSOSOS E OUTRAS INTERVENÇÕES SIMPLES / COMPLEXAS
Autores: Carolina Ramos, Claudia Pietrobiasi, Daniel de Vargas, Laura Roso
O capítulo 6 traz como título: Artigos que relatam ensaios de tratamentos medicamentosos e outras intervenções simples
“Evidências”
A indústria farmacêutica tem interesse em movimentar grandes somas de valores com a ajuda dos profissionais da área da saúde. Além de tentar influenciar tais profissionais, ela busca atingir diretamente o paciente por meio de publicidade.
A propaganda direta ao consumidor tem poder de transformar um simples paciente em um “representante não remunerado da indústria”, estudos apontam que alguns pacientes conseguem direcionar o medico na prescrição de um medicamento.
Representantes de laboratórios não trazem informações erradas sobre seus medicamentos, mas tentam influenciar o profissional médico com dados seletivos e tendenciosos. Muitas vezes os representantes se apresentam munidos de artigos científicos publicados em periódicos de conteúdo científico de menos expressão, ou seja, esses artigos foram rejeitados por canais mais seletivos e confiáveis. Cabe ao profissional médico apurar se senso crítico e avaliar cuidadosamente métodos e análises estatísticas de tais artigos.
Tomando decisões sobre o tratamento
Para evitar que um determinado tratamento se torne um caos terapêutico, o médico deve seguir 3 passos.
1 Identificar o objetivo final do tratamento para o determinado paciente.
2 Usar todas as evidencias disponíveis para selecionar o tratamento mais apropriado.
3 Especificar o alvo do tratamento.
Outro ponto importante e bastante simples é se orientar pelas evidências que apontam para “o que funciona” e não pelo que deveria ou parece funcionar, ou seja, usar métodos comprovadamente eficazes.
Desfechos clínicos substitutos
Desfechos clínicos substitutos são variáveis com medidas relativamente fáceis que fazem previsão de uma intervenção terapêutica, mas não é ,em si, uma medida direta do benefício clínico. Eles podem reduzis consideravelmente os custos de ensaios randomizados e permitem que tratamentos sejam avaliados em casos de desfechos primários excessivamente invasivos ou antiéticos.
Os desfechos mais usados são as medidas farmacocinéticas, resultados de estudos in vitro, aspectos macroscópicos e alterações de alguns marcadores biológicos. Eles possuem uma série de restrições, pois tais resultados podem não corresponder diretamente com uma resposta clínica satisfatória pois são desenvolvidos em modelos animais de doença.
Um bom exemplo disso é o de um tratamento que proporcionava uma queda mais lenta dos níveis de CD4 em pacientes HIV positivos, um dado muito interessante, mas que nos fim não resultou em uma maior taxa de sobrevida de tais pacientes.
É errado afirmar que a indústria usa desfechos clínicos com o intuito de enganar e influenciar autoridades e profissionais da saúde, mas é importante ter cautela quando ler um artigo baseado em desfechos clínicos.
Informações a esperar de um artigo descrevendo um ECR: Declaração Consort
Em 1996, um grupo de trabalho internacional produziu uma lista de padronização, Consort, para relatar a ECRs em periódicos médicos. É necessário sempre consultar, solicitar e analisar criticamente um artigo ao qual se aplique.
Evidências de valor de um representante farmacêutico
Ao buscar informações a respeito de um medicamento novo, deve-se conhecer os efeitos adversos e vantagens do antigo. Ao invés de perguntar ao representante de laboratório qual a incidência de erosão gástrica com o novo AINES, perguntar, sim, ‘Qual a incidência de sangramento gástrico com risco de vida potencial?’
É preciso ter alguns critérios para atender e absorver a proposta de forma correta. (A) Limitar entrevistas somente que lhes seja interessante, com horário marcado; (B) Assumir o controle da entrevista; (C) Solicitar evidências por periódicos respeitados; (D) Ignore evidências baseadas em histórias reais; (E) Pedir evidências em quatro áreas específicas: SEGURANÇA, TOLERABILIDADE, EFICÁCIA, PREÇO (STEP); (F) Avalie as evidências de forma vigorosa; (G) Não indique o produto apenas por ser novidade; (H) Recusar fazer testes com amostras grátis ou fazer pesquisas não controladas e em pequena escala; (I) Registrar por escrito o conteúdo da entrevista e agende nova visita com o representante para expressar sua posição.
O capítulo 7 tem como título: Artigos que relatam ensaios de intervenções complexas
Conceito
Intervenções complexas são aquelas em que há dificuldade para precisar qual é a intervenção exatamente, uma vez que envolvem múltiplos componentes que interagem e podem operar em mais de um nível, tanto individual como organizacional. Geralmente, as intervenções complexas precisam passar por uma fase de desenvolvimento para que os diferentes componentes das mesmas possam ser otimizados antes de serem testados em um grande ensaio clínico randomizado.
Fases
Os ensaios de intervenções complexas, em geral, passam por uma fase de desenvolvimento inicial, no qual são realizadas entrevistas e observações qualitativas para descobrir o que os indivíduos achariam aceitável, incluindo-o ao delineamento da intervenção.
Em seguida, é feito um ensaio piloto de pequena escala, no qual um pequeno número de participantes é randomizado para ver que aspectos práticos e operacionais aparecem.
É importante ressaltar que quando uma intervenção complexa produz resultados negativos isso não necessariamente quer dizer que todas as adaptações dessa intervenção não serão efetivas. Ao contrário, tende a alertar os pesquisadores à investigarem como a intervenção pode ser mais refinada e adaptada para torna-la mais provável de funcionar.
A análise de um artigo que descreve uma intervenção complexa, para que possa feita de forma correta, deve ser baseada em algumas orientações escritas pelo Medical ResearchCouncil e resumidas pelo British Medical Journal, em 2008.
As orientações alertam, inicialmente, ao leitor, que fique atento se esta intervenção complexa é vista como uma possível solução, para isso, é de extrema importância que se consiga identificar precisamente qual é o problema abordado, só então será possível ter uma visão crítica sob a intervenção proposta pelo artigo. Após esta identificação, é necessário analisar o que foi feito na fase de desenvolvimento da pesquisa que informe o delineamento da intervenção complexa. Para isso, os autores devem definir claramente o que fizeram e justificar. Nesse desenvolvimento, deve constar se foi realizado por pesquisa qualitativa ou se foi usado um questionário, por exemplo. No momento em que estiver analisando o trabalho empírico, o leitor deve levar em consideração as listas de verificação apropriadas para o delineamento do estudo e se estes achados foram usados para informar o delineamento da intervenção. Um aspecto da fase de desenvolvimento é identificar uma população-alvo e talvez dividi-la em subpopulações, por idade, gênero, etnia, nível educacional, entre outros.
Outro aspecto importante nas intervenções complexas é identificar qual era o componente fundamental e os não fundamentais da intervenção, ou seja, quais são as coisas que devem manter um padrão aonde quer que a intervenção seja aplicada (fundamentais) e quais são as coisas que devem ser adaptadas ao contexto e ao ambiente (não padronizadas). É importante ressaltar que os autores devem declarar claramente quais os aspectos da intervenção devem ser padronizados e quais devem ser adaptados, essa diferenciação se dá a partir dos achados da fase de desenvolvimento.
Após ter analisado estes dados, o leitor deve ficar atento a qual é o mecanismo teórico de ação da intervenção. Os autores devem declarar explicitamente como se pensa que a intervenção deve funcionar e isso inclui uma declaração de como os diferentes componentes se encaixam. No decorrer da análise da intervenção é necessário julgar se os mecanismos oferecidos pelos autores são adequados. Depois disso, é importante observar quais as medidas que foram usadas para o desfecho e se estas mesmas foram sensatas. Geralmente, uma intervenção complexa pode ter múltiplos desfechos e todos eles são importantes de alguma maneira.
É necessário ser identificado pelo leitor, quais foram os achados da intervenção complexa, e estes devem ser cuidadosamente interpretados. É fundamental, também, analisar qual processo de avaliação foi feito e quais foram os achados-chave disso. Nestes estão incluídos, por exemplo, as informações sobre os desafios práticos enfrentados pela equipe de frente tentando implementar a intervenção.
É importante ressaltar também que, se estes achados do trabalho foram negativos, deve-se encontrar no artigo da intervenção complexa a explicação a que isso se deve. Se foi por falha na implementação ou na otimização inadequada da intervenção. Se os achados variaram entre os diferentes subgrupos, o leitor deve identificar na leitura, quanto os autores explicaram isso refinando a teoria de mudança. A pergunta “por que” deve fazer parte do pensamento crítico de quem está lendo, analisando criticamente os achados em contexto.
ARTIGOS QUE RELATAM TESTES DIAGNÓSTICOS OU DE RASTREAMENTO
Autores: Anna Raquel Camargo, Gabriela Cervi Konzen
e Guilherme Welter Werlang
A primeira seção do capítulo 8 - “Dez homens no banco dos réus” - introduz conceitos de grande importância utilizados na análise de testes diagnósticos ou de rastreamento. Entre esses conceitos estão: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo (VPN) e precisão de desempenho. A introdução desses conceitos é feita por meio de um exemplo prático, o que facilita o entendimento sobre eles, os quais são, muitas vezes, mal interpretados por muitos médicos.
O exemplo utilizado por Trisha Greenhalgh nessa seção é o seguinte: dez pessoas aguardam julgamento por assassinato, mas apenas três cometeram o crime. O júri determina que seis dos homens são culpados, sendo que desses apenas dois realmente cometeram o assassinato. Dessa forma, quatro homens são presos injustamente e um assassino não é condenado.
Com esse exemplo, os leitores podem compreender que, assim como um júri possui aspectos positivos e falhas, da mesma forma podem ocorrer falhas em um teste diagnóstico ou de rastreamento. Portanto, deve-se realizar uma análise criteriosa sobre um teste para que ele seja considerado válido, desde que seus resultados sejam aceitáveis.
Em seguida, tem-se a explicação acerca da validação de testes diagnósticos em relação a um padrão-ouro. Essa validação ocorre por meio de um estudo de validação (observar se os resultados do teste analisado – sensibilidade, especificidade, entre outros – estão de acordo com os resultados do teste padrão-ouro).
O exemplo utilizado pela autora é em relação ao diagnóstico de diabetes por meio de teste de glicose na urina ou por meio do teste padrão de tolerância à glicose. O teste da glicose na urina possui importância, principalmente no rastreamento da diabetes, devido à rapidez para obter o resultado, ao baixo custo e ao menor desconforto proporcionado ao paciente. No entanto, esse teste não é suficiente para diagnosticar diabetes, pois, por exemplo, um paciente não diabético pode apresentar glicose na urina por outros motivos, como por doença renal (nesse caso, o teste resulta em falso-positivo).
Um estudo de validação analisa SEIS aspectos. 1. Sensibilidade: capacidade de detectar pessoas com a doença; taxa de verdadeiros-positivos; 2. Especificidade: capacidade de excluir pessoas sem a doença; taxa de verdadeiros-negativos; 3. Valor preditivo positivo: probabilidade de que um paciente com teste positivo realmente apresente a doença; 4. Valor preditivo negativo: probabilidade de que um paciente com teste negativo realmente não apresente a doença; 5. Acurácia: proporção de todos os testes que apresentou resultados corretos, ou seja, verdadeiros positivos e verdadeiros negativos; 6. Razão de verossimilhança de um teste positivo: probabilidade de encontrar um teste positivo em um paciente com a doença, comparando com um paciente que não o apresenta.
Na seção 8.3 do capítulo 8, destacam-se alguns fatores que devem ser questionados para definir a importância ou mesmo a relevância do artigo/estudo. Nessa seção há um resumo de alguns critérios que são propostos em livros específicos para análise crítica de estudos. O decorrer do texto até seu desfecho se dá através de perguntas que, pela sua facilidade de entendimento, copiarei integralmente.
Este teste é potencialmente relevante para minha prática?
Avaliar qual o grau de importância do assunto para a sua prática profissional. Isso já se percebe logo na introdução ou resumo do artigo.
O teste foi comparado com um verdadeiro padrão-ouro?
Qual o valor de um determinado teste se ele não for comparado ao do padrão-ouro já existente? Não poderei justificar minha conduta e nem saber se devo mudar algum procedimento visto que não sei se o que está sendo proposto é melhor, pior ou igual ao procedimento já existente.
Este estudo de validação inclui um espectro apropriado de participantes?
Os participantes dos estudos devem ser o mais heterogêneos possível, evitando o risco de se ter um estudo tendencioso e com importância baixa. Portanto a randomização traz para o estudo uma parcela mais parecida com a população em geral, assim como a quantidade de participantes elevada também.
O viés de investigação foi evitado?
Todos os participantes devem realizar tanto o novo teste quanto o teste padrão-ouro.
O viés de expectativa foi evitado?
Os profissionais que avaliam os testes não devem ter pistas sobre o caso em questão, uma vez que podem ser influenciados pelo seu conhecimento referente ao que está sendo estudado. Portanto, os analistas devem avaliar o caso sem nenhum conhecimento prévio quanto ao caso, sintomas ou paciente.
O teste mostrou ser reprodutível tanto intra quanto entre observadores?
O estudo deve ser passível de ser reproduzido e ter resultados muito próximos, se não sua relevância também fica prejudicada.
Quais são as propriedades do teste determinadas a partir deste estudo de validação?
O estudo só será válido quando sua sensibilidade e especificidade forem elevadas, visto que valores baixos não apresentarão grande importância terapêutica.
Os intervalos de confiança para sensibilidade, especificidade e outras propriedades do teste foram fornecidos?
Devem ser fornecidos para melhor embasar nossa visualização. Lembrando que eles devem ser baixos e que isso se consegue usando uma amostra grande.
Foi obtida uma “variação normal” sensível com estes resultados?
Se o estudo nos apresenta valores, deve aparecer também uma tabela nos dizendo entre quais desses valores o caso apresentado é normal. Caso contrário, não temos como adivinhar se o valor é normal ou anormal.
Este teste foi colocado no contexto de outros testes potenciais na sequência de investigação diagnóstica para o problema?
Alguns exames apresentam sensibilidade e especificidade apenas em pacientes que já tiveram uma anormalidade em exames prévios. Por exemplo, na identificação de estenose das artérias coronárias. Usa-se cineangiocoronariografia somente depois de achados de angina, ECG de repouso e ECG em exercício. Se o paciente apresenta alguma anormalidade em algum desses exames, ele é submetido à cineangiocoronariografia. Portanto, para pacientes com uma provável doença este teste é bom, agora se este for submetido em pessoas normais os valores de sensibilidade e especificidade podem variar muito, assim como os valores preditivos positivos e negativos (VPP e VPN).
Na seção sobre “Razões de verossimilhança”, a autora referiu que quando há problemas em definir uma faixa de normalidade para variável contínua, pode, se preferível, expressar o resultado do exame em termos de chances reais de um paciente ter a doença-alvo se o resultado do teste atingir um determinado nível. Para isso citou como exemplo o teste do antígeno prostático específico (PSA) para o rastreamento do câncer de próstata. Não há um ponto de corte preciso entre o normal e o anormal na quantidade de (PSA) presente no sangue, ou seja, não há um valor de PSA que forneça uma razão de verossimilhança particularmente alta na detecção do câncer. Orientou que o melhor a fazer é compartilhar essas incertezas com o paciente e deixa-lo decidir se quer realizar o teste.
A razão de verossimilhança pode ser usada diretamente para propor um diagnóstico específico. Cita o nomograma para calcular as probabilidades pós–testes quando a probabilidade pré-teste (prevalência) e a razão de verossimilhança para o teste são conhecidas.
Por fim, a autora coloca as regras de predição clínica, comentando a questão de fazer uso de mais de um exame para formar um diagnóstico. Hoje em dia, ao acompanhar pacientes com sintomas específicos e registrar os achados de exames clínicos e testes diagnósticos de todos eles, podemos chegar a estimativas numéricas de chance de uma pessoa ter ou desenvolver uma doença na presença desses sintomas. Esses dados, hoje em dia, são usados online por médicos em diferentes centros.
Existem TRÊS estágios no desenvolvimento de uma regra de predição clínica. Primeiro, ela deve ser desenvolvida pelo estabelecimento de um efeito independente e combinado de variáveis explicativas como sintomas. Em segundo, estas variáveis explicativas devem ser avaliadas em diferentes populações. E em terceiro, deve haver uma análise do impacto.
Assim, Trisha Greenhalgh propõe, por meio desse capítulo, aspectos fundamentais que devem ser analisados na avaliação e validação de testes diagnósticos ou de rastreamento. Além disso, coloca algumas questões que podem ser levantadas para averiguar a relevância do teste avaliado.
Por meio dessas ferramentas e com a utilização de exemplos práticos, a autora facilitou o entendimento sobre um assunto importantíssimo o qual nem sempre recebe a devida importância de estudantes e médicos que analisam ou validam, em alguns casos sem critérios objetivos, testes diagnósticos ou de rastreamento.
ARTIGOS QUE RESUMEM OUTROS ARTIGOS
Autores: Fábio Lisboa de Paula e Lucas Boff
O capítulo 9 se dedica aos artigos que resumem artigos publicados sobre determinado tema.
1. Revisões sistemáticas e metanálises.
São revisões diferentes das revisões jornalísticas. Estas normalmente não são sistemáticas, isto é, padronizadas e objetivas. Tem um viés seletivo que influencia sua escolha; cópias dos conteúdos úteis e descarte dos demais. Muitos dos artigos de revisão médica ainda são escritos em formato jornalístico.
Uma revisão é considerada sistemática quando realizada em acordo a uma metodologia de pesquisa que é descrita explicitamente e pode ser reproduzida por outro pesquisador.
Há vantagem quando a revisão é sistemática: (1) ocorre menos viés seletivo; (2) grandes quantidades de informação podem ser rapidamente assimiladas; (3) os resultados de diferentes estudos podem ser formalmente comparados; (4) as razões para a heterogeneidade podem ser identificadas e novas hipóteses podem ser geradas a respeito de subgrupos específicos.
Para se realizar uma revisão sistemática, não somente a busca por artigos deve ser cuidadosa e objetiva, mas também os critérios usados para rejeitar artigos devem ser explícitos. Ou seja, você descarta alguns artigos porque os objetivos e/ou métodos de ensaio não atenderam aos seus critérios de inclusão ou de padrão de qualidade, independente dos resultados.
Para avaliar uma revisão sistemática, algumas perguntas, baseadas nas listas de verificação Quorume Prisma, devem ser feitas:
Você consegue encontrar uma questão clínica importante que a revisão tenha examinado?
É muito fácil se perder em aspectos do assunto que você nunca pretendeu abordar. A questão examinada por uma revisão sistemática deve ser definida com muita precisão. A pergunta “os anticoagulantes previnem acidente vascular cerebral em pacientes com fibrilação atrial?” parece bastante específica. Mas vejamos: fibrilação atrial inclui tanto as formas reumática e não reumática e ainda a fibrilação atrial intermitente? O termo ‘acidente vascular cerebral’ inclui tanto o acidente vascular cerebral isquêmico como o hemorrágico? Em relação aos vasos rompidos, não devemos pesar os efeitos colaterais dos anticoagulantes contra seus possíveis benefícios? Os anticoagulantes verdadeiros, como varfarina e heparina, devem ser comparados com placebo ou outros fármacos que reduzem a tendência à coagulação, como aspirina? A revisão deve abranger ensaios clínicos em pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral prévio ou um ataque isquêmico transitório, ou deve ser limitada a ensaios em pacientes sem estes fatores de risco para AVC futuro? Aquela questão, que parecia simples de responder, tornou-se difícil e devemos refiná-la: “Avaliar a efetividade e a segurança da terapia com anticoagulante do tipo varfarina na prevenção secundária (após um AVC ou ataque isquêmico transitório prévio) em pacientes com fibrilação atrial não reumática: comparação com placebo”.
Foi feita uma pesquisa extensa nas bases de dados apropriadas e foram exploradas outras fontes potencialmente importantes?
De onde veio a informação e como ela foi coletada?
A qualidade metodológica foi avaliada e os ensaios clínicos foram valorizados de acordo?
Uma das tarefas de um revisor sistemático é elaborar uma lista de critérios.
Qual a sensibilidade dos resultados em relação à forma em que a revisão foi feita?
Ensaios clínicos de qualidade metodológica inferior tivessem sido incluídos (ou excluídos)?
Os resultados numéricos foram interpretados com bom senso e a devida consideração aos aspectos mais amplos do problema?
A inclusão de estudos irrelevantes em revisões sistemáticas certamente reduz sua credibilidade.
Metanálise
A metanálise é um tipo de revisão sistemática que valoriza também a avaliação quantitativa permitindo uma análise estatística do fenômeno estudado. Ambiciona obter uma significância estatística que dê mais certeza do resultado apontado.
Para iniciar um estudo de metanálise deve-se definir uma questão a ser abordada, por exemplo, "qual a relação entre o consumo de café e a doença coronária?", e do tipo de estudos que serão usados.
O próximo passo é definir as variáveis do estudo, como: o resultado esperado (no caso em questão seria uma das várias formas de manifestação da doença coronária, por exemplo, o enfarte agudo do miocárdio, a angina de peito, a insuficiência coronária, etc.), a exposição (neste caso deveria definir-se uma escala de exposição em relação ao consumo de café), os fatores de confusão (neste caso seria importante ter informação, por exemplo, sobre os hábitos tabágicos, etc.).
A seguir é feita uma pesquisa exaustiva para encontrar, idealmente, todos os estudos sobre a questão. Esta pesquisa é feita utilizando-se a base de dados bibliográfica disponível como Medline, por exemplo. Mas deve, na medida do possível, ser completada com outros métodos de pesquisa como consulta de especialistas e resumos apresentados em congressos científicos.
A não existência de dados suficientes que permitam a análise de cada estudo é, deste modo, um dos maiores problemas encontrados na realização de uma metanálise, tanto por não ter acesso aos estudos, como por eles próprios poderem ter limitações e deficiências.
ARTIGOS QUE DIZEM A VOCÊ O QUE FAZER: DIRETRIZES
Autores: Luan M. R. Pereira; Marcela Martin S. de P.; Marcelo Pilatti
O capítulo 10 desse livro, aborda as diretrizes e sua função no meio médico. Logo de início começa explicando o que seria, enfim, diretrizes: “diretrizes são afirmações desenvolvidas sistematicamente para auxiliar nas decisões do médico sobre o cuidado de saúde apropriado para circunstâncias clínicas específicas.”
Dito isso,Trisha ainda diferencia protocolos de diretrizes através de um artigo publicado por uma de suas alunas, Deborah Swinglehurst, na qual cita que “protocolos são instruções sobre o que fazer em circunstâncias específicas. São semelhantes às diretrizes, mas deixam menos espaço para julgamento individual e, com frequência, são produzidos para equipes menos experientes ou para uso em situações nas quais as eventualidades são previsíveis.”
Há críticas em relação às diretrizes: 1. muitos doutores se sentem “encurralados”, tendo de seguir umas doutrinas das quais não concordam muitas vezes; 2. a falta de concordância por parte dos especialistas a respeito da própria qualidade das evidências, o que deixa uma incerteza grande no ar; 3. a falta de apreciação das evidências pelos médicos, os quais, muitas vezes, não convencidos de que tais evidências sejam verídicas ou suficientes para mudar de atitude, sentem-se superiores a tais pesquisadores; 4. a própria medicina defensiva, a qual faz com que os médicos duvidem de tudo e confiram inúmeras vezes cada resultado para não haver dúvidas; 5. restrições estratégicas, de custo e de práticas específicas; 6. a falha dos pacientes em aceitar os procedimentos novos; 7. as influências concorrentes de outros fatores não médicos, como mecânicos e informáticos; 8. e, finalmente, a falta de um feedback apropriado e especifico para o paciente sobre o desempenho, espalhando, novamente, a incerteza.
O professor sir John Grimly Evans deixa bastante explícito sua aversão tanto ao uso excessivo quanto à imposição compulsiva das diretrizes: “existe um temor de que, na ausência de evidências claramente aplicáveis ao caso em questão, um médico possa ser forçado pelas diretrizes a fazer uso de evidências que são apenas duvidosamente relevantes, geradas talvez em um grupo diferente de pacientes, em outro país, em alguma outra época e usando um tratamento similar, mas não idêntico. Esta é uma medicina enviesada por evidências; é usar as evidencias da mesma forma que o bêbado que procurava a chave da sua casa sob a lâmpada da rua, porque era onde a luz estava, mesmo ele tendo deixado cair a chave em outro lugar.”
A seguir, cita-se os objetivos das diretrizes:
1. Tornar os padrões baseados em evidencias explícitos e acessíveis (porém, consulte adiante: poucas diretrizes atualmente em circulação são de fato baseadas em evidências);
2. Tornar a tomada de decisões na clínica e à beira do leito mais fácil e mais objetiva;
3. Fornecer um guia para avaliar o desempenho profissional;
4. Delinear a divisão de trabalho (p. ex., entre clínicos gerais e especialistas);
5. Educar os pacientes e os profissionais sobre a “melhor prática corrente”;
6. Melhorar a relação custo-efetividade dos serviços de saúde;
7. Servir como um instrumento para o controle externo;
No entanto, muitos médicos, incluindo sir Grimly, acreditam que muitos serviços de saúde que usam diretrizes e protocolos tratam doenças e não pessoas. No entanto, Trisha deixa claro que diretrizes e protocolos foram criados para dar um norte ao profissional e não para tirar a sua capacidade de julgamento e de decisão.
No sistema de saúde do Reino Unido, mostra o livro, os profissionais da saúde tem a obrigação contratual de se basear nas melhores evidências de pesquisa disponíveis. Nos Estados Unidos, podem ser responsabilizados aqueles os quais desenvolverem diretrizes falhas.
As diretrizes são úteis, mas obviamente não são perfeitas: podem padronizar pela média e não pela melhor prática; podem inibir a inovação e impedir que casos individuais sejam manejados de forma individualizada e abrangente.
A partir da leitura desse capitulo, observa-se que a adesão por parte dos médicos em relação as diretrizes é parcial, recusando a adesão total a elas.
As diretrizes, entretanto, são reconhecidas como propostas de caminhos que o médico poderá ou não trilhar ao atender seu paciente.
ARTIGOS QUE DIZEM QUANTO AS COISAS CUSTAM: ANÁLISES ECONÔMICAS
Autores: Allex Corrêa, Felipe de Costa e Miguel Franzoi
O capítulo 11 explica que uma análise ecônomica pode ser definida com aquela que envolve uso de técnicas analíticas para definir opções na alocação de recurso, e não apenas, e puramente, a escolha de um produto, ou serviço baseado na qualidade. Existem alguns aspectos a serem avaliados durante o processo de escolha e implementação de um serviço, como por exemplo:
- Análise de minimização de custos;
- Análise de custo-efetividade;
- Análise de custo-utilidade;
- Análise de custo-benefício;
A análise de minimização de custos usa o método comparativo financeiro entre dois produtos que tem a mesma eficácia comprovada, como por exemplo, um medicamento e seu equivalente genérico. No que diz respeito a efetividade, a comparação é usada quando o efeito entre dois tratamentos distintos tem resultados diferentes, como no caso de um tratamento de prevenção que é comprovadamente mais eficaz que o outro, deixando a parte financeira de lado.
A relação custo-utilidade, é a proporção entre eficácia e custo, no caso de um medicamento, põe-se na balança, os benefícios e efeitos colaterais que podem ser causados, analisando os prós e contras do mesmo por centavo pago, por exemplo. O último item, ao qual se refere ao custo-benefício, testa a efetividade de um tratamento, por outro distinto, para outra finalidade, pelo preço a ser pago. Pode ser ilustrado por um programa de saúde, que decide se é mais vantajoso aplicar os recurso à disposição, para o financiamento de um programa de transplante cardíaco, ou em uma enfermaria de reabilitação para acidente vascular cerebral.
De maneira geral é a análise de custo-benefício é a que norteia os principais programas de saúde. Além dos custos diretos a serem considerados no tratamento da população (gastos para que uma cirurgia seja feita, e os serviços utilizados na estadia no hospital por exemplo), existem outros tipos de custos, comos os indiretos e ocultos. Os indiretos, pegando-se o caso de uma cirurgia de apendicite, referem-se ao tempo que o cidadão perde em produção; já os ocultos, são os incômodos de se estar longe de casa, a perda da indepêndencia, e as complicações causadas no pós-operatório.
Por outro lado, existe a análise dos benefícios, que incluem não só os ecônomicos, como a prevenção de doenças mais caras para tratamento, mas também os clínicos e na qualidade de vida. O alívio da dor e dos desconfortos, assim como o aumento do bem-estar e da dependência do paciente, e seu retorno mais rápido ao trabalho pesam nessa balança.
Para ilustrar o fato, pega-se o exemplo de um indicador de custo-benefício da área da saúde estudado, o QALY (quality-adjusted life years), que é britânico. Nesse programa, assim como na grande maioria, são reproduzidas as características da sociedade em que está inserido, normalmente preconceituosas com idade, sexo, raça e com indíviduos com incapacidades permanentes. Um bebê prematuro, necessitando de UTI, disporia de mais recursos que uma mulher de 50 anos com câncer, pois o bebê, terá muito mais anos de contribuição e de vida a serem ajustados para a qualidade. Esse tipo de método comparativo prioriza muito mais os anos de vida, do que a qualidade que essa vida levará, e essa tem sido a tônica das políticas públicas no que se refere a saúde.
ARTIGOS QUE VÃO ALÉM DOS NÚMEROS (PESQUISA QUALITATIVA) E ARTIGOS QUE RELATAM PESQUISAS POR QUESTIONÁRIOS
Autoras: Ana Carolina Silva Ribeiro, Bárbara C. Fillippini e Júlia P. Seben.
Pesquisa qualitativa
O capítulo 12 explica que a função da pesquisa qualitativa é a de coletar relatos, documentos, histórias, gerando hipóteses e idéias, utilizando o raciocínio indutivo. Esse tipo de pesquisa aproxima-se da verdade: por meio das hipóteses e idéias, é possível chegar a resposta da pergunta, com base na indução.
A pesquisa qualitativa torna-se mais aperfeiçoada com a participação de mais de um pesquisador: confiabilidade interexaminadores.
Faz-se necessário descrever um problema clínico importante, assim como delinear um foco específico desde o início da pesquisa, que deverá responder algumas questões. Essas questões podem ser modificadas no decorrer da pesquisa, o foco não. Deve ser feita uma pesquisa progressiva, que proporcione variabilidade do assunto. No final da pesquisa, porém, deverá haver questão(ões) formuladas para serem respondidas durante o relato, só assim será feita uma boa pesquisa.
Apesar de parecer, a pesquisa qualitativa não é um procedimento técnico, e sim uma tarefa interpretativa; ela depende da experiência pessoal dos pesquisadores e dos pesquisados. Ela é feita a partir da escolha de grupos particulares, porém esses grupos não podem ser selecionados de uma maneira conveniente para o pesquisador obter o resultado que deseja, por exemplo. Evidentemente, uma pesquisa não pode ser desprezada se a expectativa do pesquisador for confirmada, visto que ele não influencie a pesquisa com a sua expectativa.
Deve-se ter documentos e informações necessárias para ser feita uma boa pesquisa, e isso deve ser avaliado pelo bom senso dos pesquisadores.
O pesquisador deve utilizar medidas de controle de qualidade, que possam detectar e interpretar itens que pareçam contraditórios. Atualmente, a análise de dados quantitativos é feita com auxílio de programas de computador, o que facilita muito esse controle.
Em relação aos resultados, deve haver bom senso para saber se eles possuem credibilidade e se são clinicamente importantes. Citações e exemplos devem ser indexados, para que possam ser rastreados.
Na pesquisa qualitativa, os resultados são uma interpretação de dados, ou seja, as conclusões são tiradas a partir da pesquisa e devem ser justificadas por esses resultados. Além de saber se as interpretações estão de acordo com o bom senso, mostrando as perspectivas do pesquisador, deixando-as explícitas, para que o leitor interprete corretamente a pesquisa “baseada em evidências”. O estudo deve ser aplicado apenas em situações limitadas.
O capítulo 13 - Artigos que relatam pesquisa por questionário - analisa a ascensão crescente da pesquisa por questionário, além de citar fatores que devem ser sempre observados.Existem mais pesquisas por questionários malfeitas na literatura do que qualquer outro método de estudo.
Os questionários são utilizados devido a sua objetividade em coletar informações dos mais diversos tipos, desde conhecimentos e crenças, até atitudes e comportamentos das pessoas. Eles são não nem um método quantitativo e nem qualitativo mas sim um meio de coletar diversos tipos de dados de acordo com as perguntas realizadas.
A complexidade de um questionário pode ser muito variável, desde um simples verdadeiro e falso até amplas escolhas de resposta.
Posteriormente são referidas dez questões que devem ser feitas sobre um estudo por questionário:
1.Qual era a pergunta de pesquisa, e se o questionário era adequado para responde-la?
2.O questionário utilizado no estudo era válido e confiável?
3.Como parecia o questionário e era adequado a população-alvo?
4.As instruções estavam claras?
5.O questionário foi adequadamente testado em um estudo-piloto?